Sucateado, esporte universitário brasileiro deve buscar referências internacionais para se renovar

Diferenças entre o modelo de gestão brasileiro e de potências internacionais explicam situação precária

 

por Danilo Moliterno

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Em 2016, o Rio de Janeiro se tornaria a primeira cidade sul-americana a sediar uma Olimpíada. A expectativa sobre o desempenho da delegação canarinho deveria ser grande, afinal, um país de dimensões continentais que possui o esporte enraizado em sua essência, competindo dentro de casa, teria a obrigação de figurar nas primeiras colocações do quadro de medalhas. No entanto, a contemporânea brincadeira da expectativa versus realidade se fez presente: o Brasil não alcançou sequer o top 10.

A decepção verde e amarela de 2016 — que se repetira em praticamente todos os Jogos Olímpicos anteriores — é resultado de como o esporte é gerido no país. Mas não só o desporto profissional: as autoridades agravam a situação ao negligenciar outras esferas, por exemplo a universitária, a qual “não consideram relevante”, segundo Flávia da Cunha Bastos, professora da Eefe-USP e especialista em gestão esportiva.

“O esporte universitário não é gerido no país, nem pelas entidades governamentais nem pelas entidades não governamentais responsáveis. O que se realiza são eventos, muitos deles de forma descontinuada, sem representar o resultado de uma política de desenvolvimento do esporte, ou seja, não têm seu potencial desenvolvido, nem em termos esportivos, nem como um negócio, um serviço, um produto de qualidade e rentável”.

Ainda mais que o esporte de rendimento, o universitário segue escanteado pelas autoridades brasileiras. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Em busca de referências

Ao se diagnosticar um problema de gestão, no esporte ou em qualquer outra área, um dos passos rumo à solução é buscar modelos de sucesso. Mais uma vez o quadro de medalhas é ilustrativo: no topo, os Estados Unidos, exemplo positivo de administração esportiva profissional e, principalmente, universitária.
Um dos fatores que explicam o sucesso modelo estadunidense é — de acordo com Flávia — o fato de que, nos EUA, o esporte é tratado como um bem cultural/educacional: “As universidades têm nos seus campi estruturas para o seu desenvolvimento, assim como nas escolas, no nível fundamental e médio. No Brasil, a oferta dessas estruturas não é contemplada”.

A discrepância de tratamento, visível ao se analisar o desporto universitário, se expande para outras esferas da prática esportiva. Enquanto os EUA enxergam o esporte como, além de valor cultural, um ramo do business, “no Brasil, ele é tratado como uma atividade sem conexão nem com a formação educacional/profissional nem como negócio”, completa a especialista.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A introdução do esporte na vida acadêmica dos indivíduos começa mesmo antes da universidade nos EUA. Foto: Chris Moore/Unsplash

 

Se, por um lado, as autoridades estatais brasileiras parecem negligenciar o tema, por outro, instituições não governamentais, como ligas e federações, vêm movendo esforços para diminuir tal disparidade. É o caso da Lusp (Liga Esportiva Universitária Paulista), que busca implementar no Brasil um novo modelo de competição universitária, utilizando como modelo a gestão estadunidense.

“O aspecto que a gente quer trazer para o Brasil, partindo do que o esporte universitário americano aplica, é a valorização do esporte e também que o atletas se destaquem não só em quadra mas também na sala de aula. O atleta da faculdade tem que ser a imagem da faculdade, para que que possam motivar os alunos que estão entrando na faculdade a ter o esporte e se dedicar à faculdade”, comenta Carlos Vinicius Domingues Costa, sócio-fundador da Lusp, sobre o projeto.

Inicialmente a Lusp organizará campeonatos femininos e masculinos de futebol de campo. O modelo de gestão traz outras novidades como transmissões ao vivo dos jogos e bolsas de estudos para os atletas que se destacarem. Carlos acredita que, por meio da liga, “é possível mostrar para a sociedade que sim, o universitário pode fazer um produto bom, que tenha retorno para as empresas, gerar investimento, um produto sério, que leve esporte e educação em primeiro lugar”.

Mas, quem paga a conta?

O crescimento ou não do esporte universitário verde e amarelo irá depender, entre outros fatores, do investimento que será direcionado a ele. Atualmente, esse tipo de prática é financiada pelo setor público no Brasil, o que contrapõe os modelos de mais sucesso, subsidiados por organizações privadas sem fins lucrativos. Experiências internacionais sugerem que o segundo molde é mais eficiente para a arrecadação de recursos.
Na referência estadunidense, por exemplo, a utilização de recurso privado concede espaços para a promoção da empresa responsável, seus patrocinadores e instituições de ensino superior envolvidas. Flávia aponta que talvez não seja a melhor ideia o Estado brasileiro financiar o esporte universitário e o próprio esporte de rendimento:

“Temos exemplos de países que desenvolvem seu esporte através de entidades, institutos, organizações de diferentes segmentos, como o Reino Unido e a Austrália. Essas entidades desenvolvem programas que têm a participação de entidades governamentais em conjunto com privadas (com e sem fins lucrativos), centros de pesquisa de universidades. Em alguns deles, o esporte universitário é um dos meios para se desenvolver o esporte do país”.

– Flávia da Cunha Bastos

Mas a origem do financiamento não é o único fator a ser repensado, caso haja interesse em alavancar o esporte universitário no Brasil. As estruturas da Confederação Brasileira do Desporto Universitário devem ser revisadas e definidas. A ausência de definições — vigente no órgão — dificulta a realização de processos e a participação dos colaboradores. Em um momento de escassez de recursos, geri-los apropriadamente pode ser tão importante quanto obtê-los.