Agrotóxico é estopim para polêmica no Instituto Butantan

Pesquisadora conclui que não existe dose segura de pesticidas e sofre represálias

Por Isabella Velleda

A pesquisadora Mônica Lopes-Ferreira e os aquários que trabalha. Foto: Arquivo pessoal

“O governo associa a toxicidade do agrotóxico com mortalidade. O que eu estou dizendo é: mortalidade não é suficiente. Viver com anomalia não é um bom critério.” Em estudo encomendado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a pesquisadora Mônica Lopes-Ferreira concluiu que não existe uma dose segura para o uso de agrotóxicos. A constatação custou caro: rechaçamento do Instituto Butantan, instituição onde ela trabalha há 30 anos. 

A pesquisa era uma demanda urgente do Ministério da Saúde. Mônica recebeu 10 dos agrotóxicos mais utilizados no Brasil, em dosagens consideradas “ideais” pela Organização Mundial da Saúde. Ela deveria testá-los em aquários com peixes-zebra, animais com genoma 70% semelhante ao do ser humano. Resultado? Mesmo em doses mil vezes menores, quando não levaram à morte, os pesticidas causaram anomalias.

Tudo fazia parte de um projeto mais abrangente, financiado pelo Ministério da Saúde, que busca avaliar a relação entre cianobactérias, cianotoxinas e pesticidas com microcefalia, e a presença disso na água. O agrotóxico é um potencializador de cianotoxinas, e como diz Mônica, “se cianotoxinas estão causando anomalias, a gente pode estar com um grande problema.”

Represália e justificativas

“Como eu já tinha feito um estudo de toxicidade para as águas de Campina Grande, que foi apresentado ao Ministério da Saúde em 2017, eles sabiam que eu sei fazer esse teste, e por isso me indicaram.” 

Mônica foi a responsável por instalar o biotério de peixes-zebra no Instituto Butantan, e por escrever o capítulo sobre esses animais para o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). O teste utilizado por ela no estudo dos agrotóxicos é padronizado mundialmente, sob o código de OECD 236.

Ainda assim, após divulgação dos resultados em uma reportagem do Estadão e a consequente repercussão pelas mídias sociais, a pesquisadora foi repreendida pelo Comitê de Ética no Uso de Animais do Instituto Butantan (Ceuaib) por não ter cumprido com todos os procedimentos formais. 

Segundo nota oficial divulgada pelo Instituto, “todo projeto de pesquisa científica que faça uso de animais vertebrados deve ser submetido [às comissões] para evitar sofrimento considerado excessivo […] o que não aconteceu no caso do referido estudo sobre defensivos agrícolas.” Ou seja, o método foi criticado, não os resultados.

O estudo foi contestado também pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e pelo diretor da Anvisa, Renato Porto, que segundo Mônica, não gostaram da repercussão. O Instituto Butantan então afirmou que não se responsabilizava pela pesquisa, e que não fora avisado dela. 

Um afastamento de seis meses foi determinado para Mônica, proibindo-a de começar novos projetos. O caso foi parar na Justiça, e a punição foi suspensa; porém, informalmente, o nome da pesquisadora parou de ser vinculado ao Instituto Butantan.

A urgência do pedido da pesquisa, segundo Mônica, foi a razão para o atraso do envio do projeto ao Comitê. “Eu tenho um email do Flávio Lara [coordenador do projeto na Fiocruz] dizendo, ‘Por favor, pelo amor de Deus, mande pra mim algum resultado.’” Mas a pesquisadora não pode se justificar: “Eu tenho 30 anos de Butantan, e eu tinha total liberdade de conversar com eles. Mas ao contrário, eu recebi de imediato uma punição que veio por email.” O Jornal do Campus entrou em contato com o Instituto Butantan, mas recebeu apenas a nota oficial justificando o caso.

Considerações

“O Instituto, apesar de dizer que não sabia, sabia. Eu fui na diretoria e falei. E eles me disseram que passava. Hoje eles dizem que não. Então, para mim foi um susto.” A relação da pesquisadora com o Instituto mudou drasticamente, e hoje ela diz que a sua rede de apoio é principalmente externa. Dentro da instituição, existe uma minoria que a apoia explicitamente, unida por outra parte que demonstra um apoio silencioso, temendo represálias. 

Nesse sentido, ela ressalta a importância das mídias e das redes sociais na propagação de pesquisas como a sua. “Eu acho importante escrever um artigo, mas quem vai ler? Quem tá no campo, vivendo disso e sofrendo com isso? Nunca.” 

Para a pesquisadora, o essencial é que a informação seja transmitida o mais rápido possível para a população. Afinal, ela diz: “Vocês acham que eu teria a irresponsabilidade de falar de um dado desse, de dar a minha cara para bater, se eu não tivesse certeza do dado?”.

Apesar de tudo, Mônica reforça a sua admiração pelo trabalho desenvolvido no Butantan: “Eu sou uma apaixonada pelo Instituto Butantan, e eu vou lutar para continuar trabalhando dentro do que eu montei aqui.” 

A sua briga não é com a Instituição: “Eu digo hoje, claramente, que eu trabalho com agrotóxico. Agrotóxico é uma questão de saúde pública. Vou mostrar que o problema está na água, e que inverdades estão sendo ditas de todas as maneiras pelas pessoas que estão nos dirigindo.”