“Os dados científicos têm que ser contestados por meios científicos, não com opiniões”, diz ex-diretor do Inpe

Foto: Foto: Sarah Romão / Montagem: Guilherme Roque

 

Exonerado do governo Bolsonaro, pesquisador retoma o trabalho na USP após deixar o Instituto

Por Maria Eduarda Nogueira

Ricardo Magnus Osório Galvão refere-se a si mesmo como um velhinho. Aos 71 anos, com 48 dedicados ao serviço público, o professor tem trajetória extensa. Galvão, como é chamado pelos amigos, formou-se na Universidade Federal Fluminense (UFF), fez doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e presidiu o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas por sete anos. Em setembro de 2016, tornou-se diretor do Instituto de Pesquisas Científicas (Inpe). No começo do mês de agosto, foi exonerado do cargo por uma situação de “perda de confiança”, segundo alegação oficial. O Jornal do Campus fez uma entrevista com o professor, que agora volta a USP para continuar desenvolvendo pesquisas na área de física de plasmas.

 

A área de pesquisa do senhor sempre foi física de plasmas?

Sempre foi de física dos plasmas e pesquisa para fazer reatores a fusão nuclear. O Inpe não é da minha área. Mas eu fui convidado especialmente por não ser minha especialidade. O governo na época achava importante que trouxessem para a direção do Inpe alguém de fora, sem sua própria agenda. 

 

Por que então o senhor aceitou o desafio?

Primeiro porque eu sempre tive um carinho muito grande pelo Inpe, que foi meu primeiro emprego. Então eu sabia da relevância dos trabalhos do Instituto. Eu julguei que seria uma boa ocasião de prestar mais um serviço ao país, trabalhando para ajudar a manutenção do Inpe e resolver um pouquinho dos problemas internos.

 

Qual a relação com o Ibama e as medições de desmatamento?

O Inpe, a partir de 1988, tem a melhor série histórica de dados sobre desmatamento de floresta tropical do mundo e é muito respeitado. O sistema PRODES dá uma medida correta do desmatamento anual na Amazônia. Quando chegou 2003, a taxa de desmatamento estava crescendo violentamente. O governo não estava agindo muito bem, aí a ministra do Meio Ambiente Marina Silva requisitou ao Inpe que fizesse um novo sistema, que se chamava sistema Deter, que desse alertas diários do desmatamento. Porque a ideia era ter a indicação o mais rápido possível de onde estava começando o desmatamento. Os dados do Deter são disponibilizados diariamente na página do INPE. Até setembro do ano passado, antes de disponibilizar, nós guardávamos por cinco dias. Porque nós tínhamos um acordo de cooperação técnica com o Ibama, que encerrou-se em setembro do ano passado. Esse novo governo entrou e não renovou o acordo. Se não teve esse acordo, a lei de acesso à informação e o decreto 6.666 nos obriga a disponibilizar os dados. Quando o presidente reclamava do Inpe dizendo que disponibilizar os dados prejudica o Brasil, é uma tolice muito grande. O Inpe simplesmente cumpriu a lei. 

 

Os satélites usados pelo Inpe para monitoramento podem ser considerados equivalentes em relação a satélites usados no exterior?

Sim. O problema é o seguinte: como tudo que você faz na vida, a ferramenta é boa para o problema que você tem que fazer. Então por exemplo para alertas de desmatamento, o satélite que o Inpe usa é suficiente. A universidade de Maryland também monitora o desmatamento da Amazônia e usa os mesmos satélites que os nossos. Porque imagine a copa de uma árvore na Amazônia, ela deve ter o diâmetro mínimo de dez metros. Se corta uma árvore, não precisa olhar aquilo com dois metros de resolução. Quando você quer imagens de muito maior resolução cobrindo a mesma área enorme, vai pagar muito caro pra isso. Você vai ter mais informação do que é necessário. O Prodes usa as imagens do satélite Landsat, como o resto do mundo faz. A argumentação do ministro Salles não têm razão técnica de ser. Mas nos preocupa, porque desde antes dele tomar posse, ele vem criticando os dados do INPE e vem dizendo explicitamente que vai contratar o serviço dessa empresa americana chamada Planet. Eu não entendo como um servidor público já diz que vai comprar um serviço de uma empresa não fala em licitação, não fala nada. Eu não sei o que está por trás disso. Não quero fazer nenhuma ilação, mas fico preocupado.

 

O senhor considera que os bloqueios de doação ao Fundo Amazônia têm relação com a falta de efetividade do governo brasileiro em combater o desmatamento?

Total. Inclusive todo o sistema de monitoramento que o INPE faz do desflorestamento da Amazônia e dos outros biomas, utiliza recurso do Fundo Amazônia. Se a Alemanha e a Noruega deixarem de contribuir, significa que o trabalho do INPE vai ser prejudicado sim. 

 

Até um tempo atrás, tomávamos os dados científicos como verdadeiros, mesmo que por vezes as pessoas os manipulassem. Como o senhor enxerga atualmente o cenário científico, principalmente no Brasil?

Os dados científicos não são necessariamente verdadeiros. Só que eles têm que ser contestados por meios científicos, não com opiniões. Só para dar um exemplo: na sua intervenção, o ministro Ricardo Salles apresentou vários dados dizendo que estavam os dados do nosso sistema Deter errados. Os técnicos já tinham pedido oficialmente a ele que enviasse seus dados para fazer a comparação. Ele não aceitou. Essa questão de obscurantismo nos preocupa. As redes sociais facilitaram  uma disseminação de contestações, que não podem ser comprovadas pelo método científico. Mais que o obscurantismo, eles associaram a ciência com uma posição ideologicamente de esquerda. Esse é o grande problema que está acontecendo. Começou a permear no governo esse sentimento que a Academia é contrária ao governo. É normal que nas universidades haja um posicionamento mais à esquerda, mas isso não significa que seja um posicionamento que vai se manifestar contra o país e contra o governo. 

BOX – Inpe

O Instituto de Pesquisas Espaciais surgiu num contexto de Guerra Fria e da corrida espacial. A Sociedade Interplanetária Brasileira propôs ao presidente, à época Jânio Quadros, a criação de uma instituição civil para pesquisa espacial. Assim surgiu o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), que se tornaria o Inpe em 1971. Desde sua criação, o Instituto manteve parcerias com outros centros de pesquisa, nacionais e internacionais. Adicionou sensoriamento remoto e previsão meteorológica dentro de seus serviços, além do monitoramento da Amazônia e de outros biomas brasileiros