Inclusão à vista: quem dá aula na universidade pública é o índio

Evento na USP reuniu pesquisadores indígenas, os pioneiros na conexão entre aldeia e laboratórios

Por Mariah Lollato

Eliel Beinites, do povo indígena Kaiowá, é professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), MS. Crédito: Arquivo pessoal

Eliel Benites, com 43 anos, é o primeiro professor de sua comunidade, o povo indígena Kaiowá. Se engana quem pensa que ele começou tarde: aos 17 anos alfabetizava os moradores da aldeia em guarani, a língua de seu povo. Foi capacitado na escola onde estudou, e onde também estudavam as outras crianças da aldeia. Hoje, é professor de Saúde e Gestão Territorial na Universidade Federal da Grande Dourados, a UFGD.

A comunidade Guarani-Kaiowá, onde nasceu, fica próxima do município de Caracol, no Mato Grosso do Sul. Durante a entrevista com Eliel, pelo telefone, não é difícil perceber o sorriso em sua voz, quando lhe pergunto até quantos anos morou ali: “Saio para trabalhar, mas viver, ainda vivo lá.”

Ele conta que o interesse pela ciência surgiu ainda na adolescência. Linguistas, antropólogos e outros pesquisadores costumavam visitar a comunidade para entrevistar moradores. Por ser alfabetizador, Eliel era bastante abordado. Isso fez com que se aproximasse dessa forma de construção de conhecimento.

Em 2006, ele iniciou a graduação em Licenciatura Indígena Teko Karandu, pela UFGD, curso onde é professor. Desde então concluiu também seu mestrado, e hoje é doutorando na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

Sobre a inserção no meio acadêmico, Eliel acredita que, por se tratar de uma universidade pública, federal, em contato com a cultura indígena, ele foi bem recebido. “Tinha muita abertura nessa questão da diversidade. Mas é claro que ainda existe muita resistência, até de alguns professores.”

Eliel conta sobre a experiência de diálogo entre a ciência tradicional e a cultura guarani. Em seu caso, a pesquisa na Universidade fez com que se conectasse a saberes com os quais, até então, não havia tido tanto contato. “A gente vai percebendo alguns conhecimentos que tem também como indígena. Faz a gente se aproximar dos mais velhos e de seus saberes. É como voltar às suas raízes”, diz Eliel, o professor Kaiowá. 

Dos dias 24/9 a 27/9, a FFLCH recebeu o II Seminário Internacional Etnologia Guarani. O evento teve como premissa refletir sobre a pesquisa antropológica junto aos guaranis, que hoje somam mais de 280 mil pessoas na América Latina. “Uma chance de a USP, como uma instituição tradicional, repensar seus processos de construção de conhecimento. E abrir para que os indígenas tragam, também, seus saberes para dialogar”, diz Eliel, antes de vir para São Paulo.