Pioneirismo em vacinas e escândalos: quem é a Sinovac?

Pivô de polêmica no Brasil, a farmacêutica chinesa tem um passado reconhecido com vacinas, mas também com corrupção

 

por Pedro Henrique de Sousa

Arte: Rafael Sampaio/Fotos: Divulgação/Sinovac 

 

No começo desse mês, a gigante farmacêutica chinesa Sinovac, novamente, ficou no meio da guerra pública entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Dória. No dia 9 de novembro, a Anvisa ordenou a suspensão dos testes da vacina da Sinovac contra a covid-19 devido a morte um dos voluntários. Essa medida foi revogada depois da revelação de que o indivíduo havia se suicidado. Bolsonaro comemorou publicamente a decisão da Anvisa, considerando uma vitória política contra Dória, que aposta na chamada CoronaVac. O governo de São Paulo já anunciou a compra de milhões de doses da vacina da Sinovac.

Alvo constante de críticas e desconfiança do presidente e de seus seguidores, a Sinovac, com sede em Pequim, foi criada há 27 anos na China, e desde então, esteve envolvida na criação, produção e comercialização de diversas vacinas contra as mais variadas doenças infecciosas, incluindo a Hepatite A e B, gripe aviária, caxumba e H1N1. Dessa forma, se tornou uma das empresas de maior prestígio no ramo farmacêutico. “A Sinovac tem um longo histórico de produção e distribuição de vacinas comprovadamente eficientes, e que foram utilizadas ao redor do mundo, inclusive no Brasil.” disse Ricardo Palacios, pesquisador do Instituto Butantan, em entrevista ao portal R7.    

No meio de um tiroteio

Em abril de 2020, o governo de São Paulo, por meio do Instituto Butantan, anunciou uma parceria com a Sinovac para testar a CoronaVac em voluntários, e caso a vacina contra o coronavírus seja aprovada, utilizar em larga escala na população. A projeção do governo estadual é de que Instituto Butantan receba 6 milhões de doses prontas até o final do ano, além de material para produzir mais 40 milhões.

Governador João Dória apresenta CoronaVac em coletiva de imprensa. Foto: Governo do Estado de São Paulo

 

No entanto, o acordo firmado entre o Estado de São Paulo e o laboratório chinês ainda no início da pandemia não agradou parte da população, em especial grupos ligados ao bolsonarismo. A origem das reclamações vão desde motivos políticos e conspiratórios, devido a China ser ‘comunista’, até a simples xenofobia com chineses, que se agrava pelo fato da covid-19 provavelmente ser originária da China. Esse movimento contrário a CoronaVac de grupos ligados à extrema direita, motivou que o presidente Jair Bolsonaro também adotasse um discurso crítico a vacina, aumentando a tensão com o governador João Dória.

O governador de São Paulo se tornou um dos principais alvos de bolsonaristas desde o começo da pandemia, devido a seus diversos posicionamentos e enfrentamentos com o presidente. Em outubro, ao afirmar que a vacina da Sinovac seria de aplicação obrigatória em São Paulo, causou revolta desses grupos, que dizem se recusar a aplicar a vacina do laboratório chinês. Bolsonaro logo tratou de responder o governador afirmando que “a vacina não será obrigatória e ponto final”. Dias depois, o secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn afirmou que a vacina chinesa será opcional.

Segundo Dimas Covas, diretor-geral do Instituto Butantan, a escolha pela Sinovac se deve ao método tecnológico que é o mesmo utilizado pelo Butantan. Além disso, os chineses têm uma experiência anterior com o coronavírus, devido ao surto de SARS-CoV no começo do século. “As vacinas que estão saindo mais à frente estão fundamentadas basicamente em tecnologias de outras vacinas para outros coronavírus. Por exemplo, a Sinovac chegou a fazer ensaios clínicos em humanos em 2004, para o SARS-CoV-1. Então, eles já conheciam essa tecnologia há 16 anos” explicou Ricardo Palacios ao portal R7.

Em entrevista concedida à Band News em setembro, o presidente da Sinovac, Yin Weidong, afirmou que a principal motivação para o Brasil ser escolhido para testagem de suas vacinas foi devido ao alto número de casos que o país apresentou durante boa parte da pandemia. Mas a queda no número de infecções entre setembro e outubro obrigou que o Instituto Butantan ampliasse a meta de voluntários para testar a CoronaVac de 9 mil para 13 mil.   

No dia 13 de novembro, a Anvisa enviou uma missão de inspeção à China para averiguar as condições de produção da CoronaVac nas fábricas da Sinovac em Pequim. As instalações devem ser analisadas pela missão brasileira somente no final do mês conforme o comunicado da Anvisa: “As visitas às fábricas ocorrerão de 30 de novembro a 4 de dezembro”.

Vale lembrar que essa não é a primeira vez que a gigante chinesa comercializa vacinas para o Brasil. Em 2009, durante a epidemia da H1N1 (gripe suína) a Sinovac foi a primeira empresa a ter liberação para distribuir a vacina contra o vírus no mundo. A vacina começou a ser utilizado no Brasil em março de 2010, e tinha o objetivo de evitar uma segunda onda de contaminação viral no país. Ao todo, a epidemia de H1N1 matou 2 mil brasileiros, e a aplicação da vacina da Sinovac foi considerado, à época, bem sucedida.

Foto: Jernej Furman/Flickr

 

Polêmica de corrupção e suborno

Nos últimos anos, a confiança da população chinesa na indústria da vacina do país foi minada por casos de ineficácia dos soros, e até de corrupção. Grandes farmacêuticas como a CanSino Biologics, Instituto Wuhan e a própria Sinovac Biotech estão em um processo de reconquista dos créditos com a sociedade chinesa. Dois anos atrás, foi revelado que o Instituto Wuhan havia aplicado vacinas ineficazes para tétano e difteria em milhões de bebês ao redor da China. A empresa foi multada pelo governo em US$ 1,3 bilhão.

Antes disso, segundo reportagem do The New York Times, uma investigação descobriu que a Sinovac cometeu crimes de corrupção com o governo chinês por mais de 10 anos. Entre 2002 e 2014, o gerente-geral da farmacêutica, Yin Weidong, teria repassado US$ 50 mil como forma de suborno para o vice-diretor da China — responsável pela liberação de insumos farmacêuticos —. Com isso, a aprovação de medicamentos da empresa foi facilitada pelo governo durante esse período. Ninguém da empresa ou governo foi punido por esse fato, e conforme dito anteriormente, Yin Weidong é, hoje, o CEO da Sinovac. Em ambos os casos, nenhuma acusação criminal formal foi feita contra as empresas.

Escândalos à parte, o governo chinês decidiu adotar medidas facilitadoras para as farmacêuticas nacionais durante a pandemia do coronavírus, visando a maior rapidez possível na pesquisa, fabricação e distribuição de vacinas contra a covid-19. Um exemplo é a aprovação concedida para que as empresas pudessem executar, simultaneamente, as duas primeiras fases da produção da vacina. Tal ação foi criticada por cientistas chineses que defendiam a importância da análise dos resultados da primeira fase antes do início da segunda fase.