Vestibulares e coronavírus: e quando não sabemos a alternativa correta?

Vestibulandos compartilham dificuldades e incertezas sobre a realização de processos seletivos on-line e presenciais

 

por Gabriella Sales

Aulas e realização das provas foram prejudicada pela pandemia, deixando os estudantes apreensivos. Foto: USP Imagens

 

No último dia 12 de dezembro, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), utilizado como mecanismo de ingresso em diversas universidades públicas e estaduais, acontecerá em abril de 2021 e utilizará as notas do Enem 2020. O exame, por sua vez, está programado para acontecer em janeiro de 2021, tendo seus resultados divulgados em março.

Todas essas datas estão distantes do padrão. Geralmente, o Enem ocorre em outubro e o Sisu, em janeiro. Com a pandemia de covid-19, as datas foram adiadas após longos períodos de incerteza, e ainda parecem estar sujeitas a mudanças, dependendo da situação sanitária do país.

Os vestibulares foram um dentre muitos acontecimentos e processos que foram afetados pela chegada do coronavírus. Todo o processo envolvendo a realização da prova, desde a preparação dos estudantes até os dias de avaliação, sofreram com as consequências da pandemia, deixando professores, organizadores e estudantes no escuro. Nesse contexto, cada instituição busca superar os empecilhos de maneiras diferentes, procurando soluções para a realização dos processos diante da situação atual. No entanto, todas as mudanças e incertezas trazem dificuldades e inseguranças para os vestibulandos.

Laura Ribeiro, 20, está prestando vestibular para Medicina e conta que manter o foco no contexto da pandemia é uma grande dificuldade: “Todo esse ano como vestibulanda foi um processo de superação. Tive que me adaptar ao estilo da aula e a uma nova forma de estudar em casa, o que no final acabou sendo períodos de altos e baixos, com semanas de superprodução atreladas a outras de total desânimo, ansiedade e desmotivação”.

Leandro Henrique, 17, cursa o terceiro ano do ensino médio e pretende entrar para o curso de Arquitetura na faculdade. Para ele, as aulas on-line também prejudicaram os estudos em 2020. “A pandemia me desmotivou muito e gerou um grande estresse na minha rotina de estudos para os vestibulares. Mesmo os professores se dedicando muito para dar as aulas por EAD no período normal, não foi muito efetivo”, conta. Assim como Laura, ele também precisou reestruturar toda a rotina de estudos, e acredita que a falta de interação com os professores e colegas foi muito prejudicial.

A possibilidade de interagir pessoalmente também fez falta para Beatriz Andrade, 19, que também busca cursar Medicina.

“A única coisa boa [das aulas on-line] é que as aulas ficam gravadas, então você consegue assistir depois. Mas os alunos perderam muito, não só pela questão de contato com professor. O que eu mais sinto falta é o contato humano. Era importante para distrair e tenho certeza que todo o processo seria mais fácil se eu pudesse estar tendo esse contato”, comenta.

 

Nessa prova, cai a saúde mental

Para além dos impactos nos estudos e na transmissão de conteúdo, os vestibulandos foram intensamente afetados psicologicamente pela pandemia. Em uma fase de vida que já é cheia de pressões, ansiedades e incertezas, vem uma crise mundial e uma mudança brusca de rotina e realidade, que alertou toda a população em relação aos cuidados com a saúde mental. No caso de quem está tentando ingressar no ensino superior, todos esses fatores se acumulam e tornam o processo ainda mais complicado.

É o que conta Leandro:

“Os vestibulares já trazem o sentimento de nervosismo e dever de conseguir passar, sem contar com a sensação de que será aquela prova que irá decidir seu futuro. Isso apenas se agravou com a pandemia, um problema que mudou completamente a minha maneira de estudar e meu psicológico, me fazendo cada vez mais desacreditar na capacidade de passar nos vestibulares”.

Ele conta ainda que, com o retorno parcial das aulas presenciais na sua escola, em novembro, houve certo alívio por poder ao menos revisar os assuntos finais dessa maneira. Também para Laura, “manter a saúde mental foi o maior desafio. A ansiedade, que já é comum no processo de vestibular, se intensificou com todo o terror causado pelo vírus e pela falta de cuidado do governo na contenção dele”.

Beatriz já estava passando por um momento conturbado quando chegou a pandemia. Após cursar um ano de Psicologia e, ainda, Direito, por um período, ela buscava vivenciar experiências diferentes para encontrar o curso que de fato a agradasse. “A pandemia colocou meu planejamento de cabeça pra baixo. Fiquei sem rumo. Estava sem aula, sem vivências e sem claros objetivos. Foi muito difícil pra mim, principalmente depois que vimos que a coisa era séria e não iria acabar em 15 dias. Tive que me reinventar e procurar novos meios de chegar ao meu objetivo pré-pandemia, achar meu curso”, conta. “Tentei criar hábitos e hobbies para me ocupar, pesquisar e ver diversos vídeos sobre rotina de profissões e muita terapia! Depois de muita luta, consegui chegar em uma resposta e agora meu maior objetivo é me livrar das barreiras que eu criei e passar na faculdade.”

As telas podem substituir o papel?

Diante da impossibilidade de realizar os processos seletivos de maneira presencial ao longo do ano, muitas instituições privadas decidiram organizar vestibulares on-line, para possibilitar que os estudantes ingressassem nas universidades conforme o calendário tradicional. Contudo, tais processos apresentaram uma série de problemas e, muitas vezes, não foram muito efetivos, além de serem bastante estressantes para os candidatos. Laura conta que se inscreveu para dois processos on-line que acabou não prestando por problemas nos servidores técnicos das provas. “Foi definitivamente uma das piores sensações deste ano. Não tive acesso a prova e cheguei a acreditar que não teria chance nenhuma de passar no processo, foi desesperador”, comenta.

Beatriz também passou por uma experiência desagradável com um processo on-line. Segundo a estudante, o sistema travou no meio do tempo da prova, que ela não conseguiu concluir. Ela conta que alguns candidatos não conseguiram acessar o sistema em nenhum momento, enquanto outros tiveram mais tempo do que o programado para realizar a prova, tendo acesso às questões depois que várias informações já haviam sido liberadas.  “Foi um horror, uma bagunça, muita gente entrando em desespero, já que estávamos lidando ali com o curso/faculdade dos sonhos de muitos. No final das contas eles anularam o vestibular, mas foi um desgaste emocional gigantesco para todos que fizeram a prova. Agora estamos sem data e nem nada sobre como e quando vamos realizar o processo”, diz.

Apesar de ter resultados relativamente positivos, Leandro também não teve boas experiências com os processos on-line. Em uma situação, ele conta que precisou escrever a redação três vezes e com temas diferentes, por problemas técnicos no sistema da faculdade. Já em outro processo, Leandro enfrentou problemas com a confirmação de sua documentação, que não foi feita devido a falhas no sistema. “Tive que fazer outra prova dessa faculdade duas semanas depois, tendo que me adaptar rapidamente com as duas horas de prova e não conseguindo entregar algumas questões”, conta. Devido aos problemas, o estudante recebeu bolsas parciais em ambas as faculdades, mas o processo foi bastante estressante.

Sem resultado

Em meio a tantas questões, o sentimento que se mantém é a incerteza. Enquanto os processos on-line não parecem dar muito certo, outras provas mantidas presencialmente também trazem dúvidas. A Fuvest e a Unicamp anunciaram diversas modificações para possibilitar a realização das provas em janeiro. O MEC confirmou a ocorrência do Enem também no início de 2021. Porém, a situação também não é confortável para os vestibulandos.

“O aumento dos casos de covid-19 está me deixando muito ansiosa e, principalmente, com medo. É uma mistura de sentimentos: ao mesmo tempo em que só quero que esse processo acabe logo, não me sinto segura em me expor”, diz Laura.

Leandro também não se sente seguro com a realização das provas. Ele acredita estar numa posição privilegiada em relação aos estudantes de escolas públicas, por exemplo, mas ainda não se sente bem preparado. “Sei que não foi um ano produtivo e necessito de muito mais para passar em vestibulares grandes como esses”, afirma. Beatriz também tem preocupações sobre o assunto. “Ninguém sabe como vai ser, se realmente vão acontecer. É tudo muito incerto e isso é um pouco desesperador, mas tento não pensar muito nisso para não desandar, desanimar ainda mais”, diz.