O menino, a mãe e um livro no meio

Por João Gabriel Batista

Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

Ia saindo para comprar um livro. Já o havia encontrado na biblioteca da faculdade, mas não bastava, eu queria tê-lo. De manhã, no ponto de ônibus da Rebouças, vejo um menino e sua mãe, ambos sentados à espera da condução. Ali, vi algo diferente: o menino, de blusa num calor de 30 graus, dormia escorado no ombro da mãe, que também estava agasalhada. Teriam saído muito cedo de casa, quando ainda não se vê o sol e faz friozinho?

Na avenida Rebouças, se constata a qualquer hora do dia um inferno sonoro. Quando penso naquele local, nada me vem primeiro à mente que o barulho. Experiência indescritível, deixo ao leitor o privilégio de testemunhá-la. Como tudo na vida, porém, também na Rebouças há lados positivos. Ela tem um corredor de  ônibus que, enquanto as outras pistas estão sempre engarrafadas, anda bem. De resto, pode-se, por exemplo, falar consigo mesmo em voz alta. Ninguém ouvirá. Pelo contrário, pensarão que você exercita o maxilar. Ali, os ônibus dividem sua faixa exclusiva com os táxis. Em São Paulo, os táxis são brancos.

Branca também era a espuma da baba que escorria da boca do menino. Pobre menino. Não sei para onde vai, não sei de onde vem… Apenas babava. Vejo que não só aquele ponto de ônibus, mas sobretudo o ônibus, ao menos para ele (e quem sabe para quantos meninos?), era mais que mero local de passagem. Naquele momento dormia, mas ali provavelmente brincara, chorara, sujara as fraldas, apanhara da mãe, fizera ondinhas com a mão ao vento na janela… 

Sempre ali, o ônibus era uma extensão de si. Também era seu lar, aquele inferno sonoro. De fato um tanto longe das condições ideais. Mas no Brasil quem não está um tanto longe das condições ideais? Quem nunca esteve? O menino e a mãe se encontravam num universo à parte, em que não se separam os momentos delicados dos ásperos. Cria-se um filho enquanto se desloca para o trabalho. Dorme-se enquanto se espera o ônibus.

A cena ocorreu há poucos dias e ainda me comove, embora eu – eu, que não dispenso também uma babada quando durmo – ainda não saiba se o que senti foi pena, indignação, admiração ou saudades de minha mãe. O que sei é que há mais coisas entre o barulho e o silêncio do que sonha nossa vã filosofia. E nesse mar de ruídos o tempo dilata, e pode-se ver a vida com mais calma, como em câmera lenta. Certamente o menino a via com mais calma, a julgar pela tranquilidade com que tirava seu cochilo. Nesta cidade sem calma, em que um dia pode durar um minuto. E eu ali em busca de um livro; ou melhor, da posse de um livro, apreensivo, apressado sem saber por quê. Há sentido nisso? “Óbvio que não, idiota”, só então eu me toquei. Para que se importar tanto com bens materiais?

Em profunda confusão, sentei eu também no banco do ponto. Refleti. “Melhor assistir àquela aula de merda”, disse a  mim mesmo, em voz alta. Me levantei, troquei de ponto e fui embora.