Duas faces da moeda: os caixas das atléticas

Comparação entre entidades da USP mostra disparidade financeira e na infraestrutura

Por Amanda Capuano

Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

Não é segredo pra ninguém que a Universidade de São Paulo é marcada por contrastes. Algumas unidades da USP, como a FEA e a Medicina, ostentam uma infraestrutura de dar inveja em qualquer particular, ao passo que faculdades com cursos de menor status social sofrem com a falta de estrutura básica para a manutenção de suas atividades. Tal discrepância faz-se presente também no Esporte Universitário. De caixas no vermelho a patrocínio privado e títulos de sócio-torcedor, as Atléticas da USP habitam o mesmo campus, mas os obstáculos que enfrentam são distintos, e a saúde financeira nem sempre é das melhores.

De acordo com a página oficial da LAAUSP (Liga Atlética Acadêmica da USP) no Facebook, a Universidade possui, atualmente, 19 atléticas filiadas ao órgão – que congrega entidades da capital o do interior. O principal meio de financiamento dessas entidades são as festas periódicas organizadas para os estudantes. O lucro das noitadas é revertido para o caixa das instituições, que arcam com os custos dos torneios. Além das festas, outra forma muito comum de financiamento é a venda de produtos: camisetas, bonés, moletons e até pochetes ajudam a pagar a conta dos atletas. Caixinhas pagas pelos esportistas, que vão de 40 a 150 reais, garantem o salário de técnicos, a compra e manutenção de materiais e o aluguel de locais para treinos. Mas nem sempre isso é o suficiente.

“Há anos a nossa atlética vive com a corda no pescoço, achávamos que em 2019 seria diferente e que conseguiríamos ter uma situação mais confortável para o ano que vem, mas não aconteceu”, revela Kaique Leite, tesoureiro da Associação Atlética Acadêmica Ana Rosa Kucinski (AAAARK), do Instituto de Química da USP. A entidade é relativamente pequena: cerca de 70 atletas dividem-se entre modalidades coletivas e individuais. Com os festejos rendendo menos do que o previsto, os estudantes tiveram que colocar a mão no bolso para manter os times nas competições. “Considerando gastos com filiação e inscrição de modalidades em campeonatos, gastamos em torno de 10 mil reais neste ano. A nossa principal festa deu prejuízo, a G-4 não teve repasse do lucro e ainda fomos roubados em quase 8 mil reais no início do ano. Com tudo isso, tivemos que repassar parte dos custos de campeonatos para os times, o que é bem chato visto que eles já tem outros gastos com material e pagamento de técnico”, conta Kaique.

O IQ, no entanto, não é o único a ter problemas com eventos mal-sucedidos. Quem também enfrentou tempos difíceis em 2019 pelo mesmo motivo foi a Atlética da Escola de Comunicações e Artes, a Ecatlética. No início do ano, a Festeca – maior evento organizado pela entidade – foi cancelada horas antes de seu início. A festa ocorreria no Sambódromo do Anhembi, mas problemas com a documentação impediram a entidade de levar a confraternização adiante. Pouco antes, no mesmo fim de semana, a TomorrowUSP, organizada pela Atlética da Poli, também foi cancelada, deixando centenas de estudantes frustrados e as entidades no prejuízo.

Fugindo da crise

Para driblar a crise, as instituições maiores têm apostado em parcerias e patrocínios. “A situação financeira das Atléticas não costuma ser tão favorável, a saída de dinheiro para manter as modalidades funcionando é considerável, então conseguir patrocínios em valor financeiro é sempre bom”, conta Vinicius Viveiros, Diretor Geral Administrativo da Atlética POLI-USP. O investimento em dinheiro, porém, não vem fácil, já que as empresas receiam não ter um retorno proporcional. “O que acaba acontecendo é o patrocínio na forma de ativações, ou seja, promoções da marca por meio de ações atreladas às Atléticas, o que ajuda bastante no corte de gastos”, explica.

Entidades com menor estrutura, como a AAAARK, no entanto, sentem o impacto financeiro de maneira mais dramática. Sem reservas e com um baixo poder de barganha no setor privado, precisam recorrer a contingenciamentos e tornam-se dependentes do comércio para sobreviver. “Tivemos que redobrar nosso trabalho com vendas de produtos e de comida para recuperar o caixa e evitar que a entidade entre em colapso por falta de dinheiro”, conta Kaique. Além disso, os atletas passaram a contribuir com cerca de 50 reais por mês, o que atrapalha no processo de inclusão: “Eu sinto que a adesão de pessoas menos favorecidas financeiramente tem sido menor desde então. Além disso, a quantidade de campeonatos que os times participam é muito reduzida se comparada a qualquer outro time de atlética grande”, pondera o tesoureiro.

Os primos ricos

No outro extremo, a face da moeda é definitivamente mais brilhante. Com 26 modalidades – incluindo equipes de Beisebol e Remo – a Atlética Visconde de Cairu (AAAVC), da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, faz jus aos cursos que compõem o seu quadro curricular. A entidade conta com uma gestão numerosa, e entre seus trunfos, destaca-se o Feanático, programa de sócio-torcedor criado pela instituição. Os feanos que desejarem se associar podem optar por um plano anual (170 reais) ou semestral (85 reais no 1º semestre e 95 reais no 2º semestre) – em troca, ganham desconto em todas as festas do ano (cerca de 130 reais no total), e em restaurantes e sites parceiros.

Para fora dos muros da cidade universitária, a Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, localizada junto ao Complexo de Medicina da USP, na área nobre da cidade, ocupa cerca de 35 mil m² destinados ao esporte no tradicional Clube Pinheiros. São 3 quadras poliesportivas, campo com gramado natural, pista de atletismo, piscina, academia, quadra de tênis, sala de pilates e fisioterapia e até um parquinho para os pequenos. Para financiar toda essa infraestrutura – da qual os atletas desfrutam diariamente – a Medicina recebe patrocínio de gigantes, como o Colégio Etapa. Além disso, conta com uma gama de sócios-fiéis que desembolsam anuidades de até 2.520 reais para usufruir das instalações do clube.

Toda essa diferença financeira, é claro, reflete também na qualidade dos times. Com equipes numerosas e investimentos sólidos, atléticas como a da Medicina e a da FEA apresentam desempenho esportivo superior àquelas obrigadas a se virar com o mínimo. Sobre isso, Kaique lamenta: “Por ter essa questão de dinheiro, normalmente, só participamos dos campeonatos organizados pela LAAUSP, que são mais em conta, mas acabamos sendo prejudicados porque não são campeonatos muito justos em relação ao nível técnico dos times. É frustrante”.