Nada representado por inteiro, mas nem por isso um quebra-cabeças

Eis o mérito do Filme Thanatos, Drunk, que está na mostra de cinema de Taiwan no Cinusp

Por Larissa Silva

Crédito: Divulgação

Ao encarar a câmera, o olhar de Rat (Lee Hong-Chi) transmite o caos que o personagem carrega — a expressão triste e o leve sorriso que aos poucos emerge em seu rosto são um convite para o público adentrar em sua história no filme Thanatos, Drunk, do diretor Chang Tso-chi.

É fácil refletir durante horas acerca de qual é o objetivo central do drama. O interessante dessa obra é que ela permite ser interpretada por diversas perspectivas — para mergulhar na narrativa proposta pelo diretor é preciso descalçar os sapatos e aceitar que toda atitude humana traz consigo uma bagagem de eventos passados.  

Rat e seu irmão mais velho Shanghe (Shang-Ho Huang) vivem na mesma moradia que a prima Da-Xiong (Ching-Ting Wang) e o gigolô Shuo (Cheng Jen-Shuo). Nesse ínterim, temas como família, orientação sexual, alcoolismo, prostituição e a violência são núcleos que afetam de diferentes formas a vida dos personagens. 

Por mais conectados que estejam, cada um traz consigo uma narrativa distinta —  suas diferenças os unem e os distanciam, causando um efeito dominó entre todos os envolvidos, sem que eles percebam. 

Em alguns casos, como o da Da-Xiong e a garota muda (Ning Chang), o diretor não explora o passado delas. Porém, é possível sentir que muitas formas de violência vividas   se refletem em suas atitudes e isso contribui na dimensão e complexidade de suas personagens.  

Esse é o maior ponto positivo do filme: nada é apresentado por inteiro. Peças são deixadas pelo caminho e o público monta o quebra-cabeça com os elementos que considerarem mais importantes. Mas nem por isso o filme não é um enigma a ser desvendado, há momentos até que as falas dos personagens reafirmam informações sem necessidade, provocando certas redundâncias. 

As peças do quebra-cabeça são provocadas através da fotografia, tudo que é mostrado contém indícios do que está por vir ou confirmam o que foi revelado.  Durante os 107 minutos do filme, fui conquistada pela relação entre a jovem muda e o personagem Rat. Enquanto ela é desprezada por outras pessoas, Rat encarna a figura de um fiel protetor. 

Essa relação quase inocente de amor não tem qualquer vínculo sexual, a sensação que fica é que um projeta no outro suas próprias necessidades — ela sente-se aceita e Rat tem alguém para cuidar, provando que não é um total imprestável como sua mãe dizia. Mesmo com suas frustrações individuais, eles me proporcionaram uma das cenas mais românticas do cinema, em um ambiente simples e sem qualquer palavra dita. 

Esse drama foi o primeiro a ser exibido na mostra Novos Olhares Sobre Taiwan, no Cinusp. Entre as onze opções de filmes do catálogo, cada um com uma vertente diferente, a escolha dessa obra para iniciar a exibição foi certeira. Ela consegue tanto entreter quanto transmitir para o público certas características do cinema taiwanês. Minha impressão é que o novo olhar não se detém apenas à ilha asiática, e sim às emoções expressas em uma cultura cinematográfica que, infelizmente, não é tão divulgada no Brasil.