Parar jamais, ensinar sempre

Aposentadoria de docentes não afeta continuidade do ensino e pesquisa

Por João Pedro Malar

Foto de arquivo publicada em 2011 em que mostra Cremilda Medina em Foro Permanente de Reflexão sobre a América Latina. Crédito: Cecília Bastos/ USP Imagens

Ainda é comum encontrar na sociedade a visão de que a aposentadoria representa o fim de um ciclo, a hora do descanso. Ainda bem que o mundo vem mudando e, seja por necessidades econômicas ou motivos pessoais, é comum encontrar pessoas da terceira idade ainda trabalhando, e na USP não é diferente.

Entre os que escolheram continuar atuando, estão os professores seniores. Todos são aposentados e fazem parte de um programa criado pela Universidade em 2012. A ideia é que o docente, se tiver desejo, possa continuar a desenvolver suas pesquisas, projetos de extensão e continue a ministrar aulas na graduação e pós-graduação, além da orientação de TCCs e outras pesquisas.

“Se eu me afasto dessa atividade, eu estou morta”

É com essa afirmação que a professora Cremilda Medina explica porque escolheu continuar como professora sênior. Ela foi professora no curso de jornalismo da ECA entre 1970 e 1975, sendo afastada devido à perseguição da Ditadura Militar. Acabaria retornando à USP em 1986, onde continuaria atuando até 2011, ano de sua aposentadoria. Logo no ano seguinte, decidiu aderir ao programa de professor sênior. Sobre a mudança, a professora avalia que “para mim, não mudou nada”, pois manteve seus grupos e linha de pesquisa.

Cremilda Medina, que possui o primeiro mestrado acadêmico em Comunicação da América Latina, pontua que a “cultura uspiana” não se baseia apenas no ensino, englobando também a pesquisa e a extensão. E é exatamente pensando nesse tripé que o programa de professor sênior permite a continuidade dos trabalhos, permitindo o desenvolvimento de novas descobertas e inovações.

A atividade de professor sênior não prevê remuneração, mas Cremilda observa que o trabalho é “uma forma de pagar para a sociedade o que ela investiu em mim”. Sobre sua pesquisa, diz que “nunca vou chegar em um resultado satisfatório”, e por isso mesmo quer continuar trabalhando até onde for possível. 

Hoje a professora ministra apenas aulas na pós-graduação, orientando mestrados e doutorados, mas também pode orientar TCCs e Iniciações Científicas. Perguntada sobre uma distância entre os graduandos e os professores seniores, ela observa que as relações na USP são muito institucionalizadas e cheias de muros, mas que ela sempre está disponível para orientar e conversar com os alunos. A busca, porém, depende deles.

“Eu gosto do que eu faço, e isso é muito importante”

A fala é do professor sênior Gilberto Kerbauy, do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências. Kerbauy é autor de um dos principais livros no ensino de fisiologia vegetal, produzido graças aos seus anos de experiência pedagógica, e, ao longo da sua carreira, sempre buscou unir teoria e prática. 

O professor iniciou suas atividades como docente em 1974, tendo se aposentado compulsoriamente em 2014 e ingressado no programa de professor sênior no mesmo ano. Kerbauy sempre ministrou disciplinas de anos mais avançados da graduação, mas, após a aposentadoria, foi convidado para assumir uma disciplina de primeiro ano.

A nova experiência tem sido bastante positiva. “Eu tenho esse contato com eles, e me sinto bastante respeitado. Eu tenho algumas dificuldades, como a questão de usar uma linguagem mais próxima, mas mesmo assim eu gosto de ensinar”. Sobre orientações de pesquisa, Kerbauy observa que, no geral, os alunos preferem professores mais novos, que conseguem acompanhar melhor os avanços na área, mas ele está sempre disposto a orientar. 

A escolha de aderir ao programa de professor sênior envolveu o amor pela profissão. Conversando sobre as atividades que desenvolve, Kerbauy observa que “a idade é algo relativo. Você perde, mas ainda não é um inútil. A vida não acaba”.

Como funciona o Programa de Professor Sênior?

O programa foi estabelecido em fevereiro de 2012. Podem participar todos os docentes aposentados ou prestes a se aposentar, por meio do envio de um plano de trabalho, além de convite do departamento ao qual está vinculado ou solicitação ao departamento para participação no programa.

O plano de trabalho prevê a realização de atividades de ensino, tanto na graduação (como orientação de TCCs ou disciplinas optativas) quanto na pós-graduação, além do desenvolvimento de atividade de pesquisa e extensão, com a possibilidade do docente desenvolver apenas uma dessas duas últimas. As atividades duram dois anos, com a possibilidade de renovações por mais dois anos, e assim sucessivamente, até o professor não querer ou não poder mais atuar.