Movimento indígena da USP briga por inclusão

Representantes explicam suas intenções e aspirações no território que já foi deles

Por Thaislane Xavier

Werá e Karai Mirim em meio à Universidade, que era território indígena. Crédito: Thaislane Xavier

Sexta-feira, dia de Peruada. Enquanto universitários se reuniam no Largo São Francisco para a festança, Karai Mirim, Werá Mirim e Naju Pataxó, membros do Movimento Indígena na USP, sentavam comigo debaixo das árvores vizinhas ao Bloco A1 do Crusp. Na tarde nublada, mas calorosa, começamos uma conversa que duraria mais de duas horas. 

Naju pega a cumbuca e começa a preparar um delicioso e hidratante Tererê, enquanto Karai fala do movimento nascido em 2016 com duas mulheres que sentiam falta da pauta indígena na Universidade. Werá, ainda tímido com a minha presença, olha para baixo e escuta atentamente o que o amigo fala, pronto para acrescentar possíveis informações. 

Não muito tempo depois pechyguas, os cachimbos, começam a fazer fumaça e circular entre eles, uma tentativa antiga de se conectar com a natureza e tudo que nos cerca. Ao ar livre, onde eles parecem se sentir confortáveis, em terras que um dia pertenceram a seus antepassados. 

Mas, ao mesmo tempo, estão inseguros e inquietos, notando toda e qualquer movimentação ao redor. Foram desrespeitados, machucados e tiveram sua cultura literalmente pisoteada dentro da universidade.

– É um território indígena, mas as estruturas que estão aqui dentro são brancas.

Essa origem tupi das terras onde está situada a USP começa pelo nome, Butantã, junção de yby (terra) e atã (duro). Os filhos desse povo começam a ser simbolicamente violentados na entrada principal da Universidade, onde um pé de cana e outro de café, ao lado da estatueta de boas-vindas, lembram as plantas cultivadas na maior parte da escravização indígena. É o que contam, em postura arisca, meus companheiros de conversa.

A violência não para por aí. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. A imponente construção paira sobre um cemitério indígena. Karai e Werá, um pouco menos acanhado, relatam os arrepios que perpassam os corpos de primos que vem de fora e adentram os terrenos da USP. 

Mal sabem esses corpos o que os parentes passam depois dessas construções. Sua fogueira, direito garantido pela constituição, foi apagada violentamente por militares e hoje os indígenas são questionados se usam celular, roupas não-indígenas e ocupam espaços.

A resposta encontrada é o fortalecimento, é passar através da oralidade, como fizemos ao longo do encontro naquela roda, o que sentem. E ajudar uns aos outros a se curarem, a permanecerem nesse espaço que dificilmente foi adentrado e que parece fazer de tudo para os repelir.

Quando falaram do Levante, ficaram um pouco na defensiva, o movimento não é legitimado por todos dentro da universidade e eles sentem dificuldades em lutar pelos seus direitos ao não adotar uma postura agressiva, diferente da forma como são tratados.

— Se eu fosse fazer uma autocrítica agora seria que somos bonzinhos demais com a Reitoria.

Naju leu meus pensamentos, sem saber, ao soltar essa frase. Imaginava eu que faltava um pouco de pulso firme para reivindicações dentro do Levante. Descobri que falta, mas olha só: é uma escolha. A Pataxó, mais arisca comparada a Karai e Wará, é revoltada com burocracias da USP, mas parecia tranquilizada ao entender que representa um movimento nacional.

 


Políticas de acesso da Universidade ainda são defasadas

Ao buscarem explicações, a conversa, inevitavelmente, vai parar nos colonizadores

UFSCar, Unicamp e UnB deixam os primos felizes, é perceptível na mudança de expressão e de postura a admiração pelas faculdades que aderiram ao vestibular indígena, um passo à frente da gigante de São Paulo. Na USP, os índios declarados são apenas 120, ante 896.9 mil indígenas no Brasil, de acordo com o Censo 2010.

— A USP, dentro do contexto de grandes universidades, está atrasada sem o vestibular indígena.

Infelizmente, tenho o desprazer de dizer que não é apenas nisso que a faculdade ainda caminha a passos lentos. Com apenas 120 índios declarados em todos os seus campi e pouco se falando sobre eles dentro dos muros de concreto e vidro que nos cercam, fica difícil, de fato, abrir caminho para que mais aqui estejam.

Mas não se engane, meu caro leitor, o movimento não quer apenas que falemos deles, eles querem falar por eles. 

— Não queremos que as pessoas só falem da questão indígena, queremos estar aqui.

— Anheteko!

— Anheteko!

Wará, nesse momento bem mais a vontade e seguro, mostra seu lado crítico. Quando resolve deixar a timidez de lado e dizer o que sente, agrega à discussão. Ele não quer, assim como os outros dois, que o branco estude sobre seus povos, querem estar aqui para fazer eles mesmos.

Falando em brancos, eles parecem estar fechando uma ferida aberta com o movimento negro na USP, diferente daquela feita pelos colonizadores, que ainda sangra, e transparece na voz de cada um ao tocar no assunto. 

O machucado foi aberto quando começaram a lutar pelas cotas e, ao se conseguir para negros, os indígenas foram esquecidos. Reunidos novamente esse ano, continuam lutando para que a Fuvest chegue a populações indígenas aldeadas longe da capital paulista.

Voltando à ferida aberta pelos colonizadores, a mudança no tom de voz, na fisionomia e na intensidade mudam ao falarem das políticas de embranquecimento que também os afetaram e afetam na construção de suas identidades. 

Onde a gente se perdeu? Onde fizeram a gente se perder? Se nossos antepassados foram índios, porque não nos consideramos como tais? Com essas dúvidas te deixo, meu caro leitor, assim como saí daquela linda tarde de sexta. T’îanhomongetá!