Da lousa para a tela

Cursinhos e vestibulandos se adaptam ao EAD e às incertezas durante pandemia

Por Caroline Aragaki e Yasmin Oliveira

Pelo sonho universitário em meio à pandemia, vestibulandos passam a frequentar aulas virtuais – Imagem: Caroline Aragaki/Jornal do Campus

Assim como em escolas e universidades, o novo coronavírus também forçou cursinhos a se adaptarem do dia para a noite. Estudantes em busca de uma vaga na faculdade relatam inseguranças emocionais e financeiras em meio à crise de saúde e à instabilidade sobre datas de vestibulares.

“A preocupação em não ficar doente tem levado todas as minhas energias”, afirma Leca Victoria Ferreira, que tem 19 anos e quer estudar Administração. O receio ronda a família. A mãe já teve suspeita de Covid-19 e melhorou antes de fazer o teste de confirmação, enquanto o pai tem alguns sintomas da doença e não pode deixar de trabalhar, pois sustenta a casa.

O jovem Gabriel Alves, de 21 anos, pretende estudar Medicina e concilia o trabalho com estudos do cursinho. Com a pandemia, precisou adaptar seu cronograma de estudos para dar conta da rotina. “Tenho dificuldade para ter um tempo para estudar, mas tento me adequar à nova realidade”.

No ano passado, 60% dos inscritos no Enem solicitaram isenção da taxa da prova. Na maioria dos casos, o emprego é essencial para continuar os estudos, e a casa vira espaço pessoal e cursinho ao mesmo tempo. “Estudar em um ambiente onde também descanso traz uma atribulação, porque tenho que lutar com o cansaço”, conta o jovem.

Gráfico: Vital Neto/Jornal do Campus

 

 

Gráfico: Vital Neto/Jornal do Campus

 

Além das questões financeiras e emocionais, problemas para acessar os conteúdos — que exigem conexão à internet — atrapalham alunos. O diretor do Cursinho da Poli, Gilberto Alvarez, explica que parte dos estudantes “têm acesso à internet, mas de baixa qualidade, como conexão de celular”. Leca conta que “a distração em casa e a internet instável aumentaram a dificuldade para focar na aula”, além do temor da pandemia.

O problema também foi percebido por professores dos cursinhos FEA USP e Psico. A solução foi armazenar os materiais no Google Drive ou WhatsApp. De acordo com o coordenador pedagógico do Cursinho Psico, Danilo Heitor, “o WhatsApp pode não ser a melhor opção, mas é uma tentativa de ser mais inclusivo, pois muitas operadoras de celular oferecem o aplicativo gratuitamente”. Cursos também buscam oferecer pacotes de internet a estudantes com dificuldades financeiras.

O lado humano é o que mais faz falta para os professores. Aulas presenciais possibilitam uma reação mais espontânea dos alunos ao conteúdo, como expressões que revelam dúvida. Nas aulas online é raro que estudantes abram a câmera ou o microfone.

Ruth di Rada, coordenadora pedagógica do Cursinho FEA USP, cita que o novo formato dificulta quantificar com precisão a qualidade com a qual os estudantes acompanham o conteúdo. “Um aluno pode ter decidido não desistir da vaga no cursinho, por exemplo. Mas pode não estar vendo as aulas ou dando continuidade aos estudos”.

Mesmo antes da pandemia, a evasão já era um problema comum, explica Fernanda Souza, diretora geral do Cursinho da EACH. “E neste ano foi mais brusca com a mudança repentina de um modelo que se converteu ao online de um dia para o outro.”

 

Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Drielly Alexandrino Santos, Guilherme Zamikhowisky, Isabela Gomes, Raphaella Almeida, Leca Victoria Ferreira e Gabriel Alves. – Fotos: Arquivo pessoal – Montagem: Samantha Prado/Jornal do Campus

 

Pensar no futuro em meio às incertezas

Isabela Gomes tem 17 anos, quer estudar Direito na USP e leva uma rotina intensa de aulas: do 3º ano do Ensino Médio; do cursinho popular; e do Projeto Redigir, oferecido por estudantes da ECA. “De modo geral, está difícil conciliar a rotina de estudos com o psicológico. Não estudo apenas para o vestibular, então vira uma bola de neve”, diz.

Gabriel, vestibulando de Medicina, relata a mesma dificuldade. “A incerteza também nos traz insegurança, aumenta a ansiedade e nos deixa aflito”, conta. “Isso também atrapalha o processo de se preparar, de absorver conhecimento para chegar no dia e dar o seu melhor.”

Quem também presta para Medicina é Raphaella Almeida, de 18 anos. Mas, neste ano, decidiu se inscrever para Farmácia no Sisu de julho. A estudante relata que as inseguranças em casa e o futuro incerto devido a pandemia a fizeram pensar em alternativas.

Ela também trocou um cursinho tradicional de São Paulo pelo ProEnem, curso preparatório online pensado para o ensino à distância. “O antigo cursinho não dava atenção para os alunos e não abaixou o preço”, explica.

Por outro lado, há estudantes que se adaptaram ao EAD. “A primeira impressão é que é algo difícil, mas já peguei o ritmo”, relata Drielly Alexandrino Santos, que tem 17 anos e pretende cursar Direito na USP. O sentimento é compartilhado por Guilherme Zamikhowisky, de 19 anos, vestibulando de Biomedicina: “Eu sempre gostei de estudar, então pelo menos para mim não está sendo tão complicado como achei que seria.”

Em alguns cursos o modelo on-line parece ter vindo para ficar, declara Gilberto Alvarez. Ele afirma que a equipe do Cursinho da Poli se adaptou bem o suficiente para programarem turmas ministradas apenas à distância no futuro.

Os vestibulandos entrevistados têm opiniões mistas sobre a mudança do calendário do Enem e da Fuvest, provas que foram remarcadas para janeiro. “Eu adorei. A alternativa mais empática para estudantes das escolas públicas é colocar a data o mais distante possível”, afirma Drielly. Para Raphaella, a data prejudica quem teve aulas suspensas, e optaria por uma data ainda mais à frente. “As coisas não estão melhorando. Será que vai estar tudo bem para colocar os estudantes numa sala em janeiro?”, questiona.

Com tantas incertezas, a motivação nem sempre é óbvia. Para Gabriel, o desejo é que com a nova data do Enem, “a parcela de pessoas sem recurso ou estrutura não venha a sofrer tanto”. Drielly recorre a observar fotos da faculdade de Direito da USP, enquanto Guilherme imagina o dia da aprovação e sua reação ao ler a frase você foi convocado para a matrícula em primeira chamada. “Todo o esforço valerá a pena no futuro”, afirma.