Especial ensino remoto: a jornada da FEA e da FFLCH pelo primeiro semestre de 2020

 

por Rafael Sampaio

Foto: USP Imagens

 

Como as suas parentes uspianas, a FEA teve sua própria história dentro da pandemia. Das 200 disciplinas previstas para o primeiro semestre, todas foram concluídas. Só números não bastam. Lucas Fernandes Carvalho, Representante Discente na Comissão de Graduação, conta o que viu: “Comparado às outras unidades, fomos bem. Os professores foram ativos; então, tivemos uma retomada rápida. Houve poucos problemas. No geral, o semestre andou bem. Cumprimos o cronograma original, sem grandes atrasos. Saímos para o recesso cedo. Em questão de cronograma e cumprimento do conteúdo programado, deu tudo certo”.

Para o diretor e professor da FEA, Fábio Frezatti, e para o presidente da Comissão de Graduação, professor Andres Rodriguez Veloso, quatro atributos da faculdade foram fundamentais para o andamento satisfatório do primeiro semestre: o trabalho com o conceito de Blended na prática de ensino (mistura de ensino presencial e remoto), a acreditação no sistema Assure of Learning (conjunto de técnicas de gestão da aprendizagem que incentiva a constante revisão dos métodos de ensino, de modo a garantir a transmissão do conhecimento), a experiência de muitos professores no uso do sistema e-Disciplinas (Moodle da USP) e, por fim, a presença de um Comitê de Inovação Pedagógica vinculado ao Departamento de Administração da faculdade.

Fábio Frezatti explica: “Tínhamos dois conceitos já existentes, embora não generalizados: pensar na disciplina aproveitando o uso das ferramentas remotas para otimizar tempo (Blended) e a acreditação do conceito Assure of Learning”. Andres Veloso completa, falando sobre o e-Disciplinas: “Cerca de 90% dos professores já usavam antes (e-Disciplinas). Fizemos treinamentos para complexificar esse uso. O uso do e-Disciplinas aumentou e tornou-se mais profundo. A cada dia os professores estão entendendo mais e conseguindo usar melhor essa e outras ferramentas de ensino remoto”.

A FEA parou por 15 dias para organização e treinamento

A decisão de quando iniciar o ensino remoto coube às unidades, embora a Reitoria tenha incentivado celeridade no processo. As vantagens do ensino presencial em relação à alternativa a distância são evidentes, justificando a recusa de parte dos professores e dos alunos em aderir à nova metodologia. Quando houve demora para chegar ao consenso, a transição foi mais lenta. Na FEA, grande parte dos professores e dos alunos, desde o anúncio da suspensão das aulas, concluiu que a adoção das aulas remotas era a escolha que traria menos danos. Tal afirmação é confirmada em levantamento feito, entre os dias 17 e 20 de março, pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC). A pesquisa teve participação de 1.172 alunos (cerca de 40% dos estudantes da FEA); dos quais, 92% se disseram favoráveis à continuidade das aulas pelo meio remoto.

“Se a nossa cabeça aceita que podemos proporcionar aula, mesmo sabendo da perda do contato pessoal, é possível desenvolver um ensino de qualidade. Em algumas unidades, essa posição da crítica à virtualização do ensino foi mais forte. Aqui, os professores aderiram rápido já que era pior ficar sem aula nenhuma”.

– Fábio Frezatti, diretor e professor da FEA.

Rápido; não imediato. Foram reservados 15 dias: para definição de diretrizes mínimas, para padronizar ferramentas e para realização de treinamentos. Fábio Frezatti conta o papel do expandido Comitê de Inovação Pedagógica para o planejamento dessas ações: “Pensamos: tínhamos massa crítica disponível. Formamos o Comitê de Inovação Pedagógica da FEA, cuja prática já existia no Departamento de Administração, aproveitamos essa experiência. A partir do Comitê, as decisões foram tomadas. Refletimos sobre o Google Meeting e o Zoom (pago). Com base nas discussões desse Comitê, escolhemos o Zoom. Apenas para falar e ouvir, qualquer ferramenta serve. Mas as aulas exigem o uso de uma ferramenta mais potente”. Andres Rodrigues Veloso, presidente da Comissão de Graduação, complementa: “Quando o Comitê foi formado e as decisões foram feitas, rapidamente, as aulas voltaram. Isso nos deu a condição de finalizarmos o calendário no prazo originalmente estabelecido, sem grandes perdas na transmissão do conteúdo”.

Ao longo do semestre, o Comitê organizou: tutorias, treinamentos e oficinas sobre o manejo do e-Disciplinas e do Zoom. Lucas Fernandes Carvalho, representante discente na Comissão de Graduação, opina sobre o resultado dessas iniciativas: “A escolha do Zoom foi muito boa. O Zoom é a melhor plataforma que já utilizei para videochamada. Facilita a interação. Permite que você reaja ao que o professor fala. Tem recursos que outras plataformas não tem. A FEA disponibilizou isso para os alunos ao comprar a versão paga para os professores. A respeito do e-Disciplinas, alguns professores tiveram dificuldade. Ele poderia ser melhor utilizado nas avaliações. Mas em geral, tanto o e-Disciplinas como o Zoom foram bem utilizados”.

Com a palavra os estudantes

Logo nos primeiros dias da suspensão das aulas, o Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC) fez um importante levantamento das situações e das características dos alunos da FEA que poderiam trazer-lhes prejuízo para o acompanhamento das aulas à distância. Mais de 40% dos alunos da graduação foram ouvidos. O trabalho do CAVC foi utilizado pela direção da faculdade, conforme afirma Fábio Frezatti: “Com o relatório do centro acadêmico, tivemos uma imagem melhor do que estava acontecendo. Ele foi fundamental para saber a situação dos alunos”. Outro levantamento foi realizado em julho; o CAVC procurava aferir a avaliação dos estudantes em relação ao primeiro semestre. Alguns números merecem destaque. Em um grupo de 490 respondentes: apenas 12% deles afirmaram que tiveram todas as suas aulas do primeiro semestre gravadas e disponibilizadas para posterior visualização. Quase 41% disseram ter tido dificuldades em cumprir com a presença em pelo menos uma disciplina.

Diante de tamanhas dificuldades, ganham maior relevância e merecem maior tributo ações solidárias como os “Aulões”. Parte da política de permanência do CAVC, os “Aulões” são encontros de estudantes mediados por alunos voluntários que, pelo seu conhecimento, assumem a função de professores. Os encontros mantiveram-se no primeiro semestre; dezenas, ocorreram por meio de plataformas de videoconferência.

Embora, como afirmam o diretor da FEA e o presidente da Comissão de Graduação, todo conteúdo programado das disciplinas tenha sido transmitido, a aprendizagem foi comprometida. No levantamento feito pelo CAVC, quase 46% dos alunos consideram que houve piora na aprendizagem com as aulas remotas. Os “Aulões” são uma forma de reduzir essas perdas. 

Foto: USP Imagens

 

Na FFLCH, cada departamento tem a sua história na pandemia

Quase 13 mil alunos. Quatrocentos e oito professores. Onze departamentos distribuídos em cinco grandes áreas do conhecimento. O tamanho da FFLCH torna tudo mais difícil. A incerteza sobre a duração da crise e a certeza das perdas inerentes ao ensino não presencial condicionaram a relutância de docentes e de alunos em aceitá-lo. Nada é unânime na FFLCH. Houve disciplinas ministradas ininterruptamente; outras iniciaram de forma sistemática em abril, maio até em junho. Mona Mohamad Hawi, docente do Departamento de Letras Orientais e Presidente da Comissão de Graduação da FFLCH, explica como foi o processo de consolidação do ensino remoto na faculdade: “Em março, fomos pegos de surpresa. Não achávamos que iria demorar tanto. Achávamos que, no máximo, em maio voltaríamos. Mas sempre mantivemos contato com os alunos. Tomamos a atitude de continuar com o remoto, depois de perceber que não voltaria. Alguns departamentos começaram em abril, outros em maio, o de Geografia iniciou em junho. O começo foi tumultuado, era necessário dar um tempo. Fizemos recomendações e inúmeras reuniões, os professores se ajudaram bastante. Nossa preocupação prioritária era com os alunos. Eles teriam condições de acompanhar as atividades?”.

Para conhecer a realidade dos alunos e dos professores, entre o final de março e o começo de abril, foi realizado um amplo levantamento por meio de um questionário enviado por e-mail a toda comunidade. Durante o período do levantamento, a cobrança de frequência e a aplicação de atividades valendo nota foram proibidas, como consta do Comunicado emitido pelo Conselho Técnico-Administrativo da FFLCH (CTA-FFLCH), com data de 27 de março de 2020.

O calendário da FFLCH foi um pouco diferente do das outras unidades da USP. Pelo fato da sistematização do ensino remoto ter sido mais lenta, ele foi estendido para que todas as disciplinas pudessem ser concluídas. O primeiro semestre acabou no dia vinte de oito de agosto; o segundo, teve início no dia catorze de setembro.

Comissões de Acompanhamento

Para cada curso, foi formada uma Comissão de Acompanhamento, todas ainda funcionando, reunindo representantes de professores, de funcionários e de alunos. As comissões são canais de diálogo que permitem a resolução de conflitos e a tomada de decisões para o andamento dos cursos. Por meio delas, recomendações gerais são estabelecidas. Questões como os métodos avaliativos, a necessária flexibilidade na cobrança de frequência e a importância da gravação das aulas foram tratadas pelas comissões.

O professor do departamento de Geografia e presidente da Comissão de Coordenação do Curso de Bacharelado em Geografia (COC-Bacharelado), Eduardo Donizeti Girotto, demonstra a importância das Comissões de Apoio, ao falar sobre a polêmica da abertura ou não das câmeras: “Esse assunto (câmera aberta) mostra o mérito das comissões. Descobrimos que a maioria dos aluno não abrem, menos por uma questão de vergonha do que por conta da qualidade da internet e do consumo dos dados. É mais uma questão tecnológica. Houve conflitos que puderam ser equacionados na Comissão”.

A Geografia dá o mapa do ensino remoto 

Chegando na Geografia, o coronavírus atingiu a USP. No dia 11 de março, com a confirmação de que um aluno do curso estava com Covid-19, as aulas foram interrompidas na Geografia, antes que a decisão atingisse a USP inteira. Elas voltaram, remotamente, depois de quase três meses. Tempo maior do que qualquer outro curso da FFLCH mas com resultados bastante positivos.

No final de abril, após discussões internas e diante dos prejuízos acumulados pela descontinuidade da maioria das aulas, o departamento de Geografia decidiu buscar caminhos para a retomada com qualidade do ano letivo. A primeira medida foi marcar o reinício de todas as atividades em junho na forma remota. O mês de maio seria dedicado a treinamentos e a assistir os alunos nas suas dificuldades. Mona Mohamad Hawi relata que a Geografia fez de maio um mês de preparação: “A Geografia fez inicialmente um treinamento com os professores sobre ensino remoto (e-Disciplinas). O departamento parou para se preparar. Em junho, as atividades recomeçaram; então, foram três meses ininterruptos de aulas”.

A Comissão de Acompanhamento do Departamento de Geografia em conjunto com o Centro de Estudos Geográficos Felipe Varea Leme (CEGE) – centro acadêmico da geografia – trabalharam durante todo o mês de maio para garantir que todos os alunos do Departamento tivessem condições materiais para acompanhar as aulas. Para isso, fizeram um rastreamento exaustivo em busca dos alunos desprovidos daquelas condições (computadores e internet). Eduardo Donizeti Girotto narra como esse trabalho foi feito: “Fomos nos reunindo, procurando entender as demandas reais.Quantos alunos tinham problemas de acesso à internet ? Quantos não tinham computador ? A Comissão de Acompanhamento e o CEGE descobriram que a demanda pelos kits internet era maior do que a Reitoria havia levantado. Tínhamos uma demanda sete vezes maior. A Reitoria indicou 12 alunos para receber os kits mas nós chegamos a mais de 80. Podemos dizer que todos os alunos da Geografia que fizeram a solicitação receberam. Nós contatamos todos os estudantes do curso a fim de saber quem precisava. Fizemos busca ativa com email, ligação, mensagem no facebook, etc.”.

Além dos kits de internet, fornecidos pela Reitoria, 22 computadores dos laboratórios da Geografia foram emprestados a alunos. O departamento se encarregou de enviar os equipamentos (modens e computadores) aos estudantes que não tinham condições de buscá-los. “Quisemos garantir que todos os estudantes que fizeram a solicitação, recebessem. Ligamos para saber se tinham recebido. Encaminhamos um computador para Minas Gerais”, relata Eduardo Donizetti Girotto.

Computadores da Geografia prontos para empréstimo para alunos do curso em maio de 2020. Foto: Normando Peres Silva Moura

 

Com a palavra os estudantes

O Centro Acadêmico da História (Cahis – Luiz Eduardo Merlino) questiona as razões de apenas alunos da Geografia terem recebido computadores. Sobre o assunto, o Cahis se posiciona: “Não houve nenhuma iniciativa de distribuição de computadores por parte da Reitoria da USP e nem por parte da secretaria da FFLCH. Houve distribuição de computadores apenas a alunos da Geografia, com a explicação de que só nesse departamento houve mapeamento dos alunos com necessidades de materiais. A afirmação é falsa. O Cahis aplicou um questionário, a pedido do Departamento de História, que foi respondido por 401 alunos. Temos os números que mostram as demandas dos estudantes”. Outro desacerto apontado pelo Cahis foi a necessidade da busca dos kits internet da Reitoria na USP; estudantes deixaram de solicitar ou não foram buscá-los por dificuldades de deslocamento.

Na Letras, o primeiro ano é fundamental: com base na média das notas obtidas no período, os alunos são ranqueados. A posição no ranking define a ordem de escolha da habilitação em língua estrangeira a ser cursada no segundo ano. Cada habilitação tem um número restrito de vagas; assim, ir bem no primeiro ano significa ficar mais próximo da habilitação desejada. O ranqueamento, já pouco justo, passou a ser mais discutível durante a pandemia. O ensino remoto reforça desigualdades. Há estudantes que precisam assistir às aulas por uma minúscula tela de celular, depois de 8 horas de trabalho e do ônibus cheio. Depois de vários protestos de ingressantes e do Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários (Caell), o departamento de Letras decidiu descartar as notas do primeiro semestre para o cálculo do ranqueamento; as do segundo, contudo, serão computadas. Solução incompleta: a pandemia e seus efeitos desiguais persistem.

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