Entre perdas e ganhos

O que esperar de Regina Duarte como Secretária de Cultura do Governo Bolsonaro?

Por Gabrielle Torquato

Ilustração: Renan Sousa

Após semanas de noivado, a atriz Regina Duarte decidiu assumir o compromisso com o Presidente Jair Bolsonaro e aceitar o convite para ser a quarta Secretária de Cultura de seu governo — cargo criado há 14 meses.

No entanto, as crises no relacionamento podem ter começado antes mesmo do que o esperado. A promessa de “carta branca”, motivo que levou Regina a deixar a Rede Globo, teve fim no dia de sua posse, em 4 de março de 2020. “Ao meu ver, ela perdeu uma ótima chance de dizer ‘então adeus, muito obrigada’, a noiva no altar pode perfeitamente desistir”, brincou Carlos Augusto Calil, docente da Escola de Comunicações e Artes da USP e Secretário Municipal da Cultura de São Paulo entre 2005 e 2012.

Para Calil é uma questão de perdas e ganhos. “Há dois beneficiários nessa história. Primeiro o Governo, porque conseguiu adicionar uma pessoa de grande penetração popular, uma atriz com obra consolidada. E segundo, os artistas, porque ela tem no mínimo respeito pela profissão e não será de maneira alguma hostil com os colegas. Ela é chance de ter diálogo.”

Para Regina, no entanto, a situação pode ser um pouco mais complexa. Em jogo estão 50 anos de carreira que dependem de um bom malabarismo entre a função administrativa, o Governo e os artistas. “Ainda não se sabe qual tipo de atividade ela vai desenvolver. Em seu discurso, pareceu otimista. Ela acha que pode domar as feras com sua simpatia, carisma e história de vida”, comenta Calil.

Valores e ideologias

Apesar de já ter assumido papéis polêmicos na televisão, Regina nunca escondeu suas opiniões conservadoras. A atriz foi criada com valores militares, muito similares aos do Presidente. Calil acredita que a diferença entre os dois está nas tendências reacionárias do Governo: “Os conversadores, ao contrário dos reacionários, são pessoas que ainda permitem o diálogo. Na minha visão, se ela manter essa posição, ela será tolerada com algum grau de liberdade”.

A atriz, por sua vez, não pareceu muito interessada em manter todos os aliados do Governo por perto. Como uma de suas primeiras decisões, Regina demitiu seguidores de Olavo de Carvalho, Guru de Bolsonaro, que tinham cargo na Secretaria de Cultura. A atitude causou grande revolta entre os olavistas.

“O Presidente não preza pelo alinhamento em seu governo. Ele gosta de dividir o campo. Por exemplo, se ela desagrada o Olavo, mas não a ele, tudo bem. Se desagrada alguns militares, mas não a outros, por ele continua”, explica Calil.

Mas não demorou muito até que o Presidente discordasse de suas ações, o primeiro veto veio três dias depois da posse, quando Regina tentou nomear a assistente social Maria do Carmo Brant de Carvalho para comandar a Secretaria da Diversidade. Nas redes sociais, diversos apoiadores de Bolsonaro já haviam criticado a escolha, pois Maria do Carmo ocupou o cargo de secretária de Assistência Social no governo Dilma Rousseff.

Além de montar uma equipe equilibrada aos olhos de Bolsonaro, a nova Secretária da Cultura ainda tem que planejar como vai usar a verba de 2 bilhões de reais em 2020. Em seu discurso de posse, Regina já deixou claro que pretende “passar o chapéu” para aumentar a verba. Segundo Calil, a ação é “inevitável, porque a estrutura do Governo é composta pra pensar que a cultura é perfumaria. O dinheiro da cultura é esmola e sempre foi assim. Mesmo na época do PT.”

Em meio a incertezas, a única manobra que sobra pra atriz é tentar chegar a um equilíbrio entre os lados. “Na visão do Presidente, não é preciso que ela faça muito esforço, apenas a presença dela já seria um enfeite perfeito para o governo.Ela é uma atriz interpretando um papel. Resta agora saber qual papel ela escolheu fazer”, finaliza Calil.
Aos olhos de um artista

Para Carlos Navas, cantor brasileiro, a presença da atriz na Secretaria de Cultura pode significar um avanço. “Ela tem uma carreira que a gente deve respeitar, é uma das atrizes mais populares. Só espero que ela consiga ser uma ponte de diálogo entre a comunidade artística e o Governo”, comenta o cantor.

Navas não recebe atualmente nenhuma ajuda financeira do Governo, mas já participou de eventos promovidos pelo poder público, como por exemplo a Virada Cultural, que acontece todo ano em São Paulo. “Acho que a Regina tem se mostrado muito bem intencionada e está querendo nomear pessoas com competência técnica. É importante que ela defenda que cultura é muito além da ideologia. É a minha secretária de cultura ideal? Não, mas não deixa de ser um avanço”, completa.