Especial EAD: Como foi o primeiro semestre de 2020 para os alunos da USP?

Estudantes relataram dificuldades e problemas em comum em diferentes cursos e até diferentes campus

Por Samantha Prado

Na USP, o primeiro semestre de 2020 foi passado em casa em meio às peculiaridades da realidade de cada aluno. Peruíbe – SP Brasil,07/07/2020. Foto: Samantha Prado/ Jornal do Campus;

Para responder a essa pergunta foram entrevistados mais de quinze estudantes da Universidade de São Paulo de diferentes institutos e semestres. Reunimos nos seguintes tópicos os assuntos mais reiterados entre eles, juntamente com alguns de seus relatos pessoais.

Esta matéria faz parte do Especial EAD. Nesta edição, reunimos alguns dos temas que despertaram discussões a respeito do ensino à distância em tempos de isolamento social. Os links de todas as matérias podem ser acessados a seguir.

Falta de rotina e desestímulo

Poucos dos estudantes entrevistados se consideravam mais produtivos durante a quarentena. Em realidade, muitos atrelaram problemas na rotina (ou a falta de uma) ao desestímulo com as atividades universitárias. Rodrigo Baddini, estudante de Sistemas de Informação na Each, diz sentir que tem retido pouco de suas disciplinas: “não por causa das aulas em si, mas por toda a situação de ficar em casa que acaba não sendo muito propício para estudar”.
Muitos dos alunos não têm um espaço apropriado em suas casas que possa ser reservado apenas para os estudos, o que comumente atrapalha a tentativa de criar uma nova rotina para as aulas EAD. Maria Eduarda Fett, estudante de Farmácia na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, conta que dividia a mesa da sala para trabalhar home office junto com sua mãe. No fim do dia, o mesmo ambiente era dividido com os pais para ver TV, enquanto ela tinha aulas da graduação. “Então eu tive que me programar e comprar uma mesa para estudar e sei que, com certeza, essa não é a realidade de todo mundo”, diz ela.

Além disso, inúmeros estudantes retornaram à casa de seus pais durante o período de quarentena — lugar onde costumam passar as férias e não o ano letivo — e a falta do ambiente universitário para o estudo tem sido sentida. “Me falta a coisa da rotina mesmo, de ir para a faculdade, de ter tempo lá onde posso ir na biblioteca, sentar, estudar… isso colabora muito mais para minha concentração do que ficar em casa” declara Alana Balsas, estudante de letras na FFLCH.

Aumento da carga de estudos

Durante o período de isolamento social, boa parte dos estudantes tem precisado dar maior suporte às atividades domésticas e sofrido com o aumento da carga horária de seus trabalhos e estágios via home office. Dentro desse cenário, muitos queixaram-se sobre professores que não estão sabendo dosar a carga de material pelas aulas EAD. Os alunos dizem entender que é um momento muito novo para todos e que é normal certa desorientação, mas sentem falta de um equilíbrio mais adequado nas cobranças e nos formatos das disciplinas. Alana conta que em uma matéria específica do curso de Letras, a professora se empolgou no projeto e acabou alterando o ritmo da disciplina: “ela fez aulas ótimas, mas o que devia levar uma hora e quarenta, acabou demorando de três a quatro horas para a gente fazer”.

Pedro Saldanha relata que viu sua quantidade de provas e atividades para entrega aumentarem de forma surpreendente no curso de Economia, na FEA. “Teve até professor que substituiu a P1 e a P2 por oito provas. Eu achei que foi até bom, mas foi muito cansativo”, conta ele. Vitória Zorzetto, aluna de Administração também na FEA, diz que muitos professores pareciam não saber como fazer as primeiras provas e, por isso, optaram por dar vários trabalhos, gerando um acúmulo dessas atividades.

A dificuldade parece ter sido ainda maior para os alunos que ingressaram na graduação neste ano. Laura do Prado cursa Engenharia Mecânica na Poli e relata problemas com disciplinas mais presenciais, que envolvem o manuseio de softwares. “Até fazer a monitoria por EAD é mais complicado, a gente está aprendendo a mexer em software pelo Google Meets. Estamos tendo que fazer um esforço muito maior do que normalmente teríamos com a maioria das matérias, acaba não dando tempo de fazer tudo”, conta ela.

Desigualdade entre as disciplinas

“Cada disciplina está de um jeito” possivelmente foi a frase mais dita nesta série de entrevistas. “O que eu percebo é que tem bastante variedade a depender do professor e da cultura do departamento. Acho que não existe muita homogeneidade, cada um optou pelo o que pensou que seria melhor”, declara Heitor Borges, aluno de Relações Internacionais no IRI.

Na questão das aulas, elas têm sido síncronas ou gravadas. Há uma gama variada de plataformas mencionadas pelos alunos: Google Meets, Google Classroom, Zoom, Discord, Moodle, Youtube e Google Drive. Muitas das disciplinas práticas optaram por interromper completamente seu andamento e dar continuidade durante o período de reposição nos primeiros meses de 2021 — conforme o novo calendário da USP.

Já na questão das provas, algumas disciplinas optaram por substituí-las por trabalhos e outras por realizá-las de forma simultânea com tempo estendido – geralmente levando quase um dia inteiro para serem entregues, numa tentativa de contornar possíveis problemas de queda da internet.

É importante destacar, porém, que a adesão das disciplinas às aulas EAD foi bastante desigual. Alguns professores em poucas semanas se organizaram e iniciaram as aulas remotas, enquanto outros não apareceram por meses e retornaram com o conteúdo um tanto em cima da hora para fechar o semestre, segundo o novo calendário da USP. Larissa, aluna de Engenharia Mecânica na Poli, conta que viveu um desses casos e agora se preocupa em como vai recuperar o tempo da disciplina parada com as avaliações tão próximas. “Tem professor que começou a gravar videoaula para a gente faltando menos de um mês para prova. Muitos professores foram relutantes em continuar as disciplinas por EAD, atrasando o andamento da matéria”, diz ela.

Vitória conta que teve uma experiência similar no curso de Administração: “teve um professor que reapareceu depois de ter sumido por dois meses e colocou várias aulas no youtube que ele gravou em casa. Todo mundo reclamou porque a prova já ia ser na mesma semana e a gente não teve o tempo certo de estudar, seria injusto. No fim, ele mandou um e-mail postergando a prova e dando um trabalho para completar a nota”.

O novo calendário USP prevê mais um semestre de aulas EAD apesar de tantos obstáculos encontrados na primeira metade do ano. Peruíbe/SP – Brasil, 06/07/2020. Foto: Samantha Prado/ Jornal do Campus

 

Matérias paradas e abandono das disciplinas pelos professores

Juliana Santos, aluna da Faculdade de Direito, conta que tem uma disciplina específica que foi parada pois o professor decidiu que o método a distância não era bom para matéria. “Quem não trancou a matéria até agora vai ter que fazer com esse professor do jeito que ele decidir ministrar a aula mais para frente, só que a gente não sabe como vai ser porque ele ainda não decidiu. Não sabemos se vai acontecer durante as férias, se vai repor junto às presenciais ou como irá funcionar”, declara ela.

Na FEA, Pedro conta saber de certas matérias que se encontram em situação difícil: “metade da minha sala pegou estatística com um professor que abandonou o curso por causa da pandemia. Essas pessoas não vão poder fazer o próximo semestre de Estatística. Por isso, elas já perderam um ano de graduação”. O professor em questão é muito difícil de ser contatado até mesmo pelos coordenadores de curso e “reapareceu” para seus alunos no começo de junho, enviando a P1 por e-mail e pedindo que fosse entregue em uma semana, mesmo sem nenhuma aula, desde que as atividades presenciais da Universidade foram paralisadas.

Vitória conta que também passou por uma situação no curso de administração em que o professor não ministrava aulas ou entregava material de apoio, mas pedia atividades semanais. “Ele simplesmente sumiu e pedia tarefas semanais e um trabalho. Como ele não passou nenhuma matéria, basicamente a gente tinha que procurar na internet para fazer os exercícios. Agora ele deu três fases de um trabalho e a gente não recebeu feedback de nenhuma delas”, relata ela.

Conflito de decisões entre institutos

A ausência de uma verdadeira centralização das decisões em unidades divididas em muitos departamentos ou que contam com professores de outros institutos da Universidade ministrando matérias para seus alunos — como é o caso da FEA e da Poli— tem causado algumas confusões para os estudantes.

“Às vezes parece que a Poli não conversa com os outros institutos que ministram aulas para a gente. O que teve de informação conflitante sobre datas, formatos de prova, quando o semestre acaba”, conta Laura. Larissa aponta como exemplo o caso dos feriados adiantados em São Paulo pelo o governador do Estado: “a Poli disse que ia ter feriado, mas os professores de Cálculo falaram que o IME não ia acatar, então ia ter aula. Ficou nessa indecisão e com as informações mudando o tempo todo até a véspera da aula. Eu acho provável que isso aconteça de novo. Essa novela de má comunicação entre os institutos está se estendendo há bastante tempo”.

Acolhimentos por parte de professores e unidades

Os estudantes se mostram bastante agradecidos e melhor acolhidos por iniciativas — infelizmente não tão comuns — de alguns professores e institutos interessados em saber as condições dos alunos para o formato EAD — tanto no âmbito material, quanto psicológico. No Instituto de Relações Internacionais (IRI), houve abertura de um espaço para ouvir e acolher alunos que estavam passando por dificuldades durante a quarentena. “O que eu gosto bastante no IRI é que professores realmente se sensibilizam, principalmente com a questão da saúde mental e as dificuldades eventuais do acompanhamento das aulas. Acho que foi bastante positivo, a gente foi muito bem ouvido”, declara Heitor.

Juliana diz que a Faculdade de Direito estava bastante aberta ao diálogo, chegando até mesmo a realizar uma live com o diretor: “foi uma iniciativa do Centro Acadêmico, mas ele aceitou o convite e conversou com a gente. Mandávamos perguntas e ele explicava”. Maria Eduarda conta que a Faculdade de Ciências Farmaceuticas também teve uma live no instagram com a Comissão de Graduação da unidade para responder dúvidas e esclarecer decisões. “Eles estavam bastante dispostos a ajudar, o que foi muito legal. A live ajudou muito os alunos que estavam perdidos, com medo. Eu mesma me senti mais segura depois disso”, diz ela.

Outros alunos compartilharam exemplos de professores que se demonstraram abertos para ouvir suas opiniões e ajudá-los, o que foi uma troca muito importante. Laura e Larissa estão na mesma turma de cálculo na Poli e contam que, apesar de não terem tido muito apoio em outras disciplinas, com essa tiveram uma surpresa. “A coordenadoria de Cálculo abriu um questionário para os alunos, com notas de zero a cinco, perguntando coisas como ‘você se sente preparado para fazer uma prova?’, ‘como sente que está seu conteúdo até aqui?’, ‘como você está fisicamente?’, ‘como você está psicologicamente?’. Por isso dizemos que foi a coordenadoria mais compreensiva com os alunos até agora”, diz Laura. “A professora de Cálculo chegou até a pedir para as pessoas que colocaram notas baixas para saúde psicológica entrarem numa reunião no Google Meets com ela e ficaram conversando sobre isso. Ela perguntou para a gente o que podia fazer para nos ajudar, se seria melhor se ela ligasse a câmera durante as aulas, se a gente queria ter mais essas conversas com ela, etc.”, relata Larissa.

Já Camila Recco, aluna de Terapia Ocupacional, do departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Fofito), da Faculdade de Medicina, conta que o esquema de tutoria tem dado uma grande ajuda aos estudantes da faculdade nesse período. A tutoria é formada por professores que representam uma turma e contatam os demais discentes quando os alunos relatam um problema. “A minha professora da tutoria fazia reunião com a turma meia hora antes da aula e perguntava como estavam nossas matérias, porque aí ela fazia uma ponte de comunicação com outra professora e falava “olha, os alunos estão sobrecarregados, essa atividade talvez não seja ideal agora. Elas fizeram bastante coisa para a gente realmente suportar esse período”, explica ela.