Doze meses de visibilidade

Ü von Haus, Amanda Conti e Alice Marcone contam suas trajetórias artísticas

Por Maria Laura López e Tainah Ramos

Pandemia do novo coronavírus impôs a primeira Parada do Orgulho LGBT totalmente online. Foto: Tainah Ramos / Jornal do Campus

O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ marca a trajetória de luta do movimento ao longo das décadas. Apesar das manifestações coloridas e com shows pelas ruas em diversos países, a origem não foi tão alegre. A Revolução de Stonewall, de 28 de junho de 1969, surgiu para combater a repressão policial que tanto matava pessoas trans, gays e lésbicas na cidade de Nova York. Tomando proporções gigantescas a revolta atravessou gerações e hoje, no Brasil, a data é comemorada durante todo os dias de junho. Mas, o mês acabou e o debate que envolve a comunidade também.

A principal marca do movimento no país talvez seja a Parada do Orgulho LGBT, que embora constantemente questionada por não dar a devida visibilidade a todas as letras, é a maior do mundo. Todos os anos a marcha lota a Avenida Paulista, mas o distanciamento social exigido no combate ao coronavírus atrapalhou os planos. “No primeiro momento nós adiamos o evento, mas não dava para deixar a data passar despercebida”, afirma a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBTSP), responsável pela marcha.

Assim, foi realizada a primeira Parada do Orgulho LGBT totalmente virtual, no dia 15 de junho. Foram mais de oito horas de live com 11 milhões de acessos. “Nem a gente esperava um engajamento tão grande. Por ser na internet, outras regiões mais distantes podem se envolver, tanto que tivemos participação do mundo todo durante a transmissão”, dizem os organizadores. Segundo eles, a ação teve ajuda do Dia Estúdio que já transmite o evento físico há dois anos.

Embora na maior parte do ano a organização se concentre na realização da parada, no segundo semestre eles propõem alguns debates com recorte específico das demandas da comunidade LGBTQIA+. Em 2020, tudo isso também será feito pela internet. 

Uma luta diária

No entanto, a luta e o orgulho são uma constante na vida de muitas pessoas da comunidade LGBTQIA+. Dentro da Universidade, por exemplo, ocorre a organização de minorias em coletivos como modo de acolhimento e coalizão na busca por direitos. Um desses grupos mais ativos é a Frente PoliPride, da Escola Politécnica da USP, que foi criada em 2013 e hoje já tem mais de 300 membros de todos os níveis acadêmicos e especialidades, de funcionários a alunos. 

Entre as ações promovidas pela Frente PoliPride, a campanha de arrecadação para a Casa Chama, que acolhe travestis e pessoas trans, aconteceu no mês do orgulho e foi organizada em conjunto com o Diretório Acadêmico, o Grêmio e a Atlética da Poli. “Na ação de marketing trouxemos informações relacionadas ao tema de acolhimento, celebração e da história do movimento LGBTQIA+”, diz o coletivo. 

Ao longo do ano eles também realizam sessões de cinema, as “Popcorn Prides”, que levantam questões a partir de um filme. Neste ano, esses eventos são voltados para cada letra da sigla, além de fazer intersecções com os movimentos feminista e negro. Outra atitude importante do coletivo foi a pesquisa iniciada em abril, que quer entender melhor a percepção dos politécnicos sobre a temática trans. “A partir disso, iremos estudar a possibilidade de instalar placas mais inclusivas para os banheiros da faculdade”, afirmam. 

Para o coletivo, falta uma discussão frequente sobre temas que envolvam a comunidade, em especial as bandeira mais invisibilizadas. “Através de chats anônimos durante nossas integrações mensais tentamos entender melhor como tornar o ambiente mais confortável para essas letras”, explicam.

Propondo novas referências

Quando realmente considerada, a visibilidade de grupos minoritários rompe com padrões brancos, masculinos, eurocêntricos e heteronormativos de referência. No mês do orgulho LGBTQIA+ alguns desses padrões conseguem ser ultrapassados, ainda que momentaneamente. A fim de que essa visibilidade se estenda por todo o ano e adentre novos campos do conhecimento, o Jornal do Campus entrevistou alguns membros da comunidade com trabalhos excepcionais

Apesar de formade em Artes Cênicas na USP, Ü von Haus já tinha intenção de partir para a música quando ingressou no curso e hoje leva para suas produções detalhes teatrais. Não-binárie, gosta de brincar com as construções de gênero em suas performances: “Nas minhas apresentações, eu canto com a minha voz, que aparentemente é uma voz masculina e isso causa alguma impressão nas pessoas, de que não é nem uma coisa e nem outra”.

Ainda conta que nunca ficou pensando que sua voz é masculina e sua montagem feminina e que as pessoas estranhariam isso. “Tem a ver com como eu me identifico, de um jeito andrógino, que não é nem homem e nem mulher, algo que não está dentro desse espectro binário. Coloco isso dentro da minha arte também, acaba sendo uma expressão da minha identidade”, explica. “Gosto de brincar com essa questão do gênero, dizem que essa coisa existe e eu aparentemente gosto de brincar com isso”, fala em tom divertido.

A união da música com o teatro se fez presente durante seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), elaborando o protótipo do show que apresenta hoje. As músicas são autorais, de seu EP que ainda será lançado e mistura um pouco de mais de drama.


Para von Haus, a música é uma linguagem universal e que une as pessoas e acredita que acabou partindo para o pop por estar em contato com o maior número de pessoas: “Você pode não entender o que uma pessoa está dizendo por ser em outra língua, mas aquilo te cativa de alguma maneira, porque você entende a emoção. É essa via de comunicação em que colocamos sentimentos, mensagens e perspectivas”. 

O “ao vivo” é uma das partes mais favoritas de seu fazer artístico, é onde pode mostrar mais detalhes de sua arte e acredita que as pessoas vão a um show para experimentar algo além da música e da interpretação que tiveram em casa. “Querem ver novos símbolos, novas interpretações do artista, que pode ter uma versão diferente no show, cantar de um jeito diferente ou a pessoa vir uma coisa diferente, quando a luz está mais soturna e amplifica a mensagem de uma música mais triste.” Desse modo, um dos seus projetos futuros é, em curto prazo, poder voltar para o palco e para perto do público.

Com relação a esse momento de distância devido à pandemia, Ü von Haus passou a pensar mais em como se apresenta digitalmente pelo Instagram: “Tento ter algum controle sobre as pistas que dou às pessoas e como vão formar uma opinião sobre mim. Por isso, essa coisa colorida, holográfica, um pouco futurista e que você não sabe se é homem ou mulher”, explica. “Embora em 2020 a gente não deveria mais se preocupar com isso”, complementa sobre a construção de gênero.

Ao falar de suas maiores influências musicais, Lady Gaga está no topo da lista. Além da diva pop, estão Madonna e David Bowie entre os internacionais. No Brasil, destaca Pabllo Vittar, Iza, Gloria Groove, Lia Clark, Anitta e Ludmilla. 

Já Amanda Conti, também estudante de Artes Cênicas da USP, bissexual e não-binárie, se coloca entre o teatro, o desenho e a música. Sua relação com arte é antiga e veio como uma necessidade de se comunicar, uma vez que acredita ter dificuldades com a comunicação verbal-discursiva: “Desde que me lembro, eu estava me relacionando com uma dessas três linguagens. É a via que encontrei que parecia se aproximar melhor do que eu queria dizer. Pensar em linguagem e possibilidades de formas é uma coisa que me empolga e me fascina muito”.

Nas três manifestações artísticas, Amanda explica que gosta de articular imagens e sua produção artística está voltada para destrinchá-las, imaginá-las e criar narrativas. No entanto, essa questão imagética não é de modo algum abstrata e essas narrativas não são voltadas para dilemas.

“As imagens que me intrigam, com as quais eu me relaciono e que mais chamam a minha atenção para desenvolver narrativas são as de pessoas enfrentando problemas em um nível material. As situações que eu invento são muito concretas e materiais”, conta. A busca por situações menos abstratas se dá por um esforço em compreender a própria existência. “Arte pra mim tem a ver com aprender minha propria existencia e a existencia das coisas., eu gosto de coisas concretas.”

Enquanto, no desenho, a concretude vem de criar e observar coisas, narrativas e contextos. Na atuação e no canto, vem de misturar uma criação de outra pessoa com algo seu. E a sensação do concreto fica em sua própria presença, corpo e voz.

Amante de MPB, jazz, nueva canción, tango e R&B, não lhe faltam referências tanto na música, quanto nos desenhos de quadrinhos. Amanda poderia passar horas falando de todas as pessoas que influenciam e inspiram sua arte, mas a primeira a ser citada quando questionade foi Milton Nascimento.

Roteirista, atriz e cantora, Alice Marcone se encontrou no audiovisual e na música, embora sua formação acadêmica seja em psicologia. Nascida em Valinhos, veio para São Paulo fazer faculdade e trouxe com ela a música sertaneja, gênero com o qual trabalha, tem músicas publicadas no Spotify e um clipe novo no YouTube. “Lancei a música Noite quente no início do ano, logo antes da pandemia, mas a divulgação acabou sendo prejudicada”, conta ela.


Sem poder se apresentar ou gravar, seus trabalhos na área de música e atuação ficaram um pouco mais parados durante a quarentena, mas a produção de roteiros continua. “Esses freelas chegaram a diminuir no início do isolamento e estão voltando agora. Então eu consegui ficar muito bem como roteirista e, na verdade, é o que paga as minhas contas mesmo”, afirma Alice. 

Um de seus projetos mais recentes é a série Todxs Nós, da HBO, que estreou em março deste ano, e na qual Alice foi colaboradora de roteiro. O próximo que está para estrear é um reality show chamado Born to Fashion, do Canal E!, em que ela foi roteirista e apresentadora do programa. “Desde muito pequena a minha grande paixão é contar histórias, sempre fez parte da minha vida. E acho que ser roteirista é a expressão mais direta disso”, conta ela.