O esforço dos professores para manter o aprendizado dos alunos em meio à quarentena

Na continuidade das aulas, docentes também esbarram em problemas com o EAD

Por Tiago  Medeiros

Disciplinas que precisam da parte prática são as mais afetadas. E professores sentem a perda de aprendizado – Ilustração: José Carlos Ferreira/Jornal do Campus

Devido à pandemia da Covid-19 e a instauração dos processos de quarentena e isolamento social, a USP paralisou oficialmente as suas aulas presenciais no dia 17 de março. O prosseguimento dado a essa circunstância, tomado por parte da diretoria e Reitoria da Universidade, foi que todas as atividades presenciais que pudessem ser substituídas por atividades remotas fossem atribuídas na modalidade de ensino à distância (EAD).

Esse parecer foi comunicado por meio de informes assinados pelo reitor da USP, Vahan Agopyan. Nos documentos, a mentalidade instituída por parte dos membros mais altos na hierarquia de tomada de decisões dentro da Universidade foi de que as aulas fossem mantidas da melhor forma possível, assumindo a ideia de que “a USP não pode parar”.

A recepção dessa deliberação teve contestação explícita por parte dos alunos. O mais correto, segunda essa parcela da comunidade USP, seria um trancamento em massa das disciplinas e reorganização do calendário letivo. Porém, ao observar que a determinação foi diferente de suas expectativas, os estudantes tiveram que se adaptar à nova realidade.

Encontrar um local adequado para assistir às aulas, ter equipamentos como computador ou smartphone para acompanhar os conteúdos oferecidos e contar com acesso mínimo à internet são alguns dos muitos aspectos que os estudantes tiveram de lidar com a instauração do EAD e que geraram certa insatisfação. O descontentamento chegou a reverberar nos professores, que em muitos casos, foram cobrados pelos estudantes de entender a situação e modificar seus métodos de ensino e avaliação.

As opiniões e alguns exemplos de situações que os alunos enfrentaram ao longo da pandemia já foram mostradas anteriormente pelo Jornal do Campus, ilustrando os motivos que levaram às demandas dos estudantes. Contudo, deve-se atentar ao fato de que a decisão de manutenção das aulas não foi feita por parte dos docentes da Universidade. Além disso, muitos professores, entendendo essa condição precária do prosseguimento das disciplinas, alteraram seus planos de aula a fim de não prejudicar nenhum estudante.

Um ponto que é importante, mas despercebido foi que os educadores da USP também foram colocados em uma situação inconveniente. Eles tiveram que se desdobrar para readequar e manter o prosseguimento de suas disciplinas, além de lidarem de forma semelhante com as inúmeras dificuldades impostas pela implantação repentina do ensino remoto.

Mesmo trabalhando dentro do quadro de funcionários da USP e, assim, estando mais perto e em contato direto com as direções e a Reitoria da Universidade, os professores foram pegos de surpresa. A instantaneidade e desconhecimento perante essa situação de pandemia fez com que os docentes tivessem que se agrupar voluntariamente e buscar soluções próprias para cada caso.

Com o ensino remoto, professores adaptaram seus novos meios de trabalho – Foto: Sofia Kassab/Jornal do Campus

A professora Maria Cristina Arias, do departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da USP (IB-USP), relata que, depois de 23 anos de serviços prestados à Universidade, essa foi a primeira vez que lecionou uma disciplina de forma remota e teve de lidar com vários empecilhos.

“Tive que aprender a usar as plataformas digitais para dar aula, tenho um notebook antigo e a internet não é muito boa em casa. […] Chegou um dia em que eu não consegui dar minha aula. Por sorte, leciono essa disciplina em equipe, e nesse dia os alunos entraram no link da outra professora que estava dando a mesma aula para a outra metade da turma.”

— Maria Cristina Arias

Ela comenta também sobre a questão dos sentimentos gerados por essa situação nos professores, uma vez que “a cobrança é grande e você sente que está falhando, é muito frustrante”.

Um outro ponto que a professora do IB-USP destaca é sobre os formatos para adaptar a disciplina prática com a forma remota. “Tivemos que selecionar vídeos da internet sobre os protocolos das aulas práticas e os alunos resolviam exercícios. Para facilitar, preparamos muitos slides com o passo a passo de tudo, tentando substituir o que sempre fizemos, utilizando a lousa, construindo o conhecimento juntos. Muitas discussões de experimentos foram feitas com resultados obtidos por turmas anteriores. Fizemos isso com a maior dor no coração, porque era para estarmos discutindo os resultados conseguidos por eles”, comenta Maria Cristina.

A professora resume as aulas remotas como sendo tudo diferente. “O aluno que fez nossa disciplina no ano de 2020 teve um curso diferente”.

A situação de prosseguimento das aulas também foi agravada por conta da indecisão e as diversas reorganizações de calendário que os professores tiveram de lidar ao longo do primeiro semestre de 2020. Os discentes e docentes foram se adaptando com as aulas já em andamento. Para os próximos seis meses, já está determinado que todas atividades serão mantidas em EAD, devido às previsões de que não se consiga garantir um ambiente seguro, em termos de saúde, para o oferecimento de aulas até o início de 2021.

A angústia pela mudança também foi sentida na exatas. Os professores Fuad Kassab, Ricardo Marques e Bruno Angelico, ligados ao Laboratório de Automação e Controle da Escola Politécnica da USP (Poli-USP), comentaram sobre os impactos que esse período de isolamento poderão ter sobre a dinâmica da Universidade, mesmo após certo controle da pandemia.

“Foram gastas seis horas para preparar um vídeo mostrando uma experiência em que seriam gastos trinta minutos no laboratório. É desgastante e frustrante, além de sentir falta da interação entre os alunos e o professor, a troca de experiências é muito relevante e, agora com a pandemia, esse aspecto ficou ainda mais evidente”, comentam os docentes.

Se, de um lado, os estudantes sentiram o desafio do EAD, os professores também. As consequências da mudança são incontáveis e as soluções encontradas pelos professores para buscar um mínimo nível de aprendizado satisfatório por parte de seus alunos estão sendo altamente desgastantes. O ofício de docente não se limita à sala de aula, pois são inúmeras horas investidas no planejamento das disciplinas, elaboração e correção de atividades e provas, além de toda a adaptação que o processo de implantação do ensino à distância exige.

Essas tarefas, apesar de sempre terem feito parte do cotidiano dos docentes, quase nunca são lembradas e contabilizadas como horas de trabalho e, agora, juntaram-se ainda mais com as funções domésticas (que ainda acomete mais as educadoras na sociedade em que vivemos), pressão, condição psicológica e outras inúmeras questões que, se citadas, fariam com que esse texto se alongasse por muitos caracteres.