Brasileiro com bolsa de E-Sports em universidade americana explica porque retornou: “Realidade decepcionante”

Giordano Pereira, o primeiro brasileiro com bolsa americana de eSports, conta como foi sua experiência na Missouri Valley College.

 

por Pedro Henrique de Sousa

Giordano Pereira no centro de treinamento de eSports da Missouri Valley College. Foto: Acervo Pessoal/Giordano Pereira

 

Em 2018, Giordano Pereira ficou famoso no cenário nacional do eSports, ao se tornar o primeiro brasileiro a conseguir uma bolsa de estudos de eSports em uma universidade americana. No entanto, mais de dois anos depois de iniciar seu caminho no exterior, Giordano relata problemas em sua experiência, desde do processo de seleção para a bolsa até à realidade decepcionante que encontrou nos Estados Unidos. Questões que o motivaram a voltar ao Brasil cerca de um ano depois de rumar ao exterior.

Os obstáculos para Giordano ou “Gikko” — como é conhecido na comunidade do jogo League of Legends — começaram ainda quando ele era um candidato à vaga de bolsa na Missouri Valley College. Segundo ele, a agência de intercâmbios MVP Exchange se omitiu, diversas vezes, da função de intermediar a comunicação de Giordano com a universidade americana durante o processo de seleção. “Eu tive que marcar por conta própria as entrevistas com o coach (treinador) da universidade. Além de ter que cuidar de vários detalhes de documentação, que também era tratado com certo desdém por eles.”

Para Giordano, esses contratempos poderiam ser evitados se a MVP Exchange tivesse, à época, profissionais especializados em eSports, e que soubessem o guiar nos trâmites e procedimentos necessários. “Não sei se atualmente existe uma equipe específica em eSports na MVP Exchange, mas naquele momento foi justamente o que me faltou”. Àquela altura, a agência tinha setores especializados apenas para esportes tradicionais. 

Apesar das dificuldades encontradas nas seletivas, “Gikko” acabou sendo escolhido pela Missouri Valley College para integrar sua equipe de eSports no League of Legends com bola de 75%. Para ele, a escolha se deu pela seu histórico e regularidade dentro do game, mas, principalmente pelo retorno que a universidade teria com o marketing de trazer o primeiro brasileiro no eSports universitário americano. “As universidades que criam essas bolsas são em sua maioria pequenas e privadas, e olham os jogadores como investimentos, que podem dar o retorno financeiro. A qualidade do player é secundária nessa conta.” Desde da chegada de Giordano em 2018, mais dois brasileiros foram selecionados para bolsas de eSports na Missouri Valley College. 

Giordano ainda conta que, a partir do momento que conseguiu passar das seletivas, a MVP Exchange começou a explorar sua imagem, agendando entrevistas e divulgando sua história. “Dei entrevistas engessadas, em que não conseguia me expressar livremente”, relembra ele. 

Expectativa x Realidade 

“Gikko” sempre esteve ciente da pouca competitividade que teria em competições universitárias com o time de sua universidade. Durante as entrevistas e conversas antes de sua ida aos Estados Unidos, foi alertado de que a equipe de League of Legends que ele iria encontrar não era do mais alto nível. O projeto do time da Missouri Valley College no game  estava dando seus primeiros passos, e não visava resultados expressivos.

No entanto, o brasileiro não estava inteirado da estrutura pouco profissional que iria encarar durante o período em que esteve na pequena cidade de Marshall, onde fica a universidade. Falta de treinamento adequado, dispensa e escolha sem critério do coach do time foram alguns dos fatores levantados por Giordano. Seu relato dá conta de que o treinador do time foi dispensado em pouco tempo, o que obrigou ele e um companheiro a assumirem essa função por um tempo. A ausência de um coach atrapalhou uma preparação adequada da equipe para as competições universitárias. “Essa bagunça me decepcionou. Estava preparado para competir com um time mais fraco, mas falta de estrutura nem pensava pela minha cabeça. Não esperava um amadorismo desse nível. A imagem que eu tinha do eSports universitário americano era a oposta ao que vivi.”

Giordano posa para foto com companheiro de time na Missouri Valley College. Foto: Acervo Pessoal/Giordano Pereira

 

Segundo o brasileiro, essa falta de organização e preparo se deve ao desinteresse da universidade em relação ao nível técnico das equipes de eSports, uma vez que o objetivo em criar esses times não é, necessariamente, de desenvolver a qualidade de seus jogadores e vencer torneios universitários.

Outro ponto levantado por Gikko é sobre a qualidade de ensino que encontrou por lá. Novamente, a realidade ficou abaixo das expectativas, e Giordano sentia que o nível geral de seus professores e de aprendizado aqui no Brasil era maior em relação ao que lhe era oferecido nos Estados Unidos. “Eu pensava: ‘se for pra ter um ensino assim, é melhor eu voltar para o Brasil e ficar em casa’”.

Mas o brasileiro pondera que houve aspectos positivos na sua experiência em solo estadunidense. Segundo ele, a chance de encontrar pessoalmente e trocar conhecimento com grandes figuras do eSports mundial foi gratificante durante torneios e campeonatos, e enfrentar alguns dos melhores do mundo acabou ajudando a humanizar essas “lendas” dos games. Além disso, Giordano relata ter tido um crescimento pessoal decorrentes das dificuldades e benefícios da experiência durante esse ano no exterior. Circunstâncias estas que o transformaram como indivíduo.

Giordano e seu time durante competição nos Estados Unidos. Foto: Divulgação/Instagram

 

Retorno ao Brasil

Devido a todos infortúnios relatados, Giordano decidiu regressar ao Brasil no segundo semestre de 2019. “Minha principal missão lá sempre foi abrir a porta para outros brasileiros. Quando eu senti que havia conseguido realizar isso, decidi que devia voltar para casa.” Ao tomar essa decisão, Giordano abriu mão de mais 3 anos como estudante com bolsa na Missouri Valley College.

Mesmo com a escolha pela supressão do planejado anterior, Giordano acredita que a experiência que viveu teve saldo positivo, e recomenda que outros jovens sigam o mesmo caminho, desde que tenham convicção dessa decisão: “Nunca foi meu sonho ir para o exterior jogar por uma universidade americana. Isso entrou na minha vida por um acaso. Imagino que quem tenha de fato esse objetivo, tenha mais força para superar os problemas que eu passei, e mais prazer durante os bons momentos.”

Nesse mês, Giordano acabou de ser contratado como diretor da Rio Atletic, uma agência de intercâmbio esportivo acadêmico, e seu cargo na empresa será coordenar as seletivas de aspirantes brasileiros a bolsa de eSports em universidades americanas. Função esta que lhe faltou quando iniciou seu processo de seleção para bolsa na MVP Exchange. “Durante o período que estive nos Estados Unidos, eu acabei angariando contatos importantes de outras universidades que podem servir para futuras promessas do eSports nacional alcançarem bolsas. Sinto que posso ajudar nisso.”