Sob as máscaras

por Rafael Sampaio

Foto: Ross Sneddon/Unsplash

Máscara branca. Limpa; sem nada. Ariel não gostava de nenhuma. Já que tinha que usar, que fossem coloridas! Vermelha, lilás, azul. Com imagens, desenhos…

De frente ao espelho. Ajeitou os cachos. Palidez: um pouco de blush. Rímel. Protetor labial. “Tudo ótimo!” Saindo, lembrou da máscara. Voltou ao quarto. Apanhou a branca máscara na cama. Banheiro. Espelho. Vestiu a máscara: “que merda!”

Com a máscara, as bocas sumiram. Agora, só temos os lábios conhecidos.

Não que não gostasse da sua boca. Ariel gostava. Mas falavam tanto dela. Boca robusta. Lábios espessos. Sangüíneos. “Queria ter uma boca dessa, você tem sorte”. Um sujeito, uma vez, travou-a nos braços de um jeito que não pode escapar, mesmo lutando. Prendeu seus lábios aos de Ariel com violência. Satisfeito; afrouxou os músculos. Ariel conseguiu escapar. Meio confusa, atordoada. Não entendia. Beijo roubado? Não! Agressão covarde mesmo. Começou a xingar enquanto esfregava os lábios na manga da blusa. De repente; parou. Percebeu que era inútil. Lábios sempre marcados. Ele ainda disse, justificando: “Sua boca tava pedindo”.

Certas vezes, preferia escondê-la. De cabeça baixa, sem cumprimentos, caminhava rápido por entre as mesas do escritório de telemarketing. “Mal educada”, diziam. Sentava na cadeira do seu cubículo. Colocava o fone. “Talvez se tivesse uma boca fina, rosácea, quase incolor. Invisível! Então olhariam nos meus olhos”.

Cansada de tudo, vingava-se. Altiva. Podia sentir o desejo. Cabeças sem corpo a seguindo, magnetizadas. Pescoços torcendo. Vez por outra mirava alguém. Qualquer um. Encarava até que desistissem. Satisfeita, deixava escapar um sorriso. A boca sedutora atraía; humilhava. 

Os lábios de Ariel estavam ocultos na máscara branca. Pensou no tempo perdido se arrumando. “Sem a boca, quem olharia pra mim ?” Tinha a boca perfeita: carnuda e vermelha. Só tinha a boca. A boca modelo. Destituída da boca, não era nada.

Com ou sem boca, precisava trabalhar. Acelerou o passo até o ponto de ônibus. Embarcou. Um banco vazio. Abriu um livro. Ônibus enchendo. A cara enterrada no livro.  Sentiu ser percebida. Ergueu lentamente a cabeça. Um encontro. Sorriram, no cruzamento dos olhares, pois souberam que existiam.