“Não podem ser os cientistas, os acadêmicos e os estudantes que lutem sozinhos”

Ex-presidente do CNPq alerta para o corte do fomento às pesquisas, que para ele é pior do que a diminuição de bolsas

Poe Guilherme Roque

Arte: Beatriz Cristina

Hernan Chaimovich dedicou sua vida à academia, ocupando cargos de importância na ciência brasileira e mundial. É graduado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas e Químicas da Universidade do Chile. Veio para o Brasil com bolsa da FAPESP, fazendo doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado nas universidades da Califórnia, em Santa Bárbara, e Harvard, nos Estados Unidos. Foi professor nas universidades do Chile e livre docente, professor adjunto e professor titular de Bioquímica do Instituto de Química da USP. Foi vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidiu o CNPq no período de 2015 a 2016. Agora, conta em entrevista ao Jornal do Campus, ele conta um pouco do que foi, do que é e do que será da instituição que presidiu há 3 anos, entre 2015 e 2016.

Como a perda de fomento à pesquisa impacta o país?

Bom, veja, você não pode ter pesquisa sem gente. Isto é: você não pode ter pesquisa sem bolsa. Mas ter bolsa sem fomento, é quase uma malversação de recursos públicos. Isto é: a pesquisa acaba.

Você acha que é possível reverter esse quadro a curto prazo?

Veja, minha bola de cristal quebrou faz tempo (risos). Eu já escrevi sobre isso em vários lugares, e uma das coisas que me preocupa profundamente é se nós, Brasil, queremos reverter esse quadro. Não pode ser os cientistas, os acadêmicos e os estudantes que lutem sozinhos. É absolutamente necessário que todos os setores econômicos que usufruíram tremendamente do conhecimento gerado nas universidades públicas, quanto dos profissionais formados por elas, venham a dizer o que pensam de uma destruição do sistema – por enquanto não ouvi. Alguém pode considerar que a luta dos estudantes, dos pesquisadores e dos acadêmicos é uma luta corporativa. Eu não vejo isso. Mas o país só vai se dar conta se os setores econômicos e sociais que usufruíram durante todo esse tempo do conhecimento dos profissionais venham a manifestar o que que eles acham.

Como que funciona o pagamento das bolsas assim que o orçamento é feito?

As bolsas do CNPq, a grande maioria, estão destinadas às instituições. Então o CNPq todo ano diz: “a Universidade de São Paulo vai ganhar tantas bolsas”, aí é responsabilidade da Universidade de São Paulo distribuir essas bolsas. As bolsas de pós-graduação são mais ou menos a mesma coisa, são institucionais na sua grande maioria. Para o docente ou pesquisador graduado, o assunto é totalmente diferente, porque a bolsa é individual, não é institucional, portanto tem uma seleção por currículo e tudo mais, e você dá um certo número de bolsas.

Com os atuais cortes financeiros, tem alguma maneira de que o CNPq possa auxiliar os pesquisadores?

Pera aí, você tem que ver os números: os números do orçamento do CNPq para o ano que vem são 950 – ou algo assim – milhões de reais para bolsas. Isso não é uma quantidade inexpressiva. 950 milhões de reais são 250 milhões de dólares. E então isso não é suficiente, porque há dois anos atrás, esse número era 1 bilhão e 200 milhões de reais. Mas por outro lado, o dinheiro para fomento é de 6 milhões. Então o que está sendo cortado no CNPq é essencialmente o fomento. 

O que o CNPq faz com o dinheiro destinado ao fomento à pesquisa?

De 6 milhões o que o CNPq pode fazer é chorar. Porque veja, um projeto grande pode custar alguns milhões de reais. E nós estamos falando de um país como Brasil, onde tem dezenas de milhares de pesquisadores sem dinheiro de fomento. 

Quais as dificuldades de um presidente de uma instituição como o CNPq?

Primeira coisa que tenho que dizer é que ser presidente do CNPq é uma honra. E acho que qualquer brasileiro tem que ter profundo orgulho de ocupar essa posição. Agora, dificuldade é basicamente orçamento. Porque veja, uma coisa importante de dizer é que o pessoal que trabalha no CNPq é de altíssimo nível. A relação dos pesquisadores com o CNPq é excelente. Agora, orçamento não se trata de negociar com pesquisadores nem com servidores do CNPq, é outro tipo de negociação.