Coronavírus é cultivado em laboratório

Pesquisa de cientistas do ICB tornou os diagnósticos mais baratos

Por Léo Lopes

O professor representa a América do Sul no Grupo Conselheiro de Biossegurança da OMS há mais de 15 anos – Foto: Léo Loes / Jornal do Campus

Embora a USP tenha suspenso a maior parte de suas atividades, o laboratório BSL3+, no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), segue a pleno vapor. Foi lá que um grupo de 12 cientistas conseguiu isolar, cultivar e distribuir para laboratórios do Brasil inteiro amostras do novo coronavírus. A conquista possibilitou avanços em estudos sobre a doença COVID-19, e um aumento na produção de testes diagnósticos no país.

Construído em 2016 para enfrentar a epidemia de Zika Vírus, o laboratório foi feito para lidar com agentes capazes de causar doenças graves e infecções letais. Por isso, assim que o coronavírus surgiu no noticiário mundial, a equipe já se preparou para a sua chegada ao Brasil.

A empreitada começou logo que os dois primeiros casos brasileiros foram confirmados. O professor Edison Luiz Durigon, coordenador do projeto, explicou que o BSL3+ possui parceria com o Hospital Albert Einstein, e as amostras dos primeiros pacientes foram fornecidas assim que coletadas.

“O material chegou e foi levado para o laboratório de infecção. Nós temos ‘sistemas de células’ onde os vírus são depositados, e em um de nossos sistemas o novo coronavírus se desenvolveu muito bem”, disse.

Conquista sem grandes esforços

Passou-se cerca de uma semana entre a chegada das amostras, o isolamento e cultivo do coronavírus, e início da distribuição para grupos de pesquisa e laboratórios clínicos de referência públicos e privados. O professor contou que isso se deve ao fato do laboratório já ter uma rotina de preparo para situações assim.

“Não tivemos que começar do zero”, pontuou. Quando o Zika Vírus surgiu no Brasil, e o laboratório BSL3+ ainda estava começando a se estabelecer, Durigon relembra que foram necessários dois meses para se fazer os mesmos procedimentos feitos agora com o coronavírus.

Além disso, os cientistas do ICB já acompanhavam estudos realizados nos primeiros países atingidos pela pandemia para se antecipar sobre quais seriam os melhores instrumentos para se utilizar no procedimento. “De certa forma, já sabíamos o que fazer. Depois que as amostras chegaram não houve tanto esforço”, afirmou Durigon, que também integra o Centro de Contingenciamento do coronavírus em São Paulo.

Parceria com o governo

Antes do laboratório conseguir cultivar o vírus, era necessário importá-lo de outros países que estão lidando com a pandemia para que se pudesse estudá-lo ou realizar os diagnósticos. “Somente o transporte custava em torno de 2,5 a 3 mil euros*. Isso se o laboratório estrangeiro fornecesse o vírus de graça”, declarou.

Por intermédio do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, foi estabelecida uma parceria entre o laboratório e os Correios. De acordo com o professor, agora as amostras são distribuídas gratuitamente para qualquer lugar do país em até 24 horas após serem despachadas do BSL3+. Procurado, o Ministério declarou que a parceria surgiu da intenção de “auxiliar no fomento de pesquisas para o enfrentamento e combate ao coronavírus”.

As amostras produzidas na USP baratearam os custos da produção dos testes de diagnósticos da doença, e ampliaram a lista de laboratórios aptos a examinar os mais de 8 mil casos suspeitos no Brasil – registrados pelo Ministério da Saúde em 17/03.

Foto: Léo Lopes / Jornal do Campus

Antes da descoberta dos cientistas do ICB, na rede pública, apenas quatro laboratórios brasileiros realizavam os diagnósticos específicos da COVID-19. O Ministério da Saúde informou em nota que, no quadro atual, os 27 Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN) do país estarão aptos a realizarem a testagem para o coronavírus até o final desta semana, no dia 21/03.

Este resultado não é fruto exclusivamente da atuação do BSL3+ da USP, já que outros laboratórios de referência também estão protagonizando o esforço nacional de enfrentamento da doença, como, por exemplo, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) no Rio de Janeiro.

De toda forma, a quantidade restrita de laboratórios que possuem os equipamentos necessários para comparar as amostras de coronavírus com a do paciente suspeito ainda impede que os testes possam ser feitos amplamente na população. “O exame leva cerca de três a quatro horas para ser feito, é muito rápido. A questão é o custo do equipamento, que hoje em dia fica em 30 mil dólares e não é todo lugar que tem”, comentou o professor.

Não há perigo

Mesmo com a produção e cultivo sistemáticos de coronavírus em plena USP, não existem motivos para pânico. “Não há nenhum risco de contágio”, afirmou Durigon. Os vírus produzidos no ICB para serem distribuídos pelo Brasil estão inativados, ou seja, incapazes de infectar células. O laboratório utiliza substâncias que “destroem a parte que torna o vírus infeccioso”. É como se o vírus estivesse morto, mas ainda é útil.