Um novo país, um novo vírus

Por Fernanda Pinotti e Karina Merli

Fazer intercâmbio é um anseio de muitos universitários, mas nenhum deles espera enfrentar uma pandemia no caminho. – Arte: Hugo Vaz Reis /Jornal do Campus

“Foi tudo muito súbito, eram para ser só duas semanas de quarentena, e aí mais três, e mais três…”. O relato de Giovanna Alvarez poderia muito bem ser de alguém que passou a quarentena no Brasil, — dentre aqueles que de fato respeitam o isolamento social — mas a garota de 22 anos, estudante de audiovisual, se viu obrigada a se isolar em uma casa que não era a sua, em um país que não era o seu. A pandemia do novo coronavírus não pediu licença, tampouco respeitou os planos de ninguém, e muitos jovens tiveram que passar por esse período enquanto estavam bem longe de casa, fazendo intercâmbio. 

Início de um sonho

Giovanna carregava o amor por Paris desde muito nova. No terceiro ano de audiovisual, tomou a decisão de se planejar para chegar à cidade luz. “Primeiro me inscrevi em aulas de francês, pois nunca tinha estudado. Ao mesmo tempo, comecei a verificar todos os trâmites burocráticos do intercâmbio”, comenta a entrevistada.

Já Lucas Roja relata que quem plantou a semente da vivência internacional foi um professor do ensino médio. “Ele falava que era muito importante fazer intercâmbio, sempre botou isso na nossa cabeça e queria que fossemos para o exterior”, explica o estudante de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que agora está em Milão.

Antes da pandemia, ele conseguiu se aventurar pela Alemanha e Sicília com o irmão, que também está fazendo intercâmbio na Itália, além de visitar amigos na França. Por lá, Giovanna logo encarou uma greve nos transportes na capital. A circulação dos metrôs funcionou apenas parcialmente de dezembro a janeiro. Ainda assim, ela conseguiu aproveitar seus dias como turista. Mal imaginava que, dois meses depois, o vírus chegaria ao país e, não apenas os transportes, mas tudo precisaria parar.

Apesar de ter viajado para outros países e visitado pontos turísticos, Lucas queria ter aproveitado mais. – Foto: Arquivo Pessoal/Jornal do Campus.

Quarentenados por um vírus viajante

O novo coronavírus também cruzou as linhas dos mapas geográficos, sendo letal para mais de 530 mil pessoas. Enquanto estava restrito a poucos países do globo, o vírus era subestimado, pouco se conhecia a respeito e os seus efeitos avassaladores pareciam intangíveis para a realidade dos países não afetados.

Giovanna e Lucas, que ainda não retornaram ao Brasil, não imaginaram que suas vidas poderiam ser tão afetadas no momento já atípico de estar morando em outro país. “Meus amigos que estavam na China comentavam que não podiam sair para nada, nem ao supermercado, até as compra tinham que ser feitas online. Mas ninguém imaginava que aqui também seria assim.” O estudante de Engenharia, que já está em Milão há quase um ano, explica que até mesmo no início do lockdown não parecia ser algo tão sério e que duraria tanto tempo. “Quando nós vimos, estávamos há dois meses sem sair de casa”, ele acrescenta. “Eu só saí de casa para ir ao mercado, do outro lado da rua e mais nada.”

Giovanna encerrou o seu intercâmbio na Universidade Paris 8, mas continua na França pelo estágio. Paris – França – Foto: Arquivo Pessoal/Jornal do Campus.

Uma das grandes diferenças na forma como tanto a Itália quanto a França reagiram ao crescente número de casos em relação ao Brasil foi a adoção de um lockdown. A Giovanna, que está no país desde setembro, explica: “Só podíamos fazer essas compras essenciais, em mercado ou farmácia, andar apenas no raio de um quilômetro no entorno de sua casa e fazer exercícios físicos ao ar livre por até uma hora. Até para ir trabalhar você precisaria de um atestado.” Esse atestado que ela cita é um documento de autorização, um modelo de carta feito pelo governo francês, que podia ser impresso ou redigido a mão, explicando o porquê de estar na rua. Os dois estudantes relatam uma intensa fiscalização da polícia também. “Todo dia a gente ficava sabendo de um ou outro que tentava sair e acabou tomando multa”, conta Lucas.

Lucas e seu irmão moram na mesma residência universitária e ambos estão tentando voltar para casa desde junho, mas os dois voos que compraram foram cancelados. Eles gostariam de ter retornado para o Brasil durante o período de quarentena, mas não conseguiram fazê-lo. Sentiram falta de passar o isolamento com os pais e no conforto da própria casa. “E tem o fuso horário de cinco horas, que torna difícil ligar para os amigos que estão no Brasil”, ele acrescenta.

Já a Giovanna, por estar estagiando em Paris, não considerou voltar para casa. Mesmo agora, após a reabertura, ela continua trabalhando remotamente do seu quarto, que também fica em uma residência universitária. “Eu não considerei voltar e não me arrependo nada, porque muitos brasileiros que estavam aqui voltaram e agora a situação está super controlada por aqui, enquanto no Brasil está complicado”, ela justifica.

Ambos encontraram conforto no fato de não estarem sozinhos. A garota conta que em alguns dias se sentia “muito desanimada para tudo, mas a gente vai se acostumando e foi menos pior do que eu imaginava”. Por conta da quarentena, ela acabou se aproximando e conhecendo melhor outras pessoas da residência estudantil na qual está morando. Lucas conta que em seu apartamento “moram oito pessoas, dessas, quatro são do Brasil e um deles é o meu irmão” e eles dividiam o tempo, em sua maior parte, entre as videoaulas e o videogame.

Aprender mesmo à distância

O primeiro sinal de grande mudança, para os dois, foi a suspensão das aulas presenciais e a adoção do ensino à distância, via plataformas digitais. Mas, assim como no Brasil, nem todos se adaptaram. Lucas achou a mudança tranquila, disse que o que mudou bastante foi o aumento no empenho dos professores em evitar que os alunos colassem. “Em todas as provas devemos ligar a câmera, o microfone e compartilhar a tela. Um amigo precisou se filmar pelo celular enquanto fazia a prova no computador, para garantir que não tinha nenhuma folha, nenhuma ajuda”, ele conta.

Para Giovanna, “foi super bagunçado”. A faculdade estabeleceu que todos os alunos teriam uma nota mínima e poderiam fazer trabalhos ou atividades extras para aumentar esta nota, tudo a ser decidido com os professores. 

SOS intercambistas

Nem todos que foram estudar no exterior ou vieram ao Brasil para isso encaram a situação com a mesma tranquilidade que Lucas e Giovanna tiveram. Por isso, buscamos saber como os institutos estão ofertando suporte a essas pessoas.

Na ECA, os processos de seleção para a segunda metade do ano já estavam finalizados quando a pandemia começou. “Com o agravamento dessa situação, os intercâmbios dos estudantes nomeados foram adiados para o primeiro semestre de 2021 e decidimos suspender a publicação de novos editais de mobilidade.” De acordo com a ECA, a maioria dos jovens que estavam fora do país optaram pelo retorno, enquanto os que ficaram recebem acompanhamento de suas respectivas universidades de destino, além do suporte da secretaria da Comissão de Relações Internacionais (CRInt) da unidade.

Parte dos alunos que vieram do exterior para estudar no Brasil enfrentaram problemas, como a impossibilidade de terminarem as disciplinas práticas e, por conta disso, optaram pela desistência. Outros 39 estrangeiros, decidiram finalizar o intercâmbio na ECA cursando as aulas online. 

Já a assessoria de imprensa da Poli afirmou que contatou todos os estudantes em intercâmbio para oferecer assistência, levando em consideração a vontade deles e a viabilidade de concretizá-la. “Desde o início mandamos diversas comunicações para os alunos, perguntamos por quais dificuldades estavam passando e o que desejavam fazer. As respostas foram das mais variadas, desta forma, tentamos minimizar os impactos na vida acadêmica de cada um”. O mesmo procedimento foi adotado pela Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP).

Na Poli, a alternativa para não prejudicar ninguém foi negociar com as escolas do exterior para adiá-los. “Tem sido um trabalho bastante intenso e difícil”, informa a assessoria. No que tange ao apoio psicológico, os 279 politécnicos pelo mundo, contam com o suporte da unidade. O mesmo vale para os 38 estrangeiros que estão no Brasil, e complementarmente recebem o apoio dos membros do iPoli, estudantes responsáveis por ajudá-los na ambientação no país.

Todas estas recomendações foram reiteradas na entrevista com a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani), que é o órgão central do setor internacional na USP e, por isso tem contato com todos os Crints e com as instituições parceiras no exterior. “A gente observou todo tipo de situação possível: os que voltaram e continuaram matriculados no exterior, cursando remotamente; os que abandonaram o semestre que estavam fazendo lá; os que decidiram ficar. Tudo dependia das decisões do aluno.” A agência reitera que é preciso tratar cada caso à parte, sempre buscando auxiliar o aluno no que ele decidisse fazer.

Nova regra para estudantes estrangeiros nos EUA

No dia 6 de julho, o governo dos Estados Unidos anunciou que aqueles que estudam no país e que estão assistindo às aulas totalmente online deverão sair do país quando iniciar a volta do ano letivo, prevista para setembro. A medida, no entanto, vale apenas para quem possuir os vistos F-1 (utilizado por estudantes estrangeiros que ingressam em alguma instituição de ensino estadunidense, desde a escola primária até a pós-graduação) e M-1 (utilizado por estrangeiros que fazem cursos vocacionais no país). Os alunos com vistos da categoria F, restrita aos cursos acadêmicos, poderão ficar, desde que tenham alguma disciplina presencial. 

Em entrevista, a Aucani esclareceu: a medida não afeta os estudantes que estão no país fazendo intercâmbio, pois estes possuem o visto J-1, usado por visitantes intercambistas no país norte-americano. E também acrescentou que poucos estudantes da USP tem como destino os Estados Unidos, sendo aqueles que vão para lá, em sua maioria, da pós-graduação.