Expectativa x realidade

Como alunos e professores lidaram com as bancas de avaliação a distância

 

por Júlia Carvalho

Arte: Júlia Carvalho/Fotomontagem com imagem Unsplash

 

Os TCCs são considerados um marco importante no fim de um curso superior. É a oportunidade de escolher um tema de interesse do estudante para utilizar muitos dos conhecimentos aprendidos durante a faculdade. É o fechamento de um ciclo. Na pandemia, os trabalhos de conclusão de curso, assim como outras inúmeras atividades acadêmicas, tiveram que respeitar o isolamento social e passaram a ser a distância.

Thiago Mio Salla, professor do curso de Editoração na ECA, orienta alunos de graduação e pós-graduação – além de participar de bancas avaliadoras – e entende que o impacto da pandemia atingiu desde a elaboração dos trabalhos até a avaliação.

 “A gente tem que pensar no TCC como um processo. Uma coisa é a gente analisar na banca, digamos assim, a última etapa do processo, na qual o aluno apresenta o trabalho, que já foi previamente lido pelos membros da banca que vão fazer a arguição; essa é a última etapa, mas tem todo um processo preliminar que vai desde a identificação do tema, a conversa com o orientador e, por sua vez, o desenvolvimento do tema, que pressupõe reuniões, encontros para que esse trabalho seja cada vez mais aperfeiçoado, afinado e tenha um rumo, uma orientação”, explica.

Ao analisar o início e o desenrolar do trabalho, Thiago destaca uma das principais dificuldades que observou ao acompanhar alguns de seus alunos: “Um dos maiores desafios foi o acesso a informações, fontes, obras, referências, já que todas as bibliotecas e acervos públicos estão fechados. Eu tenho uma quantidade considerável de alunos que trabalham com fontes primárias como a gente diz, ou seja, o aluno tem que ir até esses locais e fazer um levantamento de documentação, então tudo isso está parado”.

Para o professor, além do impacto sentido pelo aluno, a avaliação também sofreu alterações. “Essa dificuldade de acesso que eu mencionei acaba influenciando o trabalho que está sendo realizado, o que também por sua vez repercute na avaliação. Os avaliadores partem do pressuposto que estamos num ano excepcional, num ano de muitas dificuldades. A gente percebe que alguns alunos, talvez, se tivessem em condições normais poderiam ter desenvolvido os trabalhos de modo mais aprofundado, mas, em função da pandemia, há uma ressalva. Lógico que o rigor da banca e da avaliação se mantém, mas a gente tem que levar em conta o contexto da produção, tudo isso faz parte e entra em cena no processo”, afirma. 

Gabriela Mendizabal foi um exemplo dos muitos estudantes que passaram por essa experiência de finalizar e apresentar o TCC a distância. Para ela, apesar da apreciação remota, o feedback e rigor da avaliação foram os mesmos. Ex-aluna de Editoração, Gabriela dedicou sua pesquisa final ao estudo de uma fanfiction da obra Os Miseráveis, romance do escritor francês Victor Hugo. Para a elaboração do trabalho, a aluna passou cerca de um ano estudando a história e trajetória das narrativas fanfiction, além da obra que seria analisada e, por fim, a fanfiction do livro francês.

Para a estudante, o estresse e a obrigação de ter que lidar a todo momento com a tecnologia foram duas grandes dificuldades na reta final do trabalho. “Para mim, quando era presencial, era muito mais fácil o contato com meu orientador. Quando isso foi transportado para o online, e para o meio de uma pandemia, você tem que filtrar um pouco o que você quer falar e o que você quer perguntar. Tudo fica mais formal, tem que mandar email ou marcar reunião pelo Google Meet”, comenta.

Gabriela ressalta, ainda, o sentimento de insegurança e certo distanciamento, agravados pela pandemia: “Eu senti que tinha que priorizar falar em momentos de emergência e, mesmo assim, eu falava com meu orientador muito frequentemente. Eu não sou uma pessoa de tecnologia, acho que nada substitui ali o olho no olho. Tive que passar a estabelecer uma lista de prioridade das coisas que eu realmente precisava falar – e o que era só insegurança minha e eu podia resolver sozinha”.

Gabriela na apresentação de seu TCC de forma online. Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Mendizabal

 

Thiago também relata que notou certa perda por conta da ausência dos encontros presenciais. “As reuniões presenciais são sempre mais enriquecedoras, a gente senta junto, discute o texto ali, lado a lado, tem a possibilidade de usar também o acervo bibliográfico que tenho na minha sala para que a gente mobilize e troque mais informações”, reforça. Em situações normais, ele costuma reservar um dia na semana para marcar reuniões presenciais com os alunos que orienta, para que conversem sobre o andamento do trabalho – algo que foi substituído por encontros virtuais durante a quarentena. 

Apesar dos prejuízos relatados pela falta de contato pessoalmente, o professor entende que a pandemia e as tecnologias que passaram a ser usadas para que se contornasse o problema do distanciamento foram positivas, de certa maneira: “No que diz respeito à interação, à troca, à orientação, eu não senti grande perda nesse sentido. Muitas vezes, alguns alunos que estão pensando no TCC também estão envolvidos com outras questões, sejam elas profissionais, de estágio e, por isso, é difícil eles irem presencialmente até a ECA. Então, com os encontros remotos via plataformas, em alguns casos, teve até um maior contato, apesar de se tratar de uma proximidade virtual”.  

Outro ponto que ele ressalta é a possibilidade de participação de docentes de outros lugares do Brasil nas bancas avaliadoras. “A presença de professores de diferentes lugares do país com certeza foi facilitada com as bancas remotas. Presencialmente tem uma questão de conseguir ter uma agenda daquele professor, dele estar disponível para se deslocar do local em que ele se encontra para vir até São Paulo, pensando especificamente na USP, para participar de uma banca. Ao mesmo tempo, tem o fator do custo relativo a esse deslocamento, da estadia, isso é uma forma de você cortar gastos”, explica.

Thiago acredita, ainda, que essa presença é algo que pode continuar, mesmo nas avaliações posteriores à pandemia: “Eu vejo isso como uma forma dos programas de pós-graduação economizarem e, ao mesmo tempo, contarem com participações externas. Acho que isso é algo que a gente viu com mais frequência na pandemia e que veio para ficar, porque, de alguma maneira, é mais econômico e mais fácil para o docente que não precisa se deslocar”.

Apesar de não ter contado com participação de professores de outros estados na avaliação de seu trabalho, Gabriela acredita que “é interessante pensar que você pode escolher para participar do seu TCC uma pessoa de Pernambuco, por exemplo, e ser a mesma coisa já que você vai estar no computador. É bem legal ter todo esse leque de pessoas para você poder escolher, não só pessoas da USP e de São Paulo”. No dia da apresentação de seu TCC, a estudante teve, porém, a presença de alguns de seus familiares e amigos, como ocorreria presencialmente.

“Mandei o link da chamada para eles no dia, mas não chamei muitas pessoas, para não ficar muito pesado, eu tinha medo de dar algum problema. Chamei meus pais e meu irmão e mais três amigos. Minha avó, por exemplo, não viu por conta da tecnologia, se fosse na USP ela teria ido. É decepcionante. Se você pensar que você trabalhou durante um ano, escreveu 140 páginas de um negócio que você ama e você chega lá e o seu grande dia é sentar na cadeira da cozinha ou da sala e falar para um computador e depois sair e fim, é decepcionante”, lamenta Gabriela.

Thiago expõe que essa sensação de perda relacionada à participação da família e amigos aconteceu também em outras bancas das quais ele participou. “Obviamente o aluno vai conseguir o título e vai se abrir para outras possibilidades, mas essa questão da presença dos amigos e dos familiares em que eles se fazem presentes como espectadores da defesa, é outra dinâmica. O que a gente acaba fazendo no rito de defesa é que os convidados têm que ficar com os microfones mutados até o momento da deliberação da banca, em que todos são convidados a se retirar, assim como numa defesa presencial. Tão logo a banca chega a um resultado e dá um parecer, o orientador manda uma mensagem para que o orientando volte para a sala e chame novamente os seus convidados para que aí seja proferido o resultado”, esclarece.

Ainda que a distância e a tecnologia tenham sido ressaltadas por ambos como problemas, tanto professor quanto aluna entram em acordo quando destacam a maior perda que se teve com as bancas de TCC a distância: a decepção no fim de um ciclo. “Acho que uma perda bem grande se dá quando a gente pensa no caso do TCC em específico, porque ele tem um caráter de fechamento de um ciclo. Presencialmente, era sempre uma ocasião muito festiva, em certa medida. Tem todo aquele nervosismo da defesa, mas, depois disso, havia uma confraternização. Essa marca do aluno estar passando para uma outra etapa, de estar finalizando um ciclo e começando outro, acho que a ferramenta empobrece isso”, coloca Thiago.

“É um pouco decepcionante nesse sentido, ser um dia de um marco, o fim de um ciclo, e você estar na sua casa como você esteve em todos os dias anteriores. É decepcionante você não ter a colação de grau, o diploma. Mas, ao mesmo tempo, fico feliz que eles tenham decidido optar pelo caminho tecnológico ao invés de esperar as coisas melhorarem e poder retomar presencialmente. Tinha muito receio que eles fossem adiar as apresentações. Foi decepcionante, mas ao mesmo tempo foi um alívio poder apresentar e seguir em frente. Fiquei absolutamente louca com o TCC em casa, porque a ansiedade fica a mil, tudo fica mais intenso do que realmente é na quarentena”, finaliza Gabriela.