Reunimos dicas, tutoriais e exemplos práticos para te ajudar a criar conteúdo digital acessível e inclusivo!
Por Giovanna Farnezi
Arte: Freepik
“A pluralidade é a lei da terra”.
– Hannah Arendt
Vivemos tempos de empoderamento, em que conquistamos voz e espaço para denunciar preconceitos, confrontar as definições de belo, e os estereótipos construídos pelas hegemônicas elites dominantes. Um dos palanques desse advento do século XXI é a internet, e seus grandes protagonistas: os conteúdos digitais.
“Diversidade é chamar pra festa. Inclusão é chamar pra dançar”.
– Anônimo
A palavra ‘diversidade’ está cada vez mais presente no ambiente social, acadêmico, empresarial e digital, mas acessibilidade e inclusão ainda são aplicações escassas.
Existem diferentes formas de acessibilidade (arquitetônica, atitudinal, metodológica, instrumental, programática, etc.), uma delas é a comunicacional, que por meio de serviços específicos (como, por exemplo: legendas, audiodescrição, dublagem, impressão em braile e intérprete de libras) pretende garantir o acesso aos conteúdos para todas as pessoas.
Dentro de comunicação também precisamos olhar para a inclusão, que mais nos diz sobre a forma de fazer. Uma comunicação é inclusiva quando: possibilita que todas as pessoas possam acessá-la e consumí-la; usa linguagem de amplo entendimento (não excluindo pessoas com baixa escolaridade, ou que não tenham conhecimento de outros idiomas); usa as terminologias corretamente; não reproduz estereótipos, mas traz representatividade; respeita, valoriza e dá voz à pluralidade da população.
Para construir comunicações inclusivas no meio digital, precisamos nos atentar em três aspectos importantes do conteúdo: canal, mensagem e design.
- Canal: para garantir que todas as pessoas consigam acessar e consumir o conteúdo.
- Mensagem: para garantir que todas as pessoas compreendam o conteúdo, e que a linguagem seja representativa.
- Design: para garantir que o conteúdo carregue representatividade, e que o público alvo se identifique.
Tá, mas como eu faço isso?
01. Ao escolher o canal de publicação:
Garanta que os sites, aplicativos de comunicação e redes sociais que você usa, tenham opções de acessibilidade para pessoas com deficiência visual e auditiva, e use elas! Confira algumas dicas e tutoriais:
Habilite a legenda nos seus vídeos! O YouTube tem uma opção de legenda automática, basta você sinalizar em qual idioma está o seu vídeo ao postá-lo, que ela será gerada quando o usuário a habilitar.
Rota para habilitar opção de legenda em seus vídeos: Perfil > Seu canal > Gerenciar vídeos > clique no lápis (botão Detalhes do vídeo escolhido) > Mostrar mais > Idioma, legendas e closed captions (CC) > clique em “Idioma do vídeo” e selecione o idioma > finalize clicando em “Salvar”.
Algumas vezes a legenda pode não sair perfeita no modo automático, se a sua ficar com algum erro, e vá em Perfil > Seu canal > Gerenciar vídeos > Menu esquerdo > “legendas” > “Duplicar e Editar”.
Use a descrição de imagem para leitores de tela as identificarem. O Texto Alternativo ou “texto alt”, “alt tags” e “descrições alt” como também é chamado, serve para descrever imagens para pessoas com deficiência visual que usam leitores de tela. O uso dessa opção em portais de notícias, todos os tipos de sites, e e-mails marketing é essencial á para que as imagens sejam reconhecidas por esses programas e descritas aos usuários.
Veja como ativar o Texto Alt no WordPress! Passo a passo e teste com o leitor de tela NVDA:
Sabia que o Instagram também tem opção de Texto Alt?! Para tornar essa sua rede social mais inclusiva: vá em uma imagem sua já publicada > opções (três pontinho do canto superior direito) > Editar > “Editar texto alternativo”.
E quando não houver a opção de Texto Alt? Infelizmente não são todas as plataformas que disponibilizam o Texto Alt, para sites e e-mails a opção é improvisar escrevendo a descrição da imagem antes dela: use fonte tamanho 01 (ou a menor possível), na mesma cor que o background (plano de fundo). Para as redes sociais funciona descrever a imagem no corpo da publicação, tem se popularizado também o uso da hashtag #ParaTodosVerem, antes do trecho de descrição.
02. Ao escrever a mensagem:
“Não se esqueça de que o pensamento se modela graças à palavra, e que só existe o que tem nome”.
– Maria Angeles Calero
Comunicação é a arte de se fazer entender, logo, um bom comunicador não é aquele que fala mais bonito, mas é aquele que faz sua plateia compreender a mensagem de forma mais clara. Por isso, durante a produção de conteúdo devemos conhecer o público com quem estamos falando, e adaptar a linguem para ele, fazendo escolhas que facilitem o entendimento: será que devo usar termos técnicos? Posso aplicar estrangeirismos? Posso usar siglas em detrimento de terminologias longas?
A forma com que nos comunicamos reflete o mundo em que vivemos, e com uma dose de empatia pode refletir o mundo em que queremos viver. Por isso, é importante ter atenção à linguagem para não reproduzir discursos hegemônicos e preconceituosos, que não reflitam a sociedade plural para quem queremos dar voz.
“A linguagem é o repositório de nossos preconceitos, de nossas crenças, de nossos pressupostos. Mas, para lhe ensinar isso, você precisará questionar a sua própria linguagem”.
– Chimamanda Ngozi Adichie
A norma culta da língua portuguesa instituí o plural masculino como padrão. Por exemplo, quando uma professora em uma sala com 30 mulheres e 1 homem for se referir à turma, poderá usar apenas “alunos”. A norma culta traz esse padrão por uma tradição, um costume que deu forma a língua e perpetuou um viés patriarcal, por vezes, inconsciente no senso coletivo. Mas, a língua é viva! Ela se atualiza e se transforma com o tempo e a cultura, por isso podemos, e devemos, adequar a nossa fala e escrita se o que queremos fortalecer é a equidade de gêneros na nossa sociedade.
Aderindo à linguagem inclusiva sem fugir da norma culta
- Uso de substantivos neutros (abstratos, coletivos, genéricos, etc.):
- Uso do “quem”:
- Mudança na estrutura gramatical (passivo, imperativo, infinitivo):
- Uso de verbo ou substantivo:
- Omissão do artigo:
- Uso de “pessoas que”:
Fonte: Guia de Comunicação Inclusiva Itaú Unibanco – Setor de Diversidade. Artes: Giovanna Farnezi
Linguagem neutra
A diversidade da identidade de gênero extrapola o auto reconhecimento como sujeito homem ou mulher, existem também aqueles que se identificam com ambos os gêneros, ou, com nenhum deles. Para incluir essas pessoas não binárias na comunicação, surgiu como alternativa, aplicada principalmente nas redes sociais, o uso de neologismos (que é o emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes, na mesma língua ou não) chamados de pronomes neutros. Para aplicar o artigo neutro, substituímos a vogal da última sílaba (que traz o gênero) por uma vogal neutra: “E” ou “U”.
Por exemplo:
Lembra da hashtag #ParaTodosVerem? Existe uma versão ainda melhor: #ParaTodesVerem!
Você já deve ter visto por aí a aplicação do “@” ou do “X”, tenha cuidado! Essas opções não são inclusivas, isso porque são impronunciáveis, portanto não serão reconhecidas por leitores de tela. Além de não poderem ser incorporadas na fala, logo, não promovem transformações reais.
Já as soluções “todos e todas” ou “todos(as)” são bem-vindas apenas para incluir o gênero feminino, mais permanecem excluindo pessoas não binárias.
03. Ao criar, trabalhe o design inclusivo:
Apesar de ter sido uma criança que preferia carrinhos, eu tive algumas bonecas, e todas elas eram brancas e loiras com cabelos lisos.
Lembro de uma vez que fiz um desenho para a minha mãe, daqueles clássicos: era ela bem bonita com seus brincos de argola característicos, segurando uma bolsa bem grande (como uma que ela tinha), enquanto sorria na frente de um arco-íris. Nunca me esqueci do nosso diálogo quando a presenteei com o desenho:
Minha mãe me perguntou: “Quem é essa, filha?” respondi: “É você, mãe!” e, então, ela me perguntou por que eu a desenhei branca e loira, sendo que ela é preta e tem os cabelos cacheados. Eu respondi que foi porque aquela era a cor do lápis “cor de pele”.
Naquele momento ela me ensinou que não existe essa coisa de um “lápis cor de pele”, e que eu podia desenhar ela com os lápis marrom e bege, usar o preto para os cabelos e fazer molinhas para desenhar os cachinhos. Depois daquele dia fiz muitos outros desenhos, retratando a minha mãe da forma mais fiel possível, dadas as minhas habilidades artísticas, ressaltando os traços da sua identidade e origem.
Naquela época eu se quer tinha consciência sobre racismo e preconceitos, mas por viver numa sociedade racista, em que todas as minhas referências seguiam um padrão, isso transpareceu de uma forma inconsciente e resultou naquele desenho. O ponto é que todos nós estamos sujeitos a cair em preconceitos, do mais jovem ao mais velho, pois nascemos e crescemos em uma sociedade historicamente preconceituosa, dá qual herdamos vieses inconscientes.
Vemos que cada vez mais pessoas têm se dado conta da falta de diversidade nas artes e representações do mundo pelas telas, esse advento têm impactado diretamente a forma com que são criados conteúdos digitais.
Temos uma coleção de casos que repercutiram na mídia sobre iniciativas que deram super errado, exatamente por conta da escolha que fizeram nesse âmbito: como a novela da Rede Globo “Segundo Sol”, que apresentou uma Bahia de pessoas brancas; ou a campanha “Somos Todos Paraolímpicos” feita para as Paraolimpíadas de 2016, que na tentativa de dar visibilidade aos atletas paraolímpicos Bruna Alexandre e Cláudio Leite, acabou por escondê-los ao trazer a atriz Cléo Pires e o ator Paulinho Vilhena para representá-los com fotos alteradas no Photoshop. A atriz e o ator ainda foram nomeados embaixadores das Paraolimpíadas de 2016.
Veja mais sobre as críticas citadas:
É fundamental que seu público alvo se veja em sua comunicação, se identifique, e isso se dá quando trazemos representatividade para o design e imagens das nossas comunicações. Quando olhar para o seu conteúdo, se pergunte:
- As imagens que estou usando reproduzem ou rompem esteriótipos?
- As imagens que estou usando representam a pluralidade da população?
Esse exercício é válido também para os conteúdos que você consome. Lembre-se que, mesmo de forma inconsciente, essas referências te influenciam.
Povo do Brasil
Artes: Giovanna Farnezi
Obrigada por nos acompanhar até aqui!
Estas foram algumas dicas simples e práticas que podem aproximar e engajar seu público, e para além, fomentar a inclusão e acessibilidade na nossa forma de nos comunicarmos. No mais, enquanto pessoas e comunicadores é essencial nos envolvermos ativamente em pautas de diversidade, no intuito de estarmos em permanente processo de aprendizado sobre o outro, exercitando constantemente a empatia e o respeito.
Notas de gratidão:
Nossos agradecimentos ao professor e pesquisador, Marco Bonito! Que cedeu seu tempo para dar uma aula elucidante sobre inclusão e diversidade na produção de conteúdo para a minha turma (estudantes de Jornalismo ECA-USP). Aula essa, que inspirou a criação deste artigo! O Professor Marco leciona sobre Jornalismo, Publicidade e Propaganda na UNIPAMPA, onde também atua no mestrado sobre Comunicação e Industria Criativa, além de dirigir o Grupo de Pesquisa “T3xto”, que estuda mídia e diversidade.
Nosso muito obrigada vai também para a equipe da área de Diversidade do Itaú Unibanco, que me alcançou com a mensagem e conteúdos produzidos para campanhas internas sobre diversidade e inclusão e, nos 2 últimos anos, me ensinaram boa parte do que os ensinei aqui!
Tem alguma dica sobre comunicação inclusiva para compartilhar? Escreva nos comentários!