“Só quero me formar”: alunos e departamentos lidam com número insuficiente de professores

Por Pedro Teixeira e Yasmin Caetano

Nas Letras, quem procura saber mais sobre as disciplinas que serão oferecidas no semestre descobre que muitas delas ainda não têm docentes definidos. Em vez do nome do docente, encontram “professor a contratar”, no painel de cortiça. No curso da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a falta de quem ensina está visível, fixado na parede – e simboliza a situação de outras unidades da USP.

Problemas no oferecimento de matérias refletem saídas de docentes e dificuldade da universidade em aprovar novos editais de contratação. A crise orçamentária em 2014 congelou os concursos para Professor Doutor até 2018 – até programa de demissão voluntária foi acionado. Entre perdas e ganhos, são 512 docentes a menos de julho de 2015 a fevereiro deste ano, segundo dados do Portal da Transparência da USP. 

O planejamento financeiro da USP para os próximos quatro anos permite a contratação de 550 docentes. Foram 250 em 2019, 150 aprovados em 2018, e mais 150 neste ano, como previsto em edital.

De A a Z

Nas Letras a distribuição insuficiente de professores incomoda os alunos e sobrecarrega quem leciona. Aulas são distribuídas entre docentes para dar conta do número de alunos e disciplinas. Só em 2020, foram recebidos 849 ingressantes.

A disciplina de Literatura e Educação, eletiva na licenciatura, possui quatro oferecimentos anuais, todos no mesmo semestre e ministrados hoje pela professora Andrea Saad. O problema é que alunos relatam não haver vagas para todos.

Mariana Oliveira, no sexto ano de Português-Inglês, conseguiu a sua cadeira “mas se não o tivesse, só poderia cursar no ano que vem e atrasaria minha formatura”, diz. O Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada (DTLLC) afirma que a disciplina funciona por rodízio entre docentes e “nunca houve falta de professores.”

No vizinho Departamento de Línguas Orientais (DLO), também há lacunas. O falecimento do professor Koichi Mori, em outubro do ano passado, deixou Cultura Japonesa I em estado crítico. Obrigatória, a disciplina não acontece neste semestre, e consta  como “turma com docente a contratar”. 

Martina Paredes posa em frente à entrada do prédio das Letras. São Paulo/SP – Brasil, 13/3/2020. – Foto: Yasmin Caetano/Jornal do Campus

Martina Paredes estuda japonês e vive, na prática, um curso cada vez mais enxuto. “É consenso que não tem professor, e temos que adiantar matérias pelo medo de não se formar.” 

O departamento é pequeno, com 7 professores. O DLO responde que “os docentes têm se organizado para atender todas as disciplinas obrigatórias e o DLO enfrenta um problema crônico de sobrecarga didática, recorrendo aos professores temporários concursados”. Não existe previsão para contratar efetivos.

A USP conta com 236 temporários. Os contratos duram dois anos, e profissionais trabalham em regime parcial, de até 12 horas semanais, por salários de pouco mais de R$ 1,9 mil. Também não podem orientar TCCs nem pesquisas.

Contratações econômicas

Bruno Pereira de Pinho e Arthur Mello são representantes discentes na Faculdade de Economia e Administração (FEA). Matriculados em Ciências Econômicas, sentem no dia a dia a redução no quadro de docentes. Aulas não deixaram de ser dadas, mas “as optativas eletivas foram minguando”, diz Pinho.

Apesar das exonerações para trabalhar fora, como o famoso caso de Fernando Haddad, no Insper, o principal motivo da falta de professores são as aposentadorias. Dos quase 30 desfalques entre 2015 e 2018, 22 foram por essa razão.

Estudantes de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. São Paulo/SP – Brasil, 12/03/2020. Foto: Caroline Aragaki/Jornal do Campus.

Alguns deles continuam em sala de aula como professores seniors. Só que ministram apenas disciplinas optativas eletivas. Além disso, podem cancelar o oferecimento quando quiserem. Afinal, são aposentados.

Pinho aponta que na distribuição das últimas quatro contratações que a Economia da FEA recebeu o plano foi encontrar um professor que soubesse “um pouco de tudo”. Um pesquisador que “sabe de história econômica, mas entende também de Brasil e pode falar dos dois assuntos”, resume o colega.

Enquanto isso, o Programa de Atração e Retenção de Talentos (Part) foi aprovado pelo vice-reitor e dá a pós-doutorandos a chance de ministrar aulas por salário bruto de R$ 1279,15 em uma carga horária de oito horas semanais.

Ano passado, a Associação dos Docentes da USP (Adusp) entrou com ação judicial contra o Part, acusando precariedade do vínculo empregatício. “Seria uma burla à exigência de concurso público”, assinalou o Ministério Público (MP). A USP recorreu e os pós-doutorandos já estão habilitados para dar aulas ao fim da quarentena.

Erramos: na publicação original, foi publicado que a Faculdade de Letras da FFLCH possui 13 habilitações. Na verdade, são 16. (Atualizado em 8 de abril)