Atletas olímpicos protestam pelo retorno aos treinos na Raia Olímpica: “Trancados para fora de casa”

Com as Olímpiadas cada vez mais perto, remadores de São Paulo reivindicam a liberação do acesso à Raia e questionam feira internacional de barcos confirmada no mesmo local

 

por Pedro Henrique Sousa

Foto: Letícia Muziol/Arquivo Pessoal

 

Desde 24 de março, o acesso ao campus do Butantã da USP é restrito para quem não é vinculado com a Universidade. A medida adotada devido a pandemia de covid-19 afetou diretamente os atletas olímpicos do remo de São Paulo, que têm à Raia Olímpica da USP como único local adequado para seus treinamentos. Essa situação se agrava ainda mais perante a proximidade da definição de vagas da modalidade para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

Preocupados com a falta de um preparo adequado, a comunidade do remo de São Paulo organizou um protesto em frente ao portão principal do Campus no dia 10 de outubro reivindicando a abertura da Raia. “Foi uma iniciativa de atletas master que já viveram muitas histórias dentro do remo na USP e que estão vendo os jovens sendo prejudicados” conta a treinadora Letícia Muziol.  A manifestação não teve participação de nenhum clube, sendo unicamente realizada por atletas e comissões técnicas. “É um movimento de quem precisa da Raia para continuar praticando a modalidade que escolheu, e que não tem alternativa em São Paulo” complementa Ana Puccetti, remadora master e uma das organizadoras do protesto.

Um dos principais pontos levantados pelo grupo é de que a liberação dos treinamentos na Raia Olímpica não acarretaria em grande risco de contaminação, uma vez que os treinos seriam realizados em um local aberto e o remo é um esporte de pouco ou nenhum contato, o que facilitaria manter o distanciamento social. Além disso, a grande maioria dos clubes de outros estados já retomaram suas atividades em água seguindo o protocolo de segurança definido pela CBR (Confederação Brasileira de Remo) e a FISA (Federação Internacional de Sociedades de Remo). “Há inclusive campeonatos de caráter internacional ocorrendo ao redor do mundo, seguindo esse protocolo sugerido pela FISA” relembra Ana Puccetti.

Imagem de arquivo de remador treinando na Raia Olímpica. Foto: Marcos Santos/Imagens USP

 

A USP alega que a restrição de acesso a Raia estende-se a outras atividades da Universidade como as aulas, obedecendo o chamado Plano USP — protocolo de retomada gradual das atividades presenciais no Campus —, que é dividido nas fases A,B,C,D e E, sendo a primeira a mais restritiva e a última o retorno do normal. Em contato com a reportagem, a USP afirma que a Cidade Universitária está, neste momento, na Fase B, e com expectativas de entrar na Fase C no dia 23 de outubro. Ambas fases prevêem a manutenção da proibição dos treinamentos na Raia Olímpica.

Ao mesmo tempo, o evento internacional São Paulo Boat Show está marcado para acontecer na mesma Raia Olímpica entre os dias 19 e 24 de novembro. Anunciada pelo governo de São Paulo e pela USP, a feira de barcos, lanchas e iates terá uma potencial presença de 30 mil pessoas, que serão recebidas na Raia com tendas e uma praça de alimentação, conforme é apresentado no vídeo de divulgação do Grupo Naútica, organizador do evento.

A realização dessa feira foi um dos motivos que “inflamaram” a comunidade do remo paulista a fazer o protesto em frente ao P1, como conta Gabriel Campos, remador do Corinthians: “Um evento desse porte pode acarretar em riscos de contaminação da covid muito maiores do que a nossa prática diária. Acabou sendo fundamental para que mobilizarmos.” Ana Puccetti segue a mesma linha e questiona a USP sobre a exposição: “Se nós estamos impedidos de entrar na Raia por causa da covid e uma possível contaminação das pessoas, como que se explica que a mesma Raia vai ser aberta para um evento de 30 mil visitantes?”. Perguntada pelo Jornal do Campus, a USP se reservou a dizer que “o evento já conta com a autorização do governo estadual. Sua realização, no entanto, deverá atender às recomendações do planejamento da Universidade.”

Em meio aos vários questionamentos da comunidade do remo para a USP, surge outro: a situação da Raia Olímpica. A condição da Raia seria preocupante com claros sinais de falta de manutenção adequada nos últimos meses, o que além de ser uma questão de cuidado com o Campus, também seria um potencial problema na volta das práticas de remo dos atletas.

Raia da USP em condições abaixo do ideal. Foto: Ana Puccetti/Arquivo Pessoal

 

Sem treino e com Tóquio à vista

Atualmente cinco clubes de São Paulo mantém ativo seu departamento de remo, são eles: Bandeirantes, Corinthians, Clube Paulistano, Paineiras e Pinheiros. Todos estes dependem da Raia Olímpica para manter a modalidade ativa, uma vez que o local é o único no estado construído para o esporte, comportando uma estrutura, tanto física como natural, única em São Paulo. Sendo assim, todo campeonato, treinamento ou qualquer exibição profissional de remo que aconteça em São Paulo, é realizada na Raia. 

A impossibilidade de treinar na água, forçou que os remadores fizessem por cinco meses um exercício simulador que usava o chamado rego ergômetro para emular os movimentos de remada. Tal equipamento funciona bem para manter um condicionamento físico dos atletas mais perto do ideal. No entanto, deixa a desejar quanto a preparação técnica, como diz Ana Puccetti: “Existem características impossíveis de simular, por exemplo, a situação de ter um vento a favor ou contra. Além da técnica da remada que é aprimorada e trabalhada cada vez que se coloca o barco na água”. 

Outros locais como as represas Billings e Guarapiranga até atendem as exigências naturais, mas não tem uma estrutura construída para a prática do remo, como por exemplo, uma garagem para os barcos. Mesmo assim, Gabriel Campos e outros remadores fazem um treino improvisado na Guarapiranga desde setembro. Para isso, é necessária uma carreta para levar o barco — ambos disponibilizados pelo Corinthians —. O contato com a água depois de meses foi importante para os atletas, mas por conta da distância até a Guarapiranga e certas condições da represa, o treino é longe do ideal. “Normalmente chegamos a fazer três treinos na água em um único dia. Na Guarapiranga conseguimos treinar apenas umas vez ao dia na água e o restante fazemos na bicicleta.”

A condição dos remadores paulistas fica ainda mais preocupante em face da iminência da definição das vagas para as Olímpiadas. Com o adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio para 2021, a vaga para o pré-olímpico conquistado por Gabriel Campos e seu companheiro de barco, Willian Giaretton, foi anulada. A dupla terá que passar por uma nova seletiva nacional em novembro, para recuperar o direito de disputar a qualificatória final em 2021, na Suíça.

Gabriel Campos posa para foto com a camisa da CBR. Foto: Vitor Silva/CBR

 

Essa proximidade com a regata nacional que define as vagas para Suíça preocupa Gabriel e outros remadores paulistas, visto que apenas o remo de São Paulo está com seu local de treinamento interditado, o que causa uma defasagem em relação às equipes de remo de outros estados. Ana Puccetti lembra de como um descompasso de movimento pode custar caro: “a remada é uma técnica muito apurada e movimentos mínimos de um remador podem ser decisivos para perder segundos que custam uma vaga olímpica.” Gabriel complementa: “a Raia continuando fechada, provavelmente vamos ter que pensar em algum lugar que nos possibilite treinar mais vezes na água.”