Menos mitificação

 

Por Rodrigo Ratier

Entre as definições à palavra “mitificação” oferecidas pelo dicionário Houaiss, fico com a seguinte: “atribuir, de maneira exaustiva, atributos atraentes exagerados a coisa ou pessoa, de modo a mascarar a realidade”. Sabemos a que lugares certos “mitos” podem nos levar. Raramente são belos. Faz bom serviço o jornalismo quando busca um retrato o mais completo possível da realidade por meio de seus observáveis. A mitificação, por outro lado, está entre os aspectos a serem evitados pela profissão, inclusive quanto à sua autoimagem.

É conhecida a projeção de heroísmo da profissão: um grupo de idealistas enfrenta formidáveis obstáculos para trazer a verdade à sociedade. Há ecos claros dessa visão nos dois editoriais do período (edições 511 e 512). “Entre pandemias e barrancos, o JC sobrevive” traz certo vitimismo já no título, sem explicar por que a equipe está 30% menor. “Mais que informar, pretendemos não desinformar” nos fala de um retorno “contra tudo e contra todos”. Nomeiem-se o tudo e os todos. Caso contrário, menos: entendem-se as dificuldades, mas essas são democráticas sobretudo em tempos de pandemia. 

A crise causada pelo novo coronavírus foi tema ou pano de fundo de diversas reportagens da edição. Há acertos quando o recorte das pautas recai nas decorrências sobre a comunidade uspiana e sua rotina. As três reportagens do Especial Ensino Remoto mostram as pandemias dentro da pandemia na adequada opção de aprofundar as trajetórias de quatro grandes unidades da USP. O detalhamento nos traz aspectos singulares que escapam à grande mídia.  “HC investiga casos de reinfecção pelo coronavírus” conjuga informação relevante com bem-vinda tentativa de humanização ao entrevistar um dos pacientes. A reportagem “Flexibilidade de horários e ausência de deslocamentos facilitam a inclusão de disciplinas optativas na grade” traz recorte de inusitado efeito benéfico da interrupção das aulas presenciais. O bom número de entrevistados, entre alunos e professores, é essencial para a compreensão da questão. A edição poderia ter buscado um texto mais conciso, enxugando aspectos laterais como a explicação sobre a quarentena e os dados sobre deslocamento. 

Menos bem-sucedida é a reportagem “Plano USP prevê retomada gradual de atividades presenciais”. Com poucas fontes, nenhuma ligada à administração central, o texto parece excessivamente preso à apresentação virtual do Plano USP. É possível repensar a edição: uma notícia de verdade está apenas no sétimo parágrafo: “A USP planeja, a partir de janeiro do próximo ano, conseguir a reposição de aulas de disciplinas de graduação impossibilitadas pelo ensino à distância, que será mantido até o fim de 2020”. A informação atual e de interesse é mais evidente em “O esporte universitário pode voltar?”

 

Curtas

  • A reportagem “As ameaças do PL 529/20 à autonomia das universidades” mereceria atualização na edição online para contemplar a exclusão das três universidades estaduais do PL, ocorrida após a publicação original do texto.
  • Em “Inscrições para a Lei Aldir Blanc acontecem em todo o país”, o título já poderia trazer o enfoque na comunidade USP, audiência preferencial do JC.
  • Em “Fotografando Janelas”, sobre fotografia, faltam… fotos.
  • As imagens, aliás, inspiram maior cuidado. Compreende-se a dificuldade de ilustrar as reportagens com fotos significativas em situação de isolamento social. Mas algumas das escolhas, oriundas de banco de imagem, guardam pouca ou nenhuma relação com o assunto das reportagens. Felipe Melo, por exemplo, não é atleta universitário.