Chuva, chuvisco, chuvarada: por que a USP alagou tanto assim?

Raia olímpica e avenida da universidade estão localizadas em cima do local de inundação natural do Rio Pinheiros

Por Pedro Ezequiel

Imagine que embaixo do seu sapato tem veias de um rio. É o que acontece: a USP foi construída sobre a área de vazão do Pinheiros, o que traz riscos de inundação para a parte mais baixa do campus, como a Raia, a Faculdade de Educação e a Praça do Relógio, por exemplo.

Na madrugada do dia 10 de fevereiro, a capital paulista recebeu 247 milímetros de chuva, a maior quantidade já esperada para o mês de fevereiro em 37 anos. Ela causou estragos em toda a cidade: foram registrados 1.043 pontos de alagamento, 193 desabamentos e 219 quedas de árvores, segundo o Corpo de Bombeiros.

Os rios Tietê e Pinheiros transbordaram. O segundo entrou na USP, se juntou as águas da Raia Olímpica, e inundou boa parte da Avenida Professor Mello de Morais até a Escola Politécnica. Mas a culpada pelo minidilúvio é só a chuva?

Um post nas redes sociais viralizou respondendo que o buraco é mais embaixo. Literalmente. “SP está debaixo da água porque aprovamos um plano de avenidas que impunha o soterramento de rios e córregos para dar passagem às grandes avenidas que hoje nos levam para todos os lados dessa metrópole”, escreveu Ana Carolina, que faz parte de um grupo de trabalho e estudos sobre águas do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Com supervisão do professor Fernando Nadal, ela e os colegas Breno Schmidtke e Weslley Cruz buscam entender os rios e a relação com o espaço da USP. “Escrevi aquele texto para orientar, porque tinha muita gente falando sobre as enchentes e culpando o descarte inadequado de resíduos sólidos, que acaba colocando a culpa na população. Fiz o post para alertar que não”, conta a estudante. 

Ela explica que o problema não é simples de resolver. “Nós tivemos uma matéria no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) Lá, a professora Vanderli [Custódio] explicou: inevitavelmente, se a gente fizesse a limpeza de todos os bueiros da capital, ainda sim teríamos enchentes, porque a ocupação de São Paulo foi feita de forma inadequada. Ela foi feita em cima das várzeas”.

O detalhe em azul na imagem do mapa SARA BRASIL 1930 mostra o leito original do Pinheiros. Com as obras, as curvas foram para debaixo da USP – os “braços” cinzas. “Esses rios corriam com curvas sinuosas em grandes faixas de planície de inundação. Periodicamente elas eram ocupadas por águas das cheias, e, depois, escoadas lentamente de volta para o rio. As várzeas funcionavam como locais de amortecimento de cheias, uns ‘piscinões naturais’”, explicam os integrantes do grupo de estudos.

Em contrapartida, a USP tem uma área verde que ajuda a reter a água no solo e regular a vazão do rio ao longo do ano. Sem a presença dela, a água da chuva escoaria mais rapidamente. No site da Prefeitura do Campus da Capital são contabilizadas  mais de 3 mil árvores e 924.836 m² de áreas verdes e ajardinadas na Cuaso. Também é informada que existe uma rede de drenagem de 45 km.

O JC tentou o contato com a Prefeitura do Campus para saber sobre as medidas já adotadas para prevenção dos alagamentos e a reparação dos danos causados pela chuva de fevereiro. Até o momento do fechamento desta reportagem, a prefeitura não retornou aos questionamentos.

A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo disse que “promove ações de reflorestamento das áreas verdes com maior plantio de árvores e preservação das nascentes do Estado” para que esse “aumento da cobertura vegetal e a permeabilidade do solo contribuam para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa e também para que a água da chuva não chegue em alta velocidade nas áreas urbanas”.