Por que o Pantanal está em chamas?

 

 

por Karina Tarasiuk

Fotos: Lalo de Almeida.

 

O Pantanal possui uma área de 150.000 quilômetros quadrados, cuja maior parte encontra-se no Brasil, com 65% da área no Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. O bioma enfrenta sua fase mais crítica das últimas décadas. Segundo um levantamento do Estadão feito a partir de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Pantanal queimou entre janeiro e agosto de 2020 o equivalente ao total queimado nos seis anos anteriores, entre 2014 e 2019. 

O mês de julho também indicou recorde no bioma: foi o mês com o maior número de queimadas  nos últimos 22 anos, com o registro de 1.684 focos, segundo o Inpe. Ano passado, no mesmo mês, foram 494, cerca de um quarto do valor. Até então, o recorde havia sido em 2005, registrando 1.259 focos.

O Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) estimou que 2,34 milhões de hectares (23.400 km²) do Pantanal já foram consumidos pelas queimadas. Essa área é maior que a do estado de Sergipe e corresponde a 15% do bioma.  

Mas qual é o motivo desse recorde nas queimadas?

Paulo Artaxo, professor de Física da USP especialista em mudanças climáticas globais e problemas ambientais, explica que dificilmente uma queimada em regiões de muita chuva como a Amazônia ou o Pantanal será natural. “A natureza pode intensificar a existência de uma queimada, mas uma região úmida como o Pantanal dificilmente pega fogo naturalmente. Então, sabemos que são queimadas criminosas, produto de atividades ilegais.”

O professor de Geografia da USP Wagner Costa Ribeiro, especializado em Geografia Política e Meio Ambiente, complementa: ele explica que o Pantanal é uma área com características naturais muito singulares, classificado por muitas pessoas como um sistema complexo por apresentar uma diversidade de feições, inclusive de vegetação. “Você vai encontrar parte dele com o cerrado, outra parte com o cerradão, outra parte com florestas, mas a grande característica é justamente uma planície de inundação com pequena capacidade de dar vazão à água, principalmente no período de chuva”. 

Em algumas partes do pantanal, principalmente na porção do cerrado, o fogo pode acontecer anualmente de forma natural. “Mas há uma porção do Pantanal onde esse tipo de ação claramente é resultado da intervenção humana por meio de queimadas induzidas pela sociedade”. A principal causadora das queimadas induzidas é a atividade pecuária, visto que produtores agropecuários de causa comercial limpam a vegetação em períodos de pouca chuva para transformar a região em pastos e culturas para exportação.

Ribeiro não possui dúvida de que as queimadas foram induzidas: “Isso gera muita preocupação. Nós sabemos que, por ser um sistema natural muito singular, a perda da cobertura vegetal pode afetar drasticamente o regime de cheia e de acúmulo de água local, e nós sabemos que muitas espécies estão adaptadas a essa oscilação da água”. 

Ele explica que quando a capacidade de retenção de água é afetada pela perda de cobertura vegetal, o acúmulo de água no local pode ser prejudicado, e determinadas áreas podem permanecer alagadas por mais tempo, já que não existe mais a barreira da própria vegetação. Esse fator pode mudar toda a dinâmica dos seres que vivem no Pantanal, afetando seriamente espécies ameaçadas.

Artaxo também explica a possível relação entre as mudanças climáticas e a intensificação das queimadas. Ele diz que as queimadas são iniciadas pelas atividades ilegais, principalmente pela abertura de novas áreas para o agronegócio. A redução de chuvas em uma região facilita a propagação de incêndios criminosos, que têm maior escala em climas mais secos. “O que nós estamos observando é que estão aumentando as frequências dos eventos climáticos extremos, com secas que muito provavelmente são causadas pelo aquecimento global. Então o aquecimento global pode intensificar queimadas iniciadas por atividades ilegais, como a invasão de terras públicas e de terras indígenas”, conclui.

E quais são as principais consequências dessas queimadas?

Artaxo explica que as queimadas podem influenciar o clima, visto que os gases liberados nas queimadas, sobretudo o dióxido de carbono e o metano, são os grandes responsáveis pelo efeito estufa, fenômeno que intensifica o aquecimento global. 

Mas há uma consequência mais imediata ainda: a morte de animais típicos do bioma, como cobras, jacarés e jabutis, que vêm sendo encontrados carbonizados no local. Também ocorreram casos de onças com as patas queimadas pelo incêndio.

O Pantanal possui grande biodiversidade, com mais de 4.700 diferentes espécies de animais e plantas. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, lá existem pelo menos 582 tipos de aves, 132 de mamíferos, 113 de répteis e 41 de anfíbios. Muitas dessas espécies, já ameaçadas de extinção, encontram-se em risco muito maior. É importante também lembrar que um dos maiores santuários de arara-azul se encontra no Pantanal, e também foi afetado pelas queimadas.

Além da fauna e da flora, as comunidades que vivem próximas ao Pantanal também são atingidas. “Existem povos originários indígenas, população de baixa renda e também um grupo que vive de atividade turística na região. O Pantanal é uma das poucas partes do Brasil com tanta diversidade de modalidades turísticas, e todo esse pessoal é afetado”, conta Ribeiro. 

As queimadas também apresentam risco à qualidade de vida: “lamentavelmente nós temos assistido impactos na saúde da população, porque a fumaça acaba afetando drasticamente todo o aparelho circulatório e respiratório. Isso tem implicações gravíssimas à saúde, em especial no momento que nós estamos vivendo hoje de uma pandemia, em que o principal vetor é o respiratório”, diz o professor. Populações que vivem em cidades como Corumbá, uma das mais afetadas pelas queimadas, por exemplo, são as mais diretamente afetadas, não só nas atividades econômicas, mas também pela contaminação do ar.

A alteração climática do Pantanal traz consequências para outras regiões do Brasil, sobretudo a Sul e a Sudeste, com diminuição no nível de chuva, o que implica a redução da oferta de água para produção agrícola. “O Pantanal pode estar longe do Sudeste em termos geográficos, mas quando nós pensamos nos ciclos bio e geoquímicos do planeta, percebemos que tudo está muito integrado e que o Pantanal afeta diretamente a água que nós temos em São Paulo”, explica Ribeiro.

Problemas na fiscalização

Artaxo diz que, como a maior parte das queimadas são provenientes de atividades ilegais, é necessária a fiscalização, “a Polícia Federal precisa estar nas regiões proibindo essas atividades. É possível fazer isso, o Brasil já mostrou que é possível, sim, reduzir drasticamente o desmatamento e as queimadas no passado, mas você precisa ter políticas públicas consistentes e um governo que implemente políticas para redução da devastação ambiental.”

No entanto, o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerou fiscais do Ibama após reclamações do presidente Jair Bolsonaro. Além disso, também cortou a verba destinada ao combate ao desmatamento e às queimadas. Com isso, grande parte do trabalho de combate às queimadas no Pantanal está sendo realizado por trabalho voluntário de membros de Organizações Não Governamentais (ONGs).

O professor afirma que “diminuir as queimadas é muito fácil, basta realmente querer, e ter políticas públicas com essa finalidade. Isso é fácil de fazer, e essa é a maneira mais barata e eficiente de reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Não só é possível como desejável, mas você precisa ter, obviamente, vontade política”.

Ribeiro complementa: “o que nós estamos assistindo é o esvaziamento dos órgãos de fiscalização. Estamos assistindo o desuso dos recursos previstos para operações de vigilância. O governo expressa claramente o não cumprimento dos atributos fundamentais do Ministério do Meio Ambiente, que compila o Artigo 225 da Constituição, o qual deixa claro que é dever do estado preservar o patrimônio ambiental para as gerações futuras. Infelizmente tudo isso parece estar sendo negligenciado.”

Existe um futuro para o Pantanal?

Ribeiro lamenta a atual devastação do Pantanal gerada pelas queimadas, e diz que o processo de extinção já está ocorrendo. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem uma “vantagem geográfica extraordinária”, tanto pela sociodiversidade, a diversidade de povos e comunidades, quanto pela biodiversidade. “Essa combinação nos permite desenvolver no futuro, a partir da pesquisa científica e tecnológica, novos fármacos e novos materiais, a partir do uso sustentável dos recursos naturais que afetam diversas formas de manifestação e expressão”, explica. 

“Ao queimar isso tudo, nós estamos, na verdade, queimando uma biblioteca sem saber o que tem dentro. Nós sequer conhecemos a biodiversidade que está pronta lá, então é de fato pouco inteligente. Nós estamos perdendo uma grande vantagem estratégica. Nós estamos vivendo em um século de transição para um outro padrão de produção, que vai ser necessariamente sustentável. Queimar floresta é queimar matéria-prima que poderia ser alternativa de reprodução da vida dentro do planeta”.

– Wagner Costa Ribeiro

Como podemos ajudar?

Segundo Paulo Artaxo, a sociedade brasileira tem um papel muito importante na pressão sobre os governos municipais, estaduais e o governo federal para implementar políticas de preservação ambiental. “Obviamente, a devastação ambiental não beneficia a população em geral, muito pelo contrário, isso compromete nosso futuro. Nós temos que impedir que decisões de curto prazo do setor privado comprometam o futuro da nação brasileira do ponto de vista ambiental”, ele conclui. 

Wagner Costa Ribeiro diz que a maior forma de ajuda é divulgar o problema, ampliar a discussão sobre o assunto e mostrar à população brasileira o que acontece ao perder o Pantanal e também os outros biomas brasileiros. “Eles são basicamente afetados por ação inescrupulosa de gente que quer, por meio do fogo, ter acesso à terra. O que precisamos fazer é intensificar a fiscalização, e para isso é preciso haver, de fato, uma coordenação entre os governos. Isso tem que ser feito o mais rápido possível, porque o prejuízo é muito rápido, apesar de essa área do Pantanal ter uma recuperação maior que de outros biomas.”

Além disso, também é possível realizar doações para ONGs envolvidas em trabalhos voluntários de auxílio ao Pantanal. Reduzir o consumo de carne também é uma alternativa simples de ser realizada em casa, visto que parte significativa da carne consumida no cotidiano vem de fazendas envolvidas com queimadas e desmatamento dos biomas brasileiros.

As imagens deste texto foram gentilmente cedidas pelo fotógrafo Lalo de Almeida.