As lutas para entrar, estudar e se formar na USP (parte 3)

Lucas Domingos, e o final de um ciclo como graduando na Faculdade de Saúde Pública da USP

Por Caio Santana

Foto: Caio Santana/ Jornal do Campus

Lucas Domingos é morador do Grajaú e sonhava desde seu segundo ano do Ensino Médio, em 2011, em entrar naquela que é considerada a melhor universidade brasileira. Por dois anos frequentou o cursinho popular da FEA, sem obter sucesso nas tentativas para Medicina. Porém, em 2014, conhece o curso de Saúde Pública e se interessa pela área, tornando-a sua segunda opção. Mas as coisas não são tão simples.

Nosso graduando começou a trabalhar conciliando o emprego para ajudar em casa e o cursinho. Seu emprego se estende até a metade do ano seguinte, quando ele descobre uma notícia que lhe enche os olhos, levando-o a pedir demissão para se dedicar aos estudos. 

Em junho de 2015, o Conselho Universitário da USP aprova, até então em caráter experimental, a adesão ao Sisu (Sistema de Seleção Unificada) para o ano seguinte. Era a primeira vez em 40 anos que a Fuvest não seria a única forma de ingresso na USP.

“A Fuvest sempre me limitava na opção de curso. Eu precisava escolher Medicina ou Saúde Pública”. Era a oportunidade de Lucas, de após 3 anos de formado no Ensino Médio em escola pública, finalmente ter a chance de tentar entrar na USP com as suas duas opções de curso: Medicina pela Fuvest e Saúde Pública pelo Enem. 

Em 2015, ele se preparava no cursinho comunitário gratuito Med Ensina, comandado por alunos da Faculdade de Medicina da USP.

Dificuldades

Faculdade não é só faculdade, é dificuldade”, desabafa Lucas. E suas dificuldades começaram ainda na trajetória de vestibulando – por incrível que pareça, em ambiente uspiano. Ele relata que nos tempos de cursinho na FEA, havia ocasiões em que só tinha dinheiro para a condução e para comprar um pão de queijo e café. Essa seria sua única refeição do dia.

Na reta final de 2015, após meses sem emprego e a reserva de dinheiro acabando, Lucas quase não conseguia pagar o transporte público para ir ao Med Ensina. “Meus pais precisaram tirar dinheiro de alguma conta para que eu pudesse ir nas aulas.”

Foto: Caio Santana/ Jornal do Campus

Passado o sufoco de finalmente ter entrado na USP, no decorrer dos semestres ele se via com aulas mais pesadas, noites mal dormidas e abalado emocionalmente. Em 2017, sua mãe, deficiente visual, sofre um acidente, fica internada e precisa fazer consultas. “Eu precisei cuidar dela. Foi um dos momentos mais difíceis em toda minha graduação”. 

Mas Lucas não desistiu, como outros colegas que não se identificaram com o curso. Apesar da frequência abaixo do esperado, seguiu firme e forte.

O fim de um ciclo

A abertura da USP ao Sisu em 2016 foi um marco na trajetória da Universidade e Lucas tinha certeza de seu papel. “O Sisu é uma excelente ferramenta para a democratização do ensino na USP. Sendo um dos primeiros aprovados pela nova forma de ingresso, eu sabia que estava fazendo história.”

Em 2019, batendo na porta do seu oitavo e último semestre, Lucas relembra momentos marcantes. “Tudo o que eu vivi na graduação era o que eu precisava viver e agora eu preciso encerrar esse ciclo”, afirma.

“Saudade define muito o que eu sinto. Eu amo muito meu curso, minha faculdade, o Quadrilátero da Saúde, a USP. Sou muito alegre por ter vivido tantas coisas maravilhosas e incríveis.”

O, em breve, formado em Saúde Pública, se diz muito aliviado e relembra que a turma foi fundamental para ajudar a superar momentos difíceis. Eles sairão do curso sabendo da luta pela democratização da saúde pública de qualidade no Brasil.

“Não me vejo não sendo sanitarista.”

Como as cotas começaram na USP?

O ingresso de alunos por cotas começou em 2016, quando foram disponibilizadas 1.489 vagas (13% do total de 11.057), sendo 328 para Ampla Concorrência (AC), 1.038 para estudantes que cursaram o ensino médio escolas públicas (EP) e 123 vagas para aqueles que, além de estudarem em escolas públicas, se autodeclarassem pretos, pardos ou indígenas (PPI).  

Apesar do grande avanço naquele momento, o caráter experimental excluiu cursos de maior interesse. Limitando a 30% o número de vagas para o Sisu naquele ano, e deixando a opção das unidades aderirem ao sistema, a Faculdade de Medicina, Poli, FEA  e Odonto, por exemplo, não disponibilizaram uma vaga sequer. 

A Faculdade de Saúde Pública reservou 20% das vagas da turma para o recente curso de Saúde Pública. Foram oito para o Sisu, sendo 4 para a cota EP e as outras 4 para PPI, Lucas, um dos personagens desta página, foi aprovado após a segunda chamada do Sisu e ocupou uma delas. 


O JC conversou com outros estudantes que entraram com o Sisu, mas não se formarão em 2019

Greyce Silva, Relações Internacionais

Pergunta: Você entrou pelo Sisu 2016 na primeira abertura da USP para o Enem. Qual foi sua trajetória até chegar na USP pelo Sisu?

Resposta: Sou goiana, mas vim para São Paulo aos 7 anos. Estudei a vida inteira em escola pública no centro da cidade, até a 6ª série na Luz e depois até o 3º ano no parque Dom Pedro. Comecei a trabalhar no final do primeiro do ensino médio e no terceiro ano consegui bolsa para fazer cursinho a noite. Eu ainda estava trabalhando, então era tudo bem corrido.

P: Algo fez com que você optasse pelo Sisu ante a Fuvest ou você tentou entrar pelas duas formas?

R: Fiz Sisu e Fuvest e fiquei feliz por poder usar o Enem para entrar na USP, mas o número de vagas me desanimou. Eu entrei pela cota PPI, que tinha apenas 3 vagas. Acabei conseguindo entrar na USP pela segunda chamada, além de também ter passado na 5ª lista da Fuvest. Contudo, me matriculei pelo Sisu.

P: Teve alguma desistência de colegas que também entraram pelo Sisu 2016 com você?

R: Recordo apenas de uma colega que mudou de curso, os outros acredito que não se formarão no período ideal.

P: O que te levou a cogitar não se formar no período ideal?

R: Não me formarei no período ideal principalmente pelo desgaste psicológico de trabalhar e estudar ao mesmo tempo aqui no IRI. Acabei trancando matéria para que eu pudesse cursar mais tranquilamente o curso de RI.

Larissa Avilarino, Bacharelado em Esporte

Pergunta: Você entrou pelo Sisu 2016 na primeira abertura da USP para o Enem. Qual foi sua trajetória até chegar na USP pelo Sisu?

Resposta: Eu tenho 24 anos e utilizei o Sisu 2016 para entrar na EEFE. Por todo ensino médio eu estudei em escola pública e ele sempre foi voltado para o Enem. Com isso, eu usei minha nota para o Prouni no qual eu entrei no curso de Cinema e já sou formada. Não satisfeita com minha área de atuação que se mostrou muito difícil, decidi tentar o Enem novamente e foi logo quando a USP aderiu ao Sisu. Até que eu garanti minha vaga na EEFE.

P: Algo fez com que você optasse pelo Sisu ante a Fuvest ou você tentou entrar pelas duas formas?

R: Optei apenas pelo Sisu porque eu não teria tempo para estudar para a Fuvest. Escolhi a cota de escola pública, única modalidade que a EEFE ofertou vagas e acabei entrando pela segunda convocação da lista de espera.

P: Qual sua impressão quando entrou em uma sala com ingressantes do Sisu e Fuvest? Havia alguma diferença?

R: Na minha sala nem na USP eu não senti nenhuma diferença das pessoas. Eu senti uma diferença em relação à minha formação e ao que é exigido aqui. Para mim, em algumas matérias eu tive uma certa dificuldade para me inteirar no conteúdo por conta da base que eu tinha que era deficiente em relação aos que os meus colegas tiveram em escolas particulares ou de públicas com grades mais completas.

P: Seu curso já tem uma boa representação feminina? Ou os alunos ainda são majoritariamente homens?

R: Infelizmente o meu curso ainda não tem uma grande representação feminina, isso está começando a mudar agora. Mas a grande maioria ainda são homens desde que eu entrei. A pequena mudança que percebo vem aos poucos. Uma média das 100 pessoas que entram é de 80 homens para 20 mulheres.

P: Teve alguma desistência de colegas que também entraram pelo Sisu 2016 com você?

R: Para ser bem sincera, eu nem sei quais são todas as pessoas que entraram pelo Sisu, porque não havia nenhuma diferenciação. Tenho uma amiga que também entrou pelo Sisu e assim como eu, optou por não se formar no período ideal.

P: O que te levou a cogitar não se formar no período ideal?

R: Eu tinha uma grande pressa para me formar em 4 anos, por conta da minha primeira graduação que levou o mesmo tempo. Minha ideia era se formar e já emendar um mestrado, mas isso acabou me levando a desenvolver ansiedade para que eu concretizasse isso o mais rápido. Mas foi justamente por isso que eu optei por estender minha graduação em um ano para fazer o que seria minha monografia que eu teria que entregar juntamente com o mestrado nesse ano, e com mais um ano eu poderia fazer de forma mais bem feita. Se eu tentasse fazer no tempo ideal, acredito que meus problemas psicológicos poderiam ser piorados.

Eu optei por estender por isso. Acho que quatro anos é pouco tempo e falo isso no geral, porque eu consegui aproveitar o máximo que eu pude. Mas acho que as pessoas que entram, inclusive as que saíram direto do ensino médio, e aquelas que precisam trabalhar e estudar, oito semestres é muito pouco. Porque existem muitas oportunidades e é difícil aproveitá-las por conta da grade. Nossa grade é muito lotada, com período integral, passamos o dia inteiro aqui. E isso faz com que não tenhamos tanta convivência fora daqui e ao mesmo tempo é difícil aproveitar os projetos internos.

Apesar de eu ter conseguido lidar com isso bem, tirando o fato da pressão psicológica que eu acredito que também são decorrentes dessa grade e conteúdo exigente, isso faz com que oito semestres sejam pouco. A felicidade é saber que não faz muita diferença se formar em 5 anos. É um bom período e a transformação que a universidade pode dar para nós é bem importante e significativa, tanto na primeira quanto na segunda graduação. Passar mais um ano aqui é muito vantajoso.

Murillo Reis, Gerontologia

Pergunta: Você entrou pelo Sisu 2016 na primeira abertura da USP para o Enem. Qual foi sua trajetória até chegar na USP pelo Sisu?

Resposta: Eu estudei em escola particular, me formando em 2012. Prestei vários vestibulares e tinha preferência por psicologia. Não passei no primeiro ano na USP, acabei passando na Unesp em Assis, mas não fiquei lá. Ganhei uma bolsa em um cursinho particular e passei na primeira turma do curso Análises e Desenvolvimento de Sistemas, no IFSP Campus Cubatão. Também não continuei no curso, voltei para São Paulo e por mais dois anos, 2014 e 2015, tentei passar em psicologia na USP pela Fuvest.

Eu prestava Enem nesse período também e no ano de 2015, a USP aderiu ao Sisu. Eu estava a beira de desistir já, após tantos anos tentando e já queria ir para o mercado de trabalho. Até que saiu a nota do Enem, eu fui razoavelmente bem na redação, mas eu não estava no corte para o curso de psicologia. Contudo, foi suficiente para eu passar em Gerontologia. Eu tinha em mente entrar na USP e depois tentar transferência, porém eu comecei a gostar muito de “geronto” e continuei no curso.

P:  Algo fez com que você optasse pelo Sisu ante a Fuvest ou você tentou entrar pelas duas formas? 

R: Como eu disse anteriormente, eu prestava as duas provas concomitantemente. Eu queria muito fazer psicologia na USP, porque eu lembro muito de ter pesquisado a grade e o curso de psicologia na USP parecia contemplar muito o que eu procurava estudar e seguir profissionalmente depois. Eu queria passar na Fuvest, mas também prestava o Enem para eu ter uma segunda opção, caso a Fuvest não desse certo. Em 2016, eu tentei as duas formas, porque com a adesão da USP ao Sisu, eu agora tinha duas chances de passar no curso que eu queria. Mas no fim, eu acabei passando por ampla concorrência em gerontologia na segunda convocação da lista de espera, o que hoje eu analiso que foi muito melhor para mim.

P: Qual sua impressão quando entrou em uma sala com ingressantes do Sisu e Fuvest?  Havia alguma diferença?

R: Eu não percebi tanta diferenciação. Como era a primeira vez, era tudo novo e todo mundo assumia que tinha passado pela Fuvest. Tinham as piadinhas de quem tinha passado na Fuvest e perguntava se a outra pessoa não. Com a resposta negativa retrucavam “ah, mas como você está aqui se você não passou pela Fuvest?”. A resposta era o Sisu. Então as pessoas refletiam sobre essa nova forma de entrada e entendiam a partir dessa linha.

No geral, teve um acolhimento muito bom. Eu não senti nada de preconceito ou comentários do tipo, era só mesmo o pessoal entender mesmo que tinha uma nova forma de ingresso.

 

P: Teve alguma desistência de colegas que também entraram pelo Sisu 2016 com você? 

R: Sim, teve bastante desistência. Mas é geral. Meu curso é famoso por ter muita desistência. Talvez por ter poucas matérias no primeiro ano e outras que acontecem ao mesmo tempo com o ciclo básico. O que causa nos alunos um pouco de conhecimento sobre a área do curso e a evasão torna-se grande.

Existe uma questão também que o Sisu amplia muito o espectro de variedade de escolha de curso. E com a nota do Enem você tenta a classificação com a nota de corte no Sisu, variando pelos pesos e cursos. Eu coloquei minha nota em geronto já pensando em trocar de curso com a transferência interna e muita gente pensa o mesmo. Ainda há aqueles que continuam o curso, mas tentam novamente os vestibulares. Com a aprovação destes, eles saem.

Acredito que muitos que saíram, foi por causa disso: entrou na USP em um curso que dava a nota de corte e depois optaram por sair. Tanto trancando o curso, quanto por transferência, seja para a EACH ou outros campi.

P: Você levou a cogitar não se formar no período ideal?

R: Nada me fez cogitar me formar no período ideal. Logo no segundo ano eu pensei em tentar intercâmbio e, por isso, eu já não ia conseguir me formar no período ideal. Acabei não fazendo intercâmbio por conta das burocracias, dinheiro, passaporte e visto. Eu não tive nenhuma DP, nem trancamento de matéria e o que está me travando um pouco é o TCC, que meu plano é fazer até o fim do semestre e eu teria que apresentá-lo até janeiro. Porém ele está atrasado e por isso, pode ser que eu não me forme nesse ano.

Há ao longo da graduação, algumas entidades como a Geronto Júnior e o Centro Acadêmico e eu me envolvi por três anos com uma delas, o programa Universidade Aberta à Terceira Idade. Fora isso tem os estágios obrigatórios e o curso fica quase integral, por isso eu atrasei meu TCC, que ainda estou planejando terminar nesse ano.

Eu não cogitei passar do período ideal e continuo planejando não passar, porém eu não posso garantir isso, devido ao TCC atrasado.