O retorno do esporte universitário em meio à pandemia

 

por José Higídio

[Imagem: Reprodução: Gabriel de Andrade Fernandes/Flickr]

Foto: Gabriel de Andrade Fernandes/Flickr

 

O Plano USP para o retorno gradual das atividades presenciais definiu uma série de normas e recomendações para uso, trânsito e ações dentro dos campi em meio à pandemia de Covid-19. Como se sabe, as aulas permanecerão remotas até 2021. Mas muitos estudantes podem estar também ansiosos para saber quando poderão voltar com as práticas esportivas universitárias para além dos treinos virtuais.

Diferentemente das aulas, os eventos esportivos têm sim possibilidade de acontecer antes do fim do ano. O plano de retomada da USP, que é vinculado ao Plano São Paulo estabelecido pelo Governo do Estado, abre espaço para isso caso o município entre na fase Azul, a quinta e última. Atualmente a capital se encontra na fase 3, amarela. 

Mesmo assim, a USP apresenta uma rigidez maior e exige o cumprimento de um prazo pré-determinado para a flexibilização dos esportes na Cidade Universitária. Além disso, tudo ainda dependeria de um plano próprio do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp), já que boa parte das atividades esportivas ocorrem dentro das suas dependências.

As condições para que isso ocorra são muitas, mas não infinitas. O que acende o debate e a expectativa em torno do esporte universitário é justamente a situação do desporto profissional no país: as competições de futebol já vêm ocorrendo desde junho, e outras modalidades já apresentam previsões para retorno ainda em 2020.

Ainda assim, uma possível retomada é encarada com bastante cautela dentro do universo do esporte universitário: “Por mais que tenhamos um planejamento para quando todas essas variáveis permitirem o retorno das atividades, este ainda vai ser discutido com as próprias atléticas”, afirma Augusto Rapp, diretor geral de Esportes da Liga Atlética Acadêmica da Universidade de São Paulo (Laausp).

A Laausp é a instância máxima de representação esportiva da universidade e responsável pela organização de competições internas. A organização emitiu no último dia 8, em suas redes sociais, um comunicado oficial que definiu o cancelamento das competições de todas as modalidades em 2020.

Logos da Liga Atlética Acadêmica da USP, que organiza os campeonatos internos, e do Novo Desporto Universitário, liga esportiva que organiza competições entre diferentes institutos de variadas universidades. 

 

Algumas competições universitárias, das quais certos institutos da USP participam, também envolvem entidades de outras universidade. É o caso do Novo Desporto Universitário (NDU), que engloba diversas modalidades.

O presidente da entidade, Ricardo Bochicchio, explica que a prática de atividades esportivas chegou a ser liberada como um primeiro passo de retomada em algumas das cidades que sediam suas partidas, mas o entrave para a volta às aulas presenciais e a insegurança de muitos atletas vêm impedindo um possível retorno ainda neste ano. Independentemente da data, a intenção do NDU é de finalizar as competições iniciadas em fevereiro.

A comunicação com as atléticas tem sido algo regular para as entidades, ainda que virtualmente. Além disso, a própria Laausp vem procurando, através de treinos remotos, manter ativas as Seleções USP, outra atribuição da organização. Já o NDU criou uma competição virtual de demonstração de habilidades e vem realizando torneios on-line de xadrez e e-sports.

Volta com protocolos?

“Atividades físicas individuais são importantes para manter uma vida ativa saudável sem colocar em risco o praticante, mas a partir do momento que se realiza de forma competitiva presencial, passa a existir um risco de contaminação, mesmo tomando todos os cuidados”. A fala de Augusto resume bem a posição da Laausp com relação à possibilidade de retorno das suas próprias competições. 

No esporte profissional, a saída encontrada para a volta foi a adoção de protocolos de saúde visando minimizar as chances de contágio. Augusto considera essa uma alternativa controversa, devido principalmente à quantidade de atletas que testaram positivo para Covid-19 no Campeonato Brasileiro, a liga mais rica do esporte nacional: “Posto isto, qualquer protocolo para retorno de campeonatos no momento que estamos vivendo não conseguiria minimizar a níveis aceitáveis, se é que isso existe, o risco de contaminação dos atletas no esporte universitário”.

Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP-USP), não considera que os protocolos adotados no Brasileirão sejam falhos: “Aquilo foi visto por um monte de gente. Provavelmente pode ter algum equívoco? Talvez tenha. Mas se for feito de outro jeito, vai ter outro tipo de equívoco”. Segundo ele, as supostas “falhas” dos protocolos foram na verdade erros de alguns clubes que desrespeitaram as normas.

Atleta Felipe Melo, do Palmeiras, realizando teste de Covid-19. [Imagem: Reprodução/Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas]

Atleta Felipe Melo, do Palmeiras, realizando teste de Covid-19. Foto: Cesar Greco/Fotos Públicas

 

Gonzalo reconhece que, do ponto de vista médico, em caso de atividades não essenciais para o funcionamento da sociedade, a recomendação pura e simples é de que se fique em casa. Mas, no âmbito do esporte profissional, o professor considera adequada a retomada das competições, como tem sido no futebol.

“Como nós estamos já desde março nessa história, há um sofrimento muito grande por parte das pessoas. Então, alguma coisa tem que ser liberada. Por isso, eu acho que esses esportes de exibição, como o futebol profissional, deveriam voltar sem público e com protocolos. Eu sou a favor mais por causa da saúde mental das pessoas. Ter jogos novamente é uma coisa que faz bem para o espírito.”

Mesmo apoiando os protocolos do esporte profissional, Gonzalo também não enxerga aplicabilidade deles para o nível universitário, e acha mais difícil criar um conjunto de condições para um projeto de retomada: 

“O esporte universitário é muito mais complexo e tem outro objetivo. O universitário não vive disso. É muito mais uma forma de congraçamento”. Segundo ele, seria complicado fazer protocolos para algo mais massivo, de múltiplas modalidades, e no qual não há como definir um número aproximado de pessoas envolvidas em cada evento.

O NDU apresenta uma visão similar. Bochicchio acredita que os protocolos de higiene e distanciamento propostos pelas entidades governamentais poderiam ser colocados em prática em suas competições, mas um retorno seguro neste momento seria inviável devido à incapacidade de testagem de todos os atletas: “Não queremos criar vetores de contaminação e acreditamos que esta escolha é parte do esforço coletivo para evitar a propagação do novo coronavírus”.

Seja do ponto de vista médico ou de quem efetivamente participaria das competições, a opinião que prevalece é de que a paralisação, pelo menos por enquanto, deve ser mantida. O andamento da pandemia nos próximos meses ainda é incerto, e a própria volta às aulas levanta muitas dúvidas. Como apontado pelo professor Gonzalo, o retorno do esporte universitário deveria ser condicionado ao retorno da atividade estudantil como um todo, afinal, “ele faz parte desse conjunto de coisas que é a vida do aluno na universidade”.

Esta reportagem foi publicada originalmente com o título “O esporte universitário pode voltar?”.