¿Que pasa en América del Sur?

Agitações políticas no continente geram incertezas para especialistas e intercambistas

Por Beatriz Cristina Garcia

América do Sul. Imagem: Google Earth

A resposta para a pergunta do título não é tão simples de responder, já que a América do Sul vive um momento de contestação e revoltas por uma série de motivações.Conversamos com pesquisadores e alguns sul-americanos para entendermos o que está ocorrendo na região. Algumas análises e depoimentos sobre a situação de alguns países que se aplicam em quase toda a extensão – a Bolívia, com a recente renúncia do presidente Evo Morales, está em período de convulsão. Por esse motivo, não é abordada nesta matéria.

Perguntamos para Joana Salem Vasconcelos, doutoranda em História Econômica pela FFLCH e especialista em América Latina sobre o que está ocorrendo, de maneira geral. Ela explica que a dimensão atual envolve características marcadas entre os anos 2000/2010: “A América do Sul está passando por uma crise integral, com dimensões econômicas, sociais, culturais e políticas, que tem diversas causas. Em termos econômicos, uma das causas é a dependência da exportação de matérias primas, cujos preços no mercado mundial estão em queda prolongada. Os governos progressistas, que estiveram no poder nos primeiros 15 anos do nosso século, aproveitaram uma alta no preço dessas mercadorias primárias impulsionada pelas compras chinesas, e com esse excedente fizeram políticas sociais que geraram otimismo. Mas não tocaram na estrutura econômica.

O resultado foi uma redistribuição de renda aquém do necessário e sem diversificar a matriz produtiva. Na verdade, na dimensão econômica, os progressistas aprofundaram o extrativismo e a dependência, muito embora no âmbito diplomático tenham esboçado uma soberania regional interessante com a ALBA e a UNASUL. Mas integração não vingou e desembocou em acordos bilaterais com a China. Isso se combinou com a gestação de uma nova extrema direita no continente, que combina truculência com privatismo. Diante das frustrações com o progressismo, as direitas convencionais não deram conta de criar uma narrativa de saída para crise, mas tampouco a esquerda tem conseguido se organizar politicamente para isso. A nova extrema direita latino-americana tem traços pinochetistas, porque combina militarismo com a radicalização dos modelos neoliberais, com projetos de entrega de recursos volumosos para o setor privado”. 

Escândalos políticos, Neoliberalismo em crise e tensões diplomáticas marcam o cenário atual.

Diversas denúncias de corrupção, enfraquecimento de acordos e eleições de resultados controversos também marcam a história da América do Sul recente.

Até mesmo no Uruguai, considerado uma das democracias mais estáveis da América do Sul sofre com as consequências dos escândalos políticos e efeitos da crise econômica. Em abril deste ano, o presidente uruguaio Tabaré Vaszquez demitiu o comandante do Exército por ocultar que um militar da reserva havia confessado sobre um crime cometido durante a ditadura do país. Além disso, a Petrobras (empresa brasileira) está retirando suas operações da região para concentrar-se na exploração de águas super e ultra profundas.

De acordo com Gabriel De Vuono e Suzana Loureiro Silveira, autores do artigo “De laboratório do Neoliberalismo à resistência anticapitalista: a proposta de Socialismo na América Latina no Século XXI” explicam que há outros diversos panoramas de crise e tensões pela região: “De maneira geral, o denominador comum entre as manifestações do Chile e Equador, e o resultado das recentes eleições presidenciais na Argentina e na Bolívia é o descontentamento popular com as políticas neoliberais. No Equador, as “reformas estruturais” exigidas pelo FMI e promovidas pelo presidente Lenin Moreno encontram vigorosa resistência popular, especialmente dos grupos indígenas do país que saíram em marcha com destino à capital equatoriana. O aumento no preço dos combustíveis com o fim do subsídio estatal foi o estopim das manifestações que pedem a renúncia de Moreno.  Por outro lado, no Chile, as manifestações foram desencadeadas pelo aumento da das tarifas do metrô e expõe o descontentamento de décadas de governos neoliberais. Milhares de pessoas reclamam por maiores prestações sociais do Estado e justiça social. No caso do Brasil, país compreendido em uma política de governo cujos anseios se voltam ao modelo ultra/neoliberal, fala-se de uma onda de modernização ou horizontes de transformação, em que a generalização das relações de mercado provocaram um desmonte dos mecanismos de proteção social. Especificamente, na Argentina, o descontentamento com as políticas neoliberais promovidas pelo governo de Maurício Macri (2015-2019) é visível através da vitória eleitoral da chapa Alberto Fernandez e Cristina Kirchner nas eleições presidenciais argentinas ocorridas em 27 de outubro”. 

Gabriel Dib Daud De Vuono é mestrando em Integração da América Latina e faz parte do Programa de Pós-graduação Integração da América Latina (PROLAM) da USP e Suzana Maria Loureiro Silveira, mestranda em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direit (PPGD) da PUC-Campinas.

Infografia: Ana Gabriela Zangari Dompieri/ Jornal do Campus

Luciana Sofia Fernandez, argentina

De fora, eu acho que as eleições demostraram que a Argentina é igual à muitos países da América Latina. Está muito polarizada e ao mesmo tempo mostra uma crise econômica muito grande, as pessoas estão com dificuldade de comprar as coisas básicas, pagar o aluguel, a economia argentina está muito ligada ao dólar e ele não para de subir então a inflação também é muito grande, o que faz com que o salário das pessoas tenham menos valor cada vez. Na verdade as eleições mostram essa polarização, essa desconformidade com o governo atual, que prometeu uma mudança radical e no final a situação, eu acho, piorou nesses anos. Ao mesmo tempo não só do partido de Macri, o PRO [Proposta Republicana] e também não só o Frente de Todos [partido de Alberto Fernández, eleito presidente na última eleição], pois teria votado outra coisa mas eu acho que as pessoas nesse ponto, votaram no Frente de Todos porque acharam que talvez voltar para esse lugar que o país estava antes seria melhor.

Eu sou de Mendonça, uma cidade bem perto de Santiago de Chile e a gente também viu violência lá em Mendonça contra pessoas se manifestando pacificamente a favor do povo chileno. Então acho que também tem o uso da violência por parte do governo, tem um discurso de direita que continua hoje e eu não sei, tomara que tudo… eu não sei como vai ser até o novo governo assumir, acho que quando um país tem uma revolução, tem as pessoas tentando mudar o sistema, os países vizinhos tentam fazer a mesma coisa então, eu acho que talvez até que ajudou um pouco as eleições no meio para que as pessoas achem que tem uma agenda para mudar as coisas logo que não é o que está acontecendo no Chile.

Sebastian Carrasco, equatoriano

O que acontece no meu país, no meu caso o Equador, foi que nós tivemos um governo da esquerda por dez anos e em 2017, nós tivemos novas eleições e ganhou o partido do governo [Alianza Pais], que achavam que era da esquerda mas, o novo presidente virou o discurso, virou a política e agora é de direita. Está ajudando muito as empresas privadas e privatizando muitas empresas públicas, ajudando os bancos e agora o FMI está em nosso país querendo ‘ajudar’ nossa economia. Ajudar é um jeito ruim de dizer porque eles só olham pelos seus interesses então, o problema foi que o povo tava chateado de um governo de direita que chegou ao poder dizendo que era de esquerda. O povo estava ‘chato chato chato’ e quando o presidente falou as novas decisões econômicas que o FMI tinha falado para o Equador então o povo explodiu. Saiu nas ruas para brigar, para lutar contra o governo e contra o FMI e contra a pobreza que tá cada vez maior em nosso país. O presidente respondeu com a Polícia, com os militares nas ruas, tudo se tornou tipo uma pequena guerra e foram doze dias disso. E, ao fim, os indígenas, que foram o povo que mais brigou contra o governo, falaram [com o governo] para não fazer essas decisões econômicas que tinham falado e procurar outras que ajudem mais os pobres e aos indígenas.   

Volantina Rojas, chilena 

De modo geral, é um momento muito tenso mas há uma sensação de muita coragem. Está sendo um momento histórico na história do Chile, alguns jornalistas, historiadores falam que agora estamos vivendo o final da transição, democracia após ditadura porque no Chile sempre se fala da transição mas, eu compartilho da ideia que estamos vivendo o final de um processo pós ditadura que deixou a população com medo, gerações inteiras resignadas sem a possibilidade de sonhar uma realidade diferente, se há possibilidade de lutar ante as injustiças. No Chile temos a noção de que é o país mais neoliberal da América Latina, foi um país que foi utilizado como experimento para implementar o neoliberalismo que a gente conheceu hoje, foi um país de experimentação com a ‘Doutrina do Choque’, isto é, um sistema de implantação de ‘castração cultural’ através do choque, da repressão, do medo e de controle da população. Já vem quase 30 anos que acabou a ditadura militar, a sociedade e população são diretamente frutos disso.

Tem muitas declarações [falsas] desse governo que foi aumentando a indignação da gente, tudo isso de alguma maneira tipo “a panela explodiu, fez explosão” o 18 de outubro, quando houve um aumento de custo da passagem do metrô na cidade de Santiago (a capital) e uma galera de estudantes decidem paralisar o metrô e fazer o aumento do pagamento e também, foi em um contexto de muitas declarações dos políticos fazendo brincadeiras [como o ministro da Economia Juan Andrés Fontaine que sugeriu aos chilenos que acordassem mais cedo para evitarem o aumento da passagem de metrô nos horários de pico].

[…] Imagino que seja fácil para vocês entenderem no Brasil porque aqui também se vive um neoliberalismo horrível e já muito evidente que a elite política não viva a realidade da gente então eles legalizam sem ter noção do que é ter dignidade na vida, do que é a humanidade das pessoas que finalmente são o que elas têm responder a essa Constituição porque a elite política faz o que eles querem, o governo tem muito roubo, muito político corrupto e todo mundo sabe e isso não muda e uma coisa real lá no Chile, no Brasil e em toda América Latina que tem um sistema político que é ruim então, nesse 18 de outubro a população de Santiago fez essa mobilização, o governo respondeu com muita violência e um dia depois teve uma mobilização geral em todas as cidades e regiões do Chile. O país tem uma divisão política de estados e regiões, então para você ter uma ideia, um movimento geral em todos os estados ao mesmo tempo, imagina isso, aproximadamente 86% da população mobilizada. Imagine 86% das pessoas do Brasil fazendo mobilizações em quase todas as cidades e regiões, todos os estados ao mesmo tempo. É uma coisa muito maior do que qualquer pessoa pode imaginar, ninguém espera que isso vá acontecer.

Acho que não dá agora [pensar no que vai ocorrer] e eu sou uma pessoa normal, estudante de pedagogia e também artista que não dá, não sou uma vidente para saber como vai se resolver tudo então a mesma informação que tem todo mundo mas, no geral, há coisas que não vai voltar para trás, não dá para voltar a normalidade que o governo quer falar “que estamos em uma normalidade” porque a galera já acordou e tem noção de como é a realidade. Tem um meme que foi muito famoso nesses dias que diz: Agora estamos mal, mas é melhor porque antes estávamos bem, mas era mentira. Agora estamos mal, mas é verdade.

Uma nova esperança ou o retorno do tempos sombrios?

Joana ressalta o momento atual não é o mesmo que existia durante os anos 1990, como muitos costumam associar. De acordo com a pesquisadora, a região está sofrendo o que a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) chama de “desindustrialização prematura”, cuja a participação da indústria no PIB vem caindo, enquanto a renda não se desenvolve e a pobreza não é eliminada. Isso quer dizer que há menos infraestrutura capaz de gerar empregos qualificados e promover o aumento da economia. Somando-se a isso também há a concentração de investimentos em atividades primário-extrativas nas áreas rurais e nos serviços “uberizados” nas zonas urbanas. Como Joana exemplifica, o agronegócio e a mineração representam os setores econômicos mais poderosos da América Latina e os mais danosos ao meio ambiente e às populações tradicionais. “A maior parte dos conflitos sociais latino-americanos hoje são, em grande medida, conflitos ambientais. São populações que resistem à espoliação e à mercantilização dos seus territórios, pressionados pelas megacorporações primário-exportadoras. Já nas cidades, é visível o fenômeno da uberização do trabalho. O desemprego é crescente e as pessoas estão recorrendo aos serviços de aplicativos para poder chegar ao fim do mês. São trabalhos precários, mal remunerados, sem direitos.”

Suzana e Gabriel observam que a interferência estadunidense sempre foi forte na região. As interferências de empresas estrangeiras na exploração e privatização dos bens públicos, como a água no Chile, também são um bom exemplo: “A América Latina foi o primeiro “laboratório” do neoliberalismo no mundo, sendo o Chile o primeiro país da região a adotar suas políticas. No entanto, a região foi também a pioneira na resistência ao modelo neoliberal. A década de 1990 e o início dos anos 2000 foi um período marcado por massivas manifestações populares em toda a América Latina. Nesse período, deve-se ressaltar a resistência dos povos indígenas e do movimento camponês como atores sociais primordiais ao enfrentamento das políticas neoliberais.”    

Será que a América do Sul corre o risco da volta autoritária? Joana finaliza: “Enfim, as novas extremas direitas querem dobrar a aposta do neoliberalismo, mas estão encontrando resistências populares importantes. Para realizar seu projeto, estão acirrando a perseguição política e o autoritarismo (o que no Brasil é nítido, começando pela prisão do Lula, o assassinato da Marielle, o exílio de intelectuais e parlamentares ameaçados). Não duvido que em outros países possa haver sabotagem ou cancelamento de processos eleitorais.