Edital exclui unidades e carências de ensino sobram em cobertor curto

Por Pedro Teixeira e Yasmin Oliveira

Apesar do orçamento mais folgado, universidade não consegue repor quadro docente. | Foto: Caroline Aragaki

Dois milhões de reais: esse é o valor mínimo necessário para um projeto de “grande monta”. Assim define a publicação da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) que distribui até três cargos de Professor Doutor às unidades que detenham centros, núcleos ou empresas de pesquisa que se encaixem nesses critérios.

Publicado no dia 31 de outubro do ano passado, o edital aceitou solicitações até o dia 20 de dezembro — último dia de trabalho da administração da Universidade. O resultado da distribuição será divulgado no próximo dia 31 — se o coronavírus permitir. Mas, antes disso, já surgem polêmicas.

Os cargos serão destinados aos departamentos, museus, ou institutos especializados, dos quais fazem parte os docentes responsáveis pelos projetos de “grande monta”. Dessa maneira, as unidades e demais instâncias deliberativas que normalmente remanejam as contratações não participam diretamente do processo.

O edital é fruto de discussões entre Comissão de Claros Docentes e PRP. O atual reitor, Vahan Agopyan, é quem decide quais professores avaliarão as propostas. Os cargos distribuídos por essa banca examinadora fazem parte das 250 contratações aprovadas em 2019.

Em documento apresentado pelo grupo de trabalho coordenado pela diretora da Escola Politécnica (Poli), Liédi Bernucci, são definidos os critérios e parâmetros para a distribuição dos claros docentes — novas vagas para professores.

“O intuito é contribuir para o ensino e para o desenvolvimento da pesquisa de  excelência na USP”, justifica a proposta na publicação da PRP. O motivo é nobre, embora unidades tradicionais como Instituto de Psicologia (IP) e Escola de Comunicações e Artes (ECA) não contem com pesquisadores responsáveis por projetos de valores tão altos como o exigido pelo edital.

“Em geral projetos de pesquisa na área de humanas não alcançam esses valores, porque não necessitam de maquinário ou instrumentos de pesquisa de ‘grande monta’”, manifestou o Conselho Técnico Administrativo (CTA) da ECA ao reitor em carta.

Presidente da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Beatriz Piccolotto conta que sua unidade conseguiu inscrever dois projetos no edital: Observatório de Remoções; além do Observatório das Metrópoles. “Tudo com muito custo”, conta Piccolotto.

Por outro lado, ela confirma a lógica apontada pelo CTA da ECA. O único projeto temático da FAU não alcança a cifra dos 2 milhões de reais de fomento. O número surgiu de uma consulta da USP à Fapesp sobre o valor médio de fomento em programas do tipo.

No momento da inscrição, a professora da FAU contou cerca de 20 projetos da Poli. A Faculdade de Saúde Pública (FSP) tinha cinco candidatos só em um departamento. No entanto, cada unidade pode receber apenas três contratações, de acordo com o limite do edital.

Dos doze titulares da comissão avaliadora do edital, somente Marta Teresa da Silva Arretche é da área das Humanas. Dos suplentes, nenhum. São 42 unidades de ensino na USP, afora os museus e institutos especializados.

História dos esquecidos

Parte do tópico “Olhando o presente e o futuro”, o edital da PRP deve cobrir 37 das vagas. Outras 13 já foram distribuídas entre Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) — um programa da Fapesp —, de acordo com Piccolotto.

Com o mesmo intuito, mais 50 claros docentes serão destinados a áreas interdisciplinares que se adequem aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU — um por unidade. Assim, 100 vagas deixaram de ser repostas pelo procedimento de praxe da USP.

Reposição parcial de professores é o norte do primeiro tópico: “olhando o passado”. Subtraídas as 100 vagas predestinadas, as outras 150 foram alocadas considerando a perda de professores em relação à USP e à própria unidade. O cálculo foi feito sobre o período de 2014 a 2019.

De fora do edital da PRP, à ECA foram destinadas oito vagas, apesar de aposentadorias e demissões continuarem — foram 12 em 2019.

Representante discente – dos alunos – da Faculdade de Educação (FE), Ana Beatriz Prudente alega que a falta de docentes em sua unidade é “um problema estrutural da universidade”.

Entre os editais da PRP há um quebra galho

Aprovado no gabinete do vice-reitor Antônio Carlos Hernandes, o Programa de Atração e Retenção de Talentos (Part) dá aos pós-doutorandos a chance  de ministrar aulas na USP por um salário bruto mensal de R$ 1279,15 mais vale alimentação no valor de R$ 870,00, por uma carga horária de oito horas por semana.

Ano passado, a Associação dos Docentes da USP (Adusp) entrou com ação judicial contra o Part, acusando a precariedade do vínculo empregatício de ser ilegal. “Essa estrutura seria uma burla à exigência de concurso público”, assinalou parecer do Ministério Público (MP) de São Paulo.

A PRP recorreu e os pós-doutorandos já estão habilitados para dar aula assim que a pandemia permitir. Beatriz Piccolotto esclarece que a Pró-reitoria trabalhou por mais de um ano as minúcias do contrato. “São quatro horas máximas a depender da rotina do pós-doc”, explica.