Espaços negados da USP são ocupados pela rima

Cultura das periferias ocupa Universidade com batalha de poesia do Slam Usperifa

Por João Gabriel Batista

Os três primeiros colocados do Slam; Matheus Santos (centro), Ilyana Raquel (direita) e Yasmin Gabrielle (esquerda). Fotos: Daniel Terra/ Jornal do Campus

Com meia hora de atraso, começou a final do Slam Usperifa num começo de noite do final de outubro no chamado “aquário”, localizado no andar térreo do prédio da História e Geografia da FFLCH. A aglomeração não chegava a trinta pessoas, mas os presentes estavam realmente interessados em ouvir poesia. 

Não qualquer tipo de poesia, mas o slam, batalha de poesia falada sem o auxílio de qualquer recurso além da própria voz, devendo durar, no máximo, três minutos.

Igor e Midrian, os “mestres de cerimônia” chamados de slammasters, perguntam quantas pessoas nunca haviam participado e explicam: é uma competição em que o público escuta e decide o vencedor. 

Os jurados, de preferência leigos no assunto, são escolhidos ao acaso e dão as notas ao final de cada apresentação. Depois de três rodadas, os slammasters somam as notas para elegem o vencedor.

Uma vez explicada como funciona a dinâmica, eles ensinam o lema: 

– Espaços negados agora ocupados, Slam!

Ao que todos gritam: 

– Usperifa!

Usperifa é um grupo de alunos que organiza eventos culturais relacionados à cultura das periferias na Universidade. Naquela batalha de rimas, impensável na USP há pouco tempo atrás, Illyana Raquel, Yasmin Gabrielle, Matheus Santos e Luma Mundin eram os finalistas. No entanto, mais que competição, o clima era de fraternidade.

Um sofá e poucas cadeiras se dispunham em meia lua voltadas para uma mesa e uma caixa de som, espaço que servia de palco para quem estivesse se apresentando. O público se acomodava também no chão. 

Inicialmente, o microfone estava aberto para quem quisesse recitar. Igor, que não competia por ser um dos organizadores, foi um dos primeiros a tomá-lo.

 

Estava consolidado o primeiro campeonato de rimas da Universidade de São Paulo (USP). Desde o começo da competição, ficou claro que a disputa seria acirrada. Nenhum dos competidores tirou nota menor do que nove. 

Entretanto, Matheus Santos, carregando o nome artístico Evolutio, liderou nas três rodadas. Misturando referências como George Orwell, Racionais e Malcolm X, foi quem provocou mais gritos e aplausos.

A disputa valia uma vaga para a final do Slam SP. Apesar da conquista, Matheus havia conquistado a vaga na competição estadual. Consequentemente, ela foi repassada para Illyana Raquel, que conquistou o segundo lugar.

Para Nicoly Soares, Usperifa é alento num espaço extremamente elitizado

A futura cientista social Nicoly Soares é do Campo Limpo, periferia da zona sul de São Paulo. Cresceu entre o sarau e a biblioteca do bairro e desde cedo a cultura da periferia é seu porto seguro. 

Não à toa, trabalha atualmente com a produção de eventos nas bordas da cidade, tais como peças de teatro, shows e, claro, slams. Quando entrou na USP para estudar Ciências Sociais, não se sentiu pertencente num espaço que historicamente acolhia a elite. 

Felizmente, ainda nos primeiros dias de aula, conheceu o slam Usperifa. “Foi ali que eu vi que tinha pessoas como eu”, conta. Conciliando a graduação com uma intensa agenda na produção cultural, nem sempre consegue cumprir compromissos. Foi o caso da final do Usperifa, à qual não pode comparecer por estar trabalhando.

Segunda colocada conta sua relação com o Slam

Illyana Raquel é cearense e o dia da final foi a segunda vez em que esteve na USP. Trabalha na Associação de Pessoal da Caixa Econômica Federal (APCEF) e mora no centro da cidade, mas costuma frequentar slams e saraus, especialmente o do Capão Redondo. Essa identificação, esclarece, advém de sua origem no Morro do Pilão, periferia de Fortaleza. 

“Quando cheguei aqui, vi que São Paulo é uma cidade em que as pessoas são muito distantes. Elas não se olham na rua. Por ser nordestina e vir de uma terra em que o pessoal entra na sua casa para comer, em que o vizinho é quase sua família, esse novo ambiente me pareceu muito estranho. Eu não me sentia confortável, nem bem recebida “.

Sozinha numa cidade desconhecida, foi na cena dos saraus e slams que Illyana encontrou um lugar para chamar de casa. “Você parar durante três minutos e resgatar a sua dor, seus traumas, falar sobre isso para as pessoas é muito forte. Quando estou recitando, tenho a sensação de que as pessoas querem me ouvir”.

É perceptível que as poesias de Slams têm teor mais político. Sendo essa uma das formas artísticas que mais abriga pessoas de áreas periféricas e marginalizadas, o slam tem como marca conteúdos combativos. Por ser uma competição, as performances que mais viralizam na internet são politizadas.