Oceano

Por Daniel Terra

Arte: Yushuke Sugawara

Ela chega tirando os sapatos. Sentindo nos pés a maciez da areia. Ela olha pra mim e me vê. Ouve o meu som e percebe que seu silêncio pode ser barulhento. Então faz barulho com o olhar. Ela precisava se ouvir, por isso veio ao meu encontro. 

Algo nela estava diferente, mas ela não sabia o quê. Consciente de que todos os segredos residiam em minha profundidade, quis conhecê-la. Mostrei que não era só beleza. 

Havia deixado seus velhos costumes junto da sua cidade natal. Na verdade, levou-os consigo ao se mudar, mas não pôde mantê-los. Vivendo em uma nova cidade, deixou de demonstrar sentimentos. Agarrou-se à seriedade. Ouviu dentro de si que era limitada. Preferiu o silêncio, assim não incomodava. Optou por alimentar a imagem que ela achava que os outros tinham dela. Preferiu acreditar que riam dela e não para ela. O seu melhor havia sido levado. Ela já não agradecia seus privilégios. Mesmo tendo sido bem recebida lá. 

Quando chegou, tudo a deslumbrava. Adorava ver os ônibus circulando às 4h da manhã, ternos sobre rodas, artistas por aí. Ela era grata por tudo o que tinha lhe acontecido, principalmente por estar em uma universidade. Se aquietava para ouvir seus novos colegas falarem. Conhecia apenas suas superfícies. Ela era boa pra eles e eles para ela. Sentia-se parte. Eles não mereciam sua nova versão.

Sua agonia se mostra no andar. Ela olha pra mim e vê. É atingida como num tsunami. Entorpecida. Lágrimas pesadas e densas escorrem, sem esforços, contornando suas bochechas. Sentiu meu gosto. Ficou tudo escuro, porque estava claro. Só conseguia ver sua mãe. Afogou-se em mim. Só existe eu, só existe água. Eles a silenciaram. Não com palavras ou ações, mas com seus idiomas, iPhones, Macbooks e intercâmbios.  O pouco pra eles era muito pra ela. Tudo de melhor nela era detalhes neles. Uma corrida incessantemente sem fim.

 Ela já não agradecia seus privilégios. Notou que não existiam. Deixou também de ser grata pelas suas conquistas e sua grandeza. Era inundada de sua pobreza ao se sentir uma igual. Já não lhe encantavam os bonitos e grandes prédios. Nunca trabalharia neles. Com vinte e três anos, está velha demais para segundas chances. Em minhas ondas, a transporto para um novo estado de consciência – de mais autoconhecimento e mais angústia. Não só beleza, mas dor. Ela queria ter sido sincera com os seus; assim, seria consigo mesma. Precisava se ouvir, então veio me encontrar.