Prêmio Vladimir Herzog: história, importância e organização

Ana Luisa Gomes, curadora do Prêmio, nos conta a trajetória do prêmio, o que ele representa e fala sobre as dificuldades de adaptação para o remoto

 

por Vanessa Evelyn


Ana Luisa Gomes, curadora do Prêmio Vladimir Herzog. Foto: Arquivo pessoal

 

Um dos principais prêmios do Jornalismo, o Prêmio Vladimir Herzog , acontecerá no dia 25 de outubro. Para entender melhor como ele acontece, conversamos com Ana Luisa Zaniboni Gomes, curadora do Prêmio que nos contou sobre a história, importância, organização e, neste ano, adaptação para o remoto.

Como se deu a criação do Prêmio Vladimir Herzog?

Em 1978, vários movimentos ligados à sociedade civil, dentre eles o Sindicato dos Jornalistas, movimento pela Anistia e Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), decidiram pela criação de um prêmio de Jornalismo, para dar espaço, reconhecer e proteger os profissionais da imprensa que estavam divulgando e cobrindo os acontecimentos no país. E foi interessante que esse movimento que estava acontecendo na época entendia que tinha que ser um guarda-chuva latinoamericano, dessa forma o prêmio nasce em resposta a essa compreensão, uma vez que, naquele momento, existia uma interferência muito grande da política latina, todos sofrendo muito com os movimentos de repressão americanos. Era o momento de criar laços fortes de proteção do jornalismo, garantir que as reportagens e o trabalho da imprensa fossem feitos, apesar de tudo. 

Quem levou a consideração desse movimento à possibilidade de criação do Prêmio foi Perseu Abramo, que hoje é reconhecido por nós como patrono deste projeto. Dessa forma, o Prêmio surge em 1978 e em 1979 é feita sua primeira edição, com o objetivo de garantir que as informações sobre o país, sobre o momento político-social, fossem registradas pela imprensa e que a imprensa tivesse garantia  de que esse registro seria divulgado pelos meios de comunicação, fossem eles tradicionais ou os movimentos alternativos que à época eram muitos.

Quem foi Vladimir Herzog e como foi feita a escolha em homenageá-lo?

Vladimir Herzog foi um jornalista brasileiro que tinha fama de ser um jornalista de multifunções e multitalentos. Ele gostava muito de cinema, fotografia, era muito culto e na época em que ele foi assassinado ele era o  diretor de Jornalismo da TV Cultura. Então, como era um homem importante, um homem famoso, não se esperava que a repressão fosse atingi-lo, e atingiu. E esse foi o motivo pelo qual o nome do Herzog foi escolhido para ser o homenageado, além de que, foi também um assassinato em função até do meio, de como ele atuava na sociedade. Os criadores do Prêmio entenderam assim, que esse era um nome para ser lembrado e ser marcado nesse momento de tanta dor e tristeza no país, que vivia repressão que foi tão forte naquela época

Sabemos que provavelmente acontecerão mudanças no processo de realização do Prêmio mas, em condições normais, como ocorre cada fase?

Bom, eu só consigo te explicar sobre como ele aconteceu nos últimos 10 anos,  que é período em que faço parte do projeto.

Desde então, a gente tem tido algumas mudanças na organização dele, porque um prêmio de jornalismo, para acontecer a premiação em si, ele tem todo um preparo inicial e são etapas bem distintas que se complementam e se juntam para desembocar na cerimônia. 

Tudo começa com um planejamento de datas, em seguida, pensamos sobre o período de publicação que as matérias jornalísticas devem se encaixar, geralmente são matérias publicadas no último ano. Logo depois, a gente faz a divulgação; recebemos as inscrições e depois a gente planeja quem é o júri que vai fazer a seleção desse material, até chegar aos finalistas. Essa seleção é muito criteriosa porque existem várias categorias, seis atualmente, então você precisa separar o júri e convidar pessoas que tenham de fato história de competência para poder fazer o julgamento disso.

Após a seleção do júri, que trabalha de forma sigilosa, quando chega a lista dos finalistas, esse material é entregue para a própria comissão organizadora, que é formada por 14 entidades da sociedade civil. Em uma sessão pública avaliam e referendam quem são esses jornalistas premiados, sempre procurando premiar um jornalista a partir da sua produção e uma menção honrosa de cada categoria. 

Dito isso, a gente parte para uma atividade, anterior à cerimônia do Prêmio, que é a Roda de Conversa com os vencedores e voltada para os alunos de Jornalismo. Entendemos que, uma vez que a gente vai premiar um produto, precisamos entender o processo pelo qual esse produto passou, quais foram as dificuldades dos jornalistas vencedores  e da equipe para realizar aquela matéria, de onde surgiu a  pauta, como foi realizá-la, o que mais descobriram a partir dela, se ficou algo faltando, se isso é algo inédito… Ou seja, essa história toda da reportagem é que é a alma do jornalismo. Na Roda de Conversa, você desvenda a questões que geraram aquele material. 

Depois disso, vamos para a cerimônia, a festa. Nela, os vencedores e as menções honrosas são reconhecidos pela sociedade, através da comissão organizadora. O trabalho desse jornalista e dessa equipe merecem um reconhecimento por dar  luz a assuntos que enaltecem a nossa democracia, os direitos humanos e a nossa profissão. 

Vale lembrar também que a peça que os jornalistas premiados recebem  é uma criação do artista plástico Elifas Andreato, que a concebeu lá atrás, em 1978. Ela é uma meia-lua com a silhueta do Vladimir, tem uma história bonita e, esteticamente, é muito linda também.


Troféu Vladimir Herzog. Foto:
 Fernanda Freixosa

 

Agora, sobre a situação atual do Prêmio, quais foram as mudanças necessárias para adaptá-lo ao remoto?

Eu acho que na verdade eu ainda não tenho todas as respostas. Foi muito difícil, em todos os sentidos, saber o que ia acontecer, ter clareza de um processo, de um fluxo das etapas. Tanto que começamos bem tarde este ano, porque não sabíamos direito. Nós não tínhamos respostas, aliás, nós nem sabíamos o que perguntar. A gente sabia que não podia fazer nada presencialmente, que tudo seria remoto, e grande parte das etapas do Prêmio já são remotas, já temos todo o sistema do júri sem precisar de um encontro presencial, as inscrições também, mas as discussões, as trocas de ideias, são todas presenciais, e isso a gente não vai poder fazer.

A nossa preocupação é como fazer a Roda de Conversa adaptada a esse sistema remoto e como fazer a própria cerimônia de premiação, porque as reuniões remotas estão ficando muito cansativas. Uma coisa é ficar 4 horas em um teatro grande, com pessoas, onde você pode levantar e comprar algo, interagir, rir, outra coisa é ficar na frente de uma tela. Então esse é um primeiro ponto: a gente precisa garantir que essas duas cerimônias (a premiação e a Roda de Conversa) sejam mais curtas, com no máximo, duas horas de duração.

A gente também está percebendo que é importante todo o trabalho de pré-produção. Vamos organizar as coisas de forma gravada para ter o máximo de garantia de que aquilo vai funcionar. A gente vive uma realidade no Brasil de muita diferença no acesso à internet, então para garantir que as pessoas que têm interesse consigam assistir, a gente precisa pensar num formato que seja generoso.

Neste momento já temos uma equipe que vai cuidar de toda a parte técnica, da gravação da cerimônia virtual que será pré-gravada e apenas projetada no dia 25. Já a Roda de conversa, nós ainda estamos pensando exatamente como vai ser, porque entre o dia que a gente divulgar o nome dos vencedores até o dia da Roda, vamos precisar fazer uma coleta de depoimentos, para ter material. Tudo ainda é um processo e estamos criando com a ajuda dos coordenadores, de  pessoas que já participaram do projeto e também com a ajuda de jovens estudantes ligados a várias faculdades de São Paulo e centros acadêmicos, então é esse o intelectual coletivo que a gente tem reunido para discutir as soluções. Não é um ou outro que vai dizer o que vai acontecer, mas é um trabalho conjunto que vai tentar criar um modelo que seja possível e que continue dando essa força e importância que o prêmio tem e já adquiriu na sociedade brasileira.

Hoje em dia o Prêmio possui seis categorias. Como ocorreu essa escolha?

Há uns quatro anos a gente ficou quase dois anos discutindo mudança de categoria, de que forma a gente podia fazer essa segmentação, para que ela correspondesse à realidade da produção jornalística, e aí a gente chegou a algumas conclusões, que são provisórias até o momento, que a gente decidir fazer uma outra segmentação. 

A categoria de Arte a gente percebe que vem mudando de formatos. Antes, a Arte estava muito mais ligada à charge, cartum, coisas que são publicadas na imprensa e que são formatos e gêneros bastante tradicionais e importantes para o jornalismo. Ultimamente, temos recebido histórias em quadrinhos, cartilhas com ilustrações e formatos muito interessantes. É uma categoria que a gente acredita que precisa permanecer e estar aberta aos novos formatos. 

A categoria de Fotografia não tem muito o que falar. É um formato histórico do jornalismo, não se fica sem esse trabalho maravilhoso dos repórteres fotográficos.

Sobre a categoria de texto, antes tínhamos as categorias do  Jornal, Revista e aí percebemos que isso não tinha mais sentido. Quando você começa a trazer as plataformas para o mundo da comunicação um material vai girando para outro, ele tem uma mudança de formato, mas a base continua sendo a notícia, a maneira como isso se apresenta para o mundo que muda. Então, achamos melhor que essas matérias fossem transformados no material original, no caso no texto, que se dissemina em qualquer plataforma, jornal, blog, revista.

E, depois, temos a parte de áudio, que antes era o rádio, mas que sempre se ressignifica. Esse ano, ele vem de alguma forma potencializado pelos podcasts. Então tudo que é gravação, entrevista em áudio, é abraçado pela categoria áudio. 

E a mais recente: a categoria Multimídia. Nela, abrangemos todo o material produzido exclusivamente para a internet. O que se procura entender é que o material foi efetivamente produzido para aquele tipo de leitura, para aquele tipo de plataforma, porque o que a gente também percebe é que não é porque está na internet que é um material produzido para a internet. Então precisa ser um material feito para esse formato multimídia. 

Tradicionalmente, o Prêmio tinha uma categoria que era o livro-reportagem. Nos últimos tempos, aconteceu uma coisa maravilhosa, uma avalanche de reportagens produzidas em livro e a gente reconhece que essa é uma falha do Prêmio, de não trazer de volta essa categoria, mas a gente tem pensado bastante e é muito difícil fazer uma avaliação de livro-reportagem por conta de júri mesmo, a gente não teria pernas para isso. Nós temos um plano de ter parceiros para essa categoria, e queremos sim retomar, é uma demanda da própria comissão e de vários jornalistas que já nos escreveram pedindo isso. Mas isso é algo que a gente só vai colocar em discussão na reunião de avaliação deste ano.

No período atual, com a alta produção de fake news, ataques à imprensa e o jornalismo sendo desvalorizado, como você caracteriza a importância do Prêmio?

Eu acho que o Prêmio é, primeiro, uma demonstração prática do que é o trabalho do jornalista profissional e, segundo, ele é um demonstração prática de que os veículos, sejam eles tradicionais, da grande imprensa, quanto de jornalismo comunitário, alternativo, periférico, tudo isso, todos têm espaço, nesse mundo da comunicação, para fazer denúncias sobre o que está acontecendo no mundo, no seu espaço geográfico e com as pessoas que ali residem. Eu acredito que o jornalismo, nesse Prêmio, ele mostra que tem capacidade de contar a história do mundo, tem capacidade de se adaptar com seus métodos de trabalho, que são específicos da profissão, ele tem capacidade de continuar relatando o mundo,  fiscalizando o poder e, principalmente, mostrando que, sem jornalismo e sem jornalistas que relatam e acompanhem a história do mundo e especificamente aqui no Brasil, neste momento que estamos vivendo, não é possível garantir a democracia. Não é à toa que a imprensa está sendo tão criticada, perseguida, desqualificada. Ela é o olho da sociedade, ela grita, ela fala, e é por isso que ela é tão contestada. O  Prêmio está aí para mostrar que é possível gritar, que tem muita gente gritando, tem muita gente falando e não é gritaria sem sentido, é uma gritaria com muito sentido, é uma gritaria que de fato conta a história, busca os fatos e relata de maneira mais profissional possível.