Vlado Herzog: histórias além da História

Mostra humaniza o ex-professor da USP, cuja vida muitas vezes é pincelada em livros como mais um personagem de um período ditatorial

Por João Gabriel Batista e Daniel Terra

Ocupação pode ser visitada até 20 de outubro e tem entrada gratuita. Crédito: Crisley Santana

Nem todo mundo tem uma vida excepcional. Nem todo mundo vive na hora ou no lugar exatos para isso. Não se pode dizer, porém, que a vida cotidiana e banal que vivemos seja destituída de beleza. A memória coletiva guarda apenas os momentos marcantes da vida de alguém. Muito disso é culpa do jornalismo, certamente. Triste quando isso ocorre quando o fato marcante é a morte. A vida de Vladimir Herzog em seus aspectos cotidianos não tem nada de muito excepcional, mas tem muito de bela.

Em Ocupação, a câmera se aproxima de um barco na areia. Há mais de um barco. E, chegando mais perto, é possível distinguir algo dentro. Mais perto. É um homem, que dorme. O barco é pouca coisa mais largo que ele. E tábuas foram colocadas em cima para protegê-lo do sol. É dia no Rio de Janeiro. Este é um trecho do mini documentário Marimbás, que retrata os homens praieiros que vivem das sobras deixadas pelos pescadores. Retrato da miséria. Dirigido por Vladimir Herzog, o assistimos após saber que o cinema era uma de suas paixões.

Se a mostra é repleta de sua vida, por outro lado é inevitável não esquecer sua morte. Independente da parte da mostra, sente-se pesar pela interrupção bruta da vida. Vlado está presentificado, materializado e vivo. Em meio a objetividades concretas e sensações particulares, as leituras que se tornam possíveis na exposição, aproximam o olhar para uma vida. Alguém que de fato viveu: esteve presente em lugares, possuía desejos e angústias, família e amigos. Esteve longe de cometer qualquer crime. Trabalhou e produziu.

A mostra cumpre bem o papel de humanizar a personagem, cuja vida tantas vezes é pincelada em livros de história apenas para ilustrar um período ditatorial. A experiência é apurada por diversas linguagens e meios multimidiáticos – a chance de ver fotos impressas em tecido e poder tocá-las; cartas destinadas a amigos em que é revelada uma parte tão pessoal e significativa de Herzog; notar sua aparição em fotografias da infância e ausência nas da vida adulta, o fotografado se tornando fotógrafo. 

É a vontade de descobrir mais sobre sua vida e alcançar esse desejo em um mesmo espaço. A aproximação está nessas peças de quebra-cabeças que vão se encaixando e formando uma imagem. É na construção de uma vida que se pode entender a morte.