Sobre juventude e estupidez

 

Por Laura Scofield

A USP no meio da noite é estranhamente silenciosa. É quarta-feira, 1 hora da madrugada, e estou bêbada. Não que eu não tenha o que fazer amanhã, inclusive, tenho muito. Mas não consigo pensar nisso agora. Eu, recentemente rejeitada de forma para lá de insensível, só sou capaz de reclamar de todos os homens do mundo.

De. todos. os. homens. do. mundo. 

Da insensibilidade. Arrogância. Secura.

Da risada. Do descaso. Do descompromisso com todo e qualquer projeto. 

“Quero ser jovem e estúpida”, digo para uma de minhas amigas. Ela responde: “Que tal fazer sobre isso a crônica do JC?”. Em tempos para lá de sombrios, com um presidente incompreensível e burrice autorizada, sinto que a juventude e estupidez são parte do que nos resta.

Eu considero a ideia. Penso em como retratar, num texto a ser publicado para milhares de pessoas, minha disposição extrema para fazer algo errado. Para mandar mensagens meia-noite para alguém qualquer. Para gritar, de qualquer lugar, um boa noite para São Paulo. Para pegar um ônibus precário para alguma cidade do interior. Para sujar as mãos de tinta e escrever, na parede, o que eu quiser contar. Quais são os limites do que posso dizer aqui?

Posso me utilizar do espaço acadêmico propiciado pelo jornal para atestar meu desejo de transar com desconhecidos? Para fazer a propaganda e materializar paixão? O quão inconsequente seria me vender e fingir que jornalismo e publicidade ainda são o mesmo curso? Sou parte da vitrine do mundo.

E prometo que não sou a única. Na última terça-feira, no lado direitoso do bandejão central, sentei-me perto de duas mulheres que conversavam. Comia pvt com foda-se e passava sede, por me negar a usar aqueles malditos e não biodegradáveis copinhos plásticos. Sim, eu sei, a culpa é do capitalismo. Mas não pego o copo mesmo assim. Prestei atenção na conversa.

Uma delas parecia indignada. Triste. Magoada. Questionava como poderia ter sido tão mal entendida e como ele poderia ter sido tão seco. A outra consolava com palavras clichês. As duas tinham cabelos relativamente curtos e acredito serem estudantes de mestrado. Contavam a história que eu já havia ouvido diversas vezes, que eu sabia de cor.  Terminaram com o final de sempre:

“Eu estou precisando de uma viagem, uma loucura, sair da rotina e me reconhecer de novo.”

Eu quis completar: “Todas estamos, meu bem.” Mas, como não o fiz, utilizo de minha liberdade criativa e deste espaço, propiciado pelo dinheiro bem investido na ciência, educação e universidade pública, para dizê-lo agora. E o digo não de forma leve e acrítica, escrevo cada letra desta crônica temerosa por não aproveitar a oportunidade de denunciar abusos e falar de política. Mas não somos só política. Continuo:

“Todas estamos, meu bem. A maturidade e sensibilidade que nos obrigaram a ter a partir do momento em que sujamos uma calcinha de sangue não nos define. Podemos ser jovens e estúpidas de vez em quando. Vem comigo?”