O misterioso Curso de Ciências Moleculares

Conheça o curso da USP com processo seletivo diferenciado

Por Caio Santana

O curso de Ciência Moleculares está sediado no prédio da Inova USP. Crédito: Isabella Velleda

Conheci o Curso de Ciências Moleculares (CCM) quando era calouro, em 2018, vendo informativos pelos arredores do CRUSP e pontos de ônibus. Estavam convidando alunos para o processo seletivo. Um ano depois, eu havia descoberto que as instalações do CCM eram no CRUSP, entre os blocos B e D, nos chamados favos das colméias. Após início das atividades do majestoso prédio da Inova USP, este se tornou a nova sede do curso.

Visitei o local que fica ao lado do Centro de Difusão Internacional da USP. Fui para a escadaria do Inova onde marquei encontro com um dos estudantes do CCM, Rafael Badain. Minutos depois, ele chega com outro aluno, Ian Lucas.

No segundo andar do prédio estão as salas e demais instalações do curso. A modernidade do prédio instiga com árvores no centro, além de longas paredes e janelas de vidro aproveitando a luz natural, uma de suas prerrogativas, como me contou Ian. Ele me disse que a posição do prédio permite entrada da radiação solar durante todas as estações.

Sobre o curso

A sexta-feira era o único dia da semana que não havia aula e os alunos ficam estudando nas salas disponíveis, sozinhos ou em grupos. Entrei em uma sala dominada por calouros da 29ª turma.

A ideia de criação do curso veio em 1990 para integrar áreas, algo que faltava à USP. “A proposta inicial do curso foi ter profissionais que atuassem em áreas interdisciplinares; na época, não se tinham profissionais capacitados para atuar em duas ou mais áreas”, afirma o professor Fábio Rodrigues, coordenador do curso e docente do Instituto de Química.

O Curso de Ciências Moleculares está vinculado à Pró-Reitoria de Graduação da USP e congrega pessoal do Instituto de Química (IQ), Instituto de Física (IF), Instituto de Biociências (IB), Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e Instituto de Matemática e Estatística (IME).

Conforme Rodrigues, “a ideia do curso é mostrar como cada área da ciência produz conhecimento”. Dessa forma, o enfoque das disciplinas seria a plena construção do conhecimento científico.

Processo seletivo

Fábio fez parte da 11ª turma, de 2001. “A seleção é, no mínimo, esquisita. Para entrar no CCM você só precisa estar em um curso da USP. O processo seletivo funciona em duas etapas: a prova escrita, que é discursiva, e a entrevista, que tem uma dinâmica em grupo”, me contou Gabriel Cruela, da 27ª turma, oriundo do curso de Engenharia Química da Escola de Engenharia de Lorena (EEL).

A secretária Patrícia Taborda confirma que a divulgação do processo seletivo para o curso não é tão ampla com os cartazes espalhados e as palestras que os alunos fazem em alguns institutos. 

Os alunos melhores colocados no exame vestibular do ano recebem um convite para conhecer o curso, além de um workshop no prédio da Fuvest”, revela Patrícia. O coordenador Fábio Rodrigues diz que “apesar de ter esse convite, não é só essa pessoa que pode se inscrever”.

O convite, que antes fazia parte do processo seletivo, é mais uma forma de divulgação do curso. Atualmente, todos os alunos da USP podem se inscrever. Não é preciso estudar um conteúdo em específico, recorda Cruela. “Mas lógico, você precisa ter o mínimo de familiaridade com matemática para fazer conta, por exemplo. Mas é muito menos do que você encontra na primeira fase da Fuvest. Muito menos mesmo!”

As questões cobram que o candidato pense além da resolução de um problema. Se aprovado, a pessoa é transferida, mas continua com sua vaga original garantida, seja para voltar ao regime normal ou para, ao concluir o CCM, terminar a graduação de origem. De acordo com Gabriel, essa última situação é muito rara.

Até o ano passado, eram 25 vagas por turma. Na 29ª turma, foram 30 alunos. No site do curso, há uma lista que aponta 37 egressos. A maioria deles vêm de unidades como a Poli e o IF. “Porém, o curso inegavelmente tem um grande teor de exatas, o que atrai alunos dessa área” aponta Cruela. 

Corpo docente e disciplinas

O CCM é dividido em dois ciclos: o básico, composto por disciplinas de Química, Biologia, Física, Matemática e Computação, com duração de quatro semestres; e o avançado, com total protagonismo do aluno na escolha de sua área de aprofundamento de pesquisa com uma Iniciação Científica e acompanhamento de professor orientador. 

Por não possuir corpo docente próprio, os professores são oriundos das unidades ligadas ao CCM. “O curso fica muito na mão do professor. Mas não no sentido de conteúdo ser mais difícil ou mais fácil. É de interação. Tem professores que passam prova para casa e outros para sala. E isso faz com que as turmas sejam muito diferentes.” 

O nome Ciências Moleculares remete ao momento de criação do curso. “Hoje esse nome não mais reflete no sentido de que todos os alunos trabalham com moléculas. Temos alunos na área da física teórica, astrofísica, astronomia, matemática pura”, explica Rodrigues.

“Em dois anos de curso, não estamos preparados como físicos, como um aluno do IF. Mas ganhamos independência suficiente para entrar em qualquer área e o curso serve para isso”, declara Gabriel Cruela.

Atuação dos formados

Em 1991, o intuito inicial do CCM era a carreira acadêmica, mas isso foi se modificando. “No começo o curso foi pensado na área acadêmica, para que o aluno seguisse nas suas pesquisas. Hoje temos alunos que foram para consultorias, mercado financeiro, área de programação e indústria, e tem os que, de fato, continuam com suas pesquisas acadêmicas”, afirma o coordenador do curso.

 Mas seguir a carreira científica parece ser uma escolha difícil na conjuntura atual. “Sinceramente, com a condição que está agora na questão de financiamento público de pesquisas, eu não sei se teria entrado em CCM. Não sei se eu escolheria virar cientista agora. Porque o cara que quer virar cientista, ele pode ser daqui 5 ou 7 anos, segurar um pouco essa vontade e tentar outra coisa, até essa situação se normalizar”, desabafa Cruela ao lembrar os cortes de bolsas de pesquisas da Capes e CNPQ.

“Por que estudar o curso de Ciências Moleculares?”

Heloisa Bento

“Eu já conhecia o CM antes de entrar na USP. Não mentirei em dizer que ele era uma opção para mim, desde que eu entrei para cursar Física no IF, onde eu fiz um primeiro semestre muito tranquila. Até que veio a oportunidade de ir para o CM e eu fiquei com dúvidas. Decidi então fazer uma lista de benefícios e malefícios. Os benefícios eram muito maiores, porque a possibilidade de coisas para eu fazer depois do curso é enorme, vou poder trabalhar em diversas áreas e poderei voltar para meu curso de origem, a licenciatura de Física. Em um mês de curso, eu já senti um companheirismo muito bom, um ajudando o outro e eu sinto que estou aprendendo muito mais do que qualquer outro momento da minha vida. Estudar no CM é uma liberdade enorme de escolher o que você quer ser.”

 

Geovanna Hernández

“Acredito que as razões para escolher esse curso e não outro se deve a alguns fatores diferenciais do curso em relação aos demais. Pontuarei cinco deles: Ter uma turma relativamente reduzida e que se manterá unida sem acréscimo de alunos durante dois anos; Ter oportunidade de saborear um pouco de cada uma das ciências básicas e auxiliar na decisão de que ramo seguir para carreira; Ter dois anos para se dedicar quase completamente a pesquisa/estágio; Ter conforto no prédio novo pelo número reduzido de alunos e devido a doações realizadas pelos próprios alunos que possibilitam relaxar antes ou pós prova, utilizar o espaço da vivência para jogar, comer, dormir, estudar. E por último, o status do curso perante os docentes da USP abre boas oportunidades.”

 

Rafael Badain

“Eu acho que uma palavra que define muito bem o CCM é união. Não só entre as disciplinas, porque aqui nós fazemos o máximo para quebrar aquelas barreiras artificiais que cada disciplina possui. A gente faz com que elas conversem entre si e eu acho isso muito legal. Além do fato de ser um curso interdisciplinar em que você pode unir diferentes partes do conhecimento e criar uma coisa só. E também temos união entre as pessoas daqui. É um clima de acolhimento que eu gosto muito, com todo mundo se ajudando. Temos pessoas que vêm de lugares diferentes. Eu vim da Computação, tenho amigos que vieram da Letras, da Bio e cada um pode aprender um pouco com o outro e assim conseguimos crescer juntos. É para essa direção que a educação deveria caminhar, um mundo onde todo mundo pudesse estudar tudo e ter uma visão mais geral do mundo.”

 

Ian Lucas

“Essa pergunta é bem complicada, vai muito de pessoa para pessoa. Um dos meus motivos foi o fato de você ter contato com diversas maneiras de você resolver problemas relativos às ciências naturais e exatas. Eu entrei no curso de Física e eu ia ver muita coisa que eu não estava muito empolgado com isso, porque eu queria saber mais coisas além da Física. Além disso, o CCM me chama atenção pelo aspecto criativo do conhecimento amplo de ciência. Você poder abordar vários problemas diferentes e se aproveitar de características diversas. Nós nos respeitamos bem, nos ajudamos. Juntos conseguimos com que quase todos os alunos avançasse para a segunda fase do curso. Eu sou uma pessoa que gosta de resolver coisas da ciência, uma espécie de paixão Renascentista de querer saber um intermediário de muitas áreas.”