Sob o sol

Por Marcus De Rosa

Arte: @VELARDE_CAPSLOCK

Eu venho de uma tribo de nômades que não busca nada além do que pode alcançar, e nós sabemos que o deserto é para sempre. Em nossa cultura só existem duas lendas: o começo e o fim do mundo. O mundo nasceu do Sol, de onde veio a areia do deserto, e dele veio todo o resto. E sabemos como esse mundo vai acabar, e onde estaremos quando isso acontecer. 

Nós buscamos o próximo mundo, que vem depois do deserto. Os anciões nos contam que há milênios atrás esse mundo era toda a terra que vagamos. Por isso andamos, em busca desta lenda. Os antigos dizem que, se olharmos com atenção, podemos ver no céu amarelo, ao anoitecer, uma cor esquecida, que chamam de verde, e que a veríamos de novo no próximo mundo. 

Eu e meu bando chegamos a uma ruína no deserto. Uma antiga grande capital. Viemos buscar aqui um oráculo, que dizem conter as respostas para tudo. Uma pequena construção era a única habitada. Em frente havia restos de animais do deserto, deixados lá para amedrontar forasteiros. Amarramos os camelos e entramos. Morava dentro uma mulher que, ao ver nossos trajes típicos, nos recebeu amigavelmente. “Queremos a resposta dos milênios, a resposta que trará o fim do mundo, o fim do deserto.”

De um dos vasos pendurados, ela arrancou um ramo de erva seca e mascou; pausou, e retrucou: “O mundo deve recomeçar. Povos antes de vocês procuraram o ouro no barro. Vocês procuram o barro no ouro. Suas vidas são apenas o dourado da areia e do Sol. E é fugindo do Sol que vocês chegarão ao que buscam. O dourado manchou a terra e toda cor que existe nela.”

Só havia um lugar onde o homem conseguiu fugir do Sol. Uma caverna lendária, na qual uma tribo mergulhou e desapareceu, antes de meu povo sequer existir. Então partimos para encontrá-la, afinal. 

Ela ficava a oeste do deserto e, quando a encontramos, entramos sem saber se sairíamos. A luz do dia se perdeu lá dentro. Brilhou então uma luz azul no escuro, como nunca tínhamos visto. Então eles chegaram até nós, os portadores do fim do mundo. Uma mulher e varios homens saíram do clarão. 

“Bem vindos”, iniciou a mulher. Como sabia minha língua? “Esta é nossa casa”, continuou. Perguntei quem eram. “Somos como você. Nós vivemos aqui por gerações.” 

Eles nos levaram por uma ponte subterrânea, que desembocava em uma construção gigante, dentro de uma colossal cidade intraterrestre. Como chegaram ali? “Destruímos o mundo de cima. As florestas deram lugar ao deserto, e o céu azul foi tomado pelo amarelo poluído. Quando a vida foi varrida da superfície, construímos essa cidade dentro da terra.”

Quem fez isso? “Nós. Era como vivíamos. Usamos o mundo de cima até o esgotarmos. E para cá vieram só os que tinham dinheiro o suficiente.” Não sabia do que ela falava.

Maravilhados com a cidade dos deuses, contei a eles que voltaríamos com toda a tribo, para que pudéssemos finalmente viver no mundo além do deserto.

Ela riu. “Sua busca acaba aqui. São nossas regras. Manter total sigilo e não se misturar com as raças da superfície.”

Eu nem cheguei a ver o verde.