“29 dias presos são como 29 semanas”

Dupla de jovens do Jardim São Remo conta como estão retomando a vida e os sonhos após terem sido presos injustamente por assalto no mês passado

Por João Vitor Ferreira

Arlailson e Ytalo Gabriel retomam a vida após serem prisão injusta de ambos. Crédito: Thaislane Xavier

Os nomes de Ytalo Gabriel de Carvalho e Arlailson da Silva estamparam algumas manchetes de jornais no último mês. O motivo: os dois jovens teriam sido reconhecidos como autores de um assalto próximo à comunidade Jaguaré. Após 29 dias presos, ambos foram soltos e agora aproveitam a liberdade junto com a família. Eram inocentes.

Não era difícil provar isso: a geolocalização do celular mostrou que eles não estiveram no local do crime, gravações mostraram que a descrição dos dois não batia com o que foi dito pela vítima e, mesmo assim, foram reconhecidos por ela. Segundo Ytalo, foi fácil para a acusadora reconhecê-los: “Para ela a gente era só mais um”.

A prisão da dupla de jovens ocorreu no dia 16 de agosto. A partir daí, foram 29 dias de reclusão e sofrimento para a família. Os dois perderam datas importantes, como o dia dos pais. Arlailson passou o próprio aniversário preso, a mãe não pode visitá-lo por conta do trabalho, e o jovem recebeu os parabéns através da psicóloga do time de futebol em que atua e que o acompanhava a cada 15 dias. Ytalo perdeu o aniversário do irmão mais novo, para o qual fazia planos: “Eu falei para ele, vou cortar o cabelo dos lados e passar a buxinha.”

Entre os relatos sobre os dias presos, o que mais marca é o sentimento de preocupação. “Era tranquilo até, a gente jogava bola e os moleques eram tranquilos. Mas o que mais pesava é você pensar em como tá sua família. O pior é você ter hora para abraçar sua mãe”, conta Arlailson. Ytalo completa: “o pessoal fala que tá sofrendo do lado de fora, mas quem sofre mesmo é a família.”

O caso, como descreve Ytalo, foi “mais uma barreira da vida”, barreira que ambos superaram juntos. A conexão de amizade entre eles é forte. Cresceram juntos, estudam juntos, jogam juntos, foram presos juntos, saíram juntos e dão a volta por cima juntos. Com o fim do julgamento, o advogado dos dois conseguiu um emprego para eles. “Lá na vidraçaria o patrão tá ensinando a gente. Já começamos a cortar o vidro, ele vai levar a gente pras obras. Essa semana ele ensinou a fazer os orçamentos.”, conta Arlailson, entusiasmado. Ytalo faz planos para comemorar o tão esperado aniversário do irmão mais novo: “Já falei pra ele: deixa chegar dia 5 que nóis vai pra churrascaria”.

Amigos na vida, colegas de time, porém a rivalidade saudável existe. Ytalo é ponta esquerda; foi, inclusive, finalista da Taça das Favelas. Arlailson é zagueiro, e também fazia parte do time, mas foi cortado do torneio por causa de um exame cardíaco. A rixa entre atacante e defensor não passa de gozação: “Vou nem te falar do rolinho que esse aqui tomou hoje”, diz Ytalo sobre o jogo que eles haviam jogado pela manhã. “Que rolinho? Foi cagada. Eu fui marcar ele e ele deu um toque todo louco. Foi cagada!”, responde Ytalo, se justificando.

Futebol é, além de sonho, motivação. A conversa foi interrompida diversas vezes para comentarmos o jogo que passava na TV da sala/cozinha da modesta, mas bem arrumada casa de três cômodos, onde Arlailson mora com a mãe e o pai. Na parede, o calendário do Santos entregou a paixão do garoto, que não perde nenhum jogo e faz questão de criticar a má fase do time enquanto Ytalo, corintiano, tira sarro.

Para superar quase um mês que cumpriram pena injustamente, os garotos se apegaram à fé. Ytalo conta: “havia dias em que até acordava revoltado, com raiva, se não fosse por Deus, poderia ter perdido a calma”. Arlailson buscava refúgio naqueles dias que pareciam não passar: “Quando voltei para casa, não sabia mais como era. Imagina, 29 dias aqui eram 29 semanas lá. Mas aí eu conversava com Deus e ele me dizia que era só uma tempestade e que eu tinha que ser forte.”

Entre os relatos de preconceito e racismo que sofreram, os garotos mostraram que não se abalaram. Além da frustração por terem cumprido pena por um crime que não cometeram, a indignação foi um dos principais sentimentos: indignados por terem sido algemados sem nem saber porque, por pagarem por algo não fizeram, por terem sido ofendidos e humilhados pelos policiais que os abordaram.

Agora livres, buscam limpar o nome que foi sujo pela injustiça e seguem atrás do sonho de serem jogadores de futebol. Da mesma forma que arranjou um emprego, o mesmo advogado conseguiu também um teste para eles no time do São Caetano. 

As cabeças que tanto tiveram que abaixar durante os 29 dias presos, agora não se curvam. Juntos, ambos vão recomeçando, ou como dizem, vão superando essa barreira da vida. Barreira que mesmo injusta, parece não trazer tantas mágoas. As histórias sobre os momentos difíceis, agora contadas até com uma certa alegria e risadas, são marcas da superação de quem não vai se deixar abalar por mais altas que sejam as injustiças da vida comum do povo pobre brasileiro.