Para formadas na USP, Arte é um trabalho como os outros

Fotógrafa e artista plástica são realizadas, mas trajetória é de pouco glamour e muita dedicação

Por Camila Mazzotto

Foto: Camila Mazzotto

Era 1978 quando Marjorie Sonnenschein foi convocada pela revista em que trabalhava para fotografar o cantor e ator brasileiro Adoniran Barbosa. Ela o encontraria na Padaria Real, espaço ligado à então TV Tupi e conhecido por ser ponto de encontro de artistas. Ao chegar, a surpresa: não só encontrou Barbosa, mas a cantora Elis Regina. Os dois conversavam “com o maior respeito”. Dali, sairia o famoso registro entre os amigos – Elis com o riso solto, Barbosa com as sobrancelhas erguidas. Sobre o resultado, ainda perguntam-lhe: foi sorte, coincidência, iluminação súbita? Ao que sempre responde: “Não existe fórmula pronta, fotografia é trabalho de observação”.

Cearense radicada em São Paulo desde a década de 60, Marjorie formou-se em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes (ECA). Antes, havia estudado desenho, pintura, e participado de aulas de Filosofia da USP, numa “passagem necessária” que despertou sua estima pela sétima arte, movida pelas aulas de uma professora de Estética.

No curso de Cinema, descobriu a fotografia. Produziu e dirigiu um curta-metragem, ilustrou para revistas e jornais, mas vem das quase mil fotos já publicadas a marca de sua produção artística. Marjorie, com quase 75 anos, vive da fotografia há 46.

A vez da pintora

Foto: Camila Mazzotto

Pouco mais de uma década depois da entrada da fotógrafa na ECA, Ana Prata ingressava na mesma Escola, mas antes tentou outros caminhos. Não conhecia, aos 19 anos, ninguém que vivesse da arte em Campinas, interior paulista, onde então vivia. “Acho que a gente só cria ambição a partir do momento em que vemos alguém fazendo aquilo com o que sonhamos”, diz. Na falta de referências, prestou vestibular para o curso de Ciências Sociais da USP.

Ingressou e, em pouco tempo, viu-se infeliz. Gostava de estudar a sociedade, mas suas mãos pediam pincel e tinta. Transferiu-se para Artes Plásticas. Não sentindo-se “pronta” para mostrar suas produções durante a graduação, trabalhou como garçonete para se sustentar. “Quando me formei, tive um pouco de medo de ficar sem grana, mas quando você é artista, mesmo no meio das incertezas, o fato de estar vivendo a arte já te traz uma certa felicidade”, conta.

Sabotada e incompreendida

Em seu apartamento-estúdio, diante de um armário com suas produções, a fotógrafa Marjorie denuncia a relativização do trabalho do artista. O registro de Elis e Adoniran, pelo qual ficou mais conhecida, tem causado dor de cabeça porque foi reproduzido em diversos sites e vídeos no Youtube sem os devidos créditos. “Esse ofício não é brincadeira. Eu passo horas pensando nas cores de uma foto, por exemplo”, diz.   

A pintora Ana, em meio a quadros, folhas de papel, tintas e pincéis espalhados pelo maior dos ateliês de seus 10 anos de carreira, no centro de São Paulo, lembra de outra visão errada sobre a arte. “Pra muita gente, é como se o artista fosse só fruto de um talento”, afirmou. “Todos os dias eu venho aqui; o artista é um trabalhador como qualquer outro”.