Onde uma vítima de violência sexual poderia receber atendimento na USP?

Repórter do JC constata que instituições acolhem quem sofreu assédio e estupro

Por Júlia Mayumi

Ser mulher é ser assediada em algum momento da vida. Provavelmente, mais de um momento. Só no ano passado, 22 milhões de mulheres passaram por algum tipo de assédio, segundo o Datafolha. Esse tipo de situação pode acontecer com qualquer uma, com recortes de orientação sexual, classe social e etnia. Ser não-negra, hetero e classe média me tira das maiores estatísticas, mas não me coloca a salvo. Não me colocou a salvo. Mas como seria dentro da USP?

Quando casos de assédio e violência sexual acontecem no lugar em que você estuda, tudo se torna mais complexo. Se o agressor é seu colega de turma ou trabalha na universidade, vários medos específicos surgem: como vai ser cruzar com ele de novo? E se ele tentar outra vez? Eu optei por não fazer nada a respeito; mas, e se tivesse decidido agir? Quem procuraria? Como seria recebida? Pensei nos principais lugares que poderiam me ajudar dentro da USP e fui até eles.

SAS

A Superintendência de Assistência Social (SAS) foi a primeira que me veio à mente. Como, pra mim, a informação era de interesse público, achei que não haveria problema em me apresentar como repórter do JC. Expliquei que estava fazendo uma reportagem e queria saber como era o atendimento às vítimas de assédio. Depois de ser encaminhada para três pessoas diferentes, fui informada que só me responderiam mediante autorização da superintendência. Insisti um pouco e o funcionário me disse que as alunas eram encaminhadas para as assistentes sociais, mas que eu não poderia falar com elas. Em casa, procurei o número do serviço social e telefonei, dessa vez sem me identificar. “Tem que ir pessoalmente”, foi a resposta da funcionária.

Atendimento do IP-USP

Andei em círculos pelo corredor do Instituto de Psicologia (IP-USP), pensando no que diria aos funcionários do Centro Escola (CEIP), que oferece atendimento psicológico. Eu já tinha sido assediada? Já, mas não era pra isso que eu estava indo. Que tipo de jornalista mixuruca não consegue fingir para saber como as pessoas reagem aos casos reais, e reportar isso em uma matéria? Se eu falasse que era do jornal, poderia receber um tratamento diferente do que é prestado às vítimas ou então não poderiam me responder, como aconteceu na SAS.

Entrei no CEIP e fui falar com o funcionário atrás do balcão. Perguntei como funcionava o atendimento se uma aluna viesse reportar um caso de assédio, sem explicitar que sabia de um caso específico ou me apresentar devidamente. Ele foi conversar com alguém em uma sala e voltou para Explicar que o Núcleo de Violência de Gênero costumava tratar dessas situações – mas, devido à aposentadoria da responsável, o projeto não existia mais. O funcionário me deu o número da assistente social da Psicologia, mas ela estava em horário de almoço e não poderia falar comigo. Sugeriu que eu falasse procurasse também com o Serviço Social da SAS.

“E se fosse um caso de estupro?”. O funcionário prontamente mencionou a Delegacia da Mulher; no âmbito da USP, indicou o Hospital Universitário para fazer exames e novamente procurar a SAS. Agradeci e fui embora, mas passados poucos segundos ele veio atrás de mim para insistir que eu ligasse para a assistente social.

Expliquei que não era por minha causa e ele concordou sem hesitar, embora eu tivesse certeza que não havia acreditado em mim. O funcionário pediu meu nome e disse que avisaria à assistente social que eu ligaria naquela tarde.

A ausência de julgamento e a genuína preocupação me deixaram com um pouco de remorso por preocupá-lo à toa, mas me satisfez saber que o tratamento dado às vítimas era sensível.

Hospital Universitário

Resolvi mudar de abordagem ao chegar ao HU; fiquei com medo que pensassem que eu havia sido violentada e insistissem para que eu fizesse exames. Além disso, o hospital é cheio demais para que um médico perdesse tempo.

Por isso, fui até a recepção e disse que era de um coletivo feminista. Perguntei sobre o procedimento em casos de violência sexual. A atendente tentou alguns ramais e me passou o telefone quando conseguiu falar com o funcionário do setor de segurança e zeladoria.

O homem explicou que, quando uma vítima de estupro dá entrada no hospital, na mesma hora são feitos vários exames. Assim que os resultados saem, é solicitada uma viatura da polícia que leva a pessoa à delegacia. Em geral, os casos são encaminhados ao 93º DP, o mais próximo da cidade universitária, para que seja feito o boletim de ocorrência.

Também fui informada que todos os casos ficam nos registros do HU, incluindo o BO e a ficha da paciente. O funcionário me disse que o atendimento costuma ser rápido, e a demora dos exames depende muito de cada caso.

USP Mulheres

Apresentei-me como repórter do jornal, pois imaginei que não teria problemas com o escritório. Estava certa: a pessoa que me atendeu, muito gentil, explicou que o USP Mulheres acolhe alunas que trazem denúncias e as escuta. Fazem também a ponte com a Comissão de Direitos Humanos da unidade à qual pertencem as vítimas.

Elas são orientadas sobre quais medidas podem ser tomadas. O USP Mulheres também acompanha os desdobramentos dos casos. As funcionárias passam orientações sobre eventuais cuidados médicos e quais são os processos administrativos dentro e fora da Universidade. Segundo a pessoa que falou comigo, normalmente quem as procura já fez a denúncia para o coletivo feminista da unidade ou até mesmo para a polícia.

O escritório não tem espaço físico nem logística para fazer atendimentos completos, mas oferece algo fundamental no cuidado com pessoas que sofreram qualquer tipo de assédio ou violência: ouvir sem julgamentos. Saí de lá sabendo que as alunas serão bem recebidas.

Respeito

É ótimo que a Universidade forneça todo esse suporte para as alunas. Mas sabem o que realmente acabaria com os casos de assédio e violência sexual? Se os homens parassem de cometê-los. Se eles entendessem que não é não, esse texto não precisaria ter sido feito.