Qual o legado da turma de 2020?

 

Por  Rodrigo Ratier

Tido como uma das principais referências dos estudos de jornalismo, o americano Tom Rosenstiel costuma dizer que não basta construir os barcos, é preciso conhecer os oceanos por onde eles navegam. Transposta para a realidade atual da profissão, a metáfora chama atenção para o fato de que uma reportagem não se encerra quando apertamos o botão de “publicar”. Os tempos são outros e hoje é preciso cuidar para que nossas “canoas” de informação, análise e opinião cheguem até seu público.

O editorial de Isabel Teles faz menção aos esforços de adaptação do JC para o ambiente online. De início, é preciso reconhecer a importância de que um aguerrido grupo de alunos e alunas, juntamente com seus professores e professoras, tenha persistido em manter vivo e pulsante o jornal em contexto tão dramático quanto inédito. No semestre em que tive o privilégio de atuar como ombudsman, o Jornal do Campus cumpriu sua missão de informar, de maneira crítica, sobre os principais acontecimentos da Cidade Universitária. É sem dúvida algo a ser valorizado.

Finais de ciclo são também momentos de balanço. A pergunta que se impõe é sobre o legado que a turma 2020-2 deixa para a classe que a sucederá. Uma análise das levas de reportagem publicadas ao longo do período revela uma transição iniciada, mas ainda incompleta, para o digital. Para quem olha de longe como eu, a imagem que se tem é que a pandemia desafiou o JC a, finalmente, questionar a arraigada cultura do impresso.

Até pouco tempo atrás, o site parecia uma transposição das edições em papel, algo claramente insuficiente para os tempos em que vivemos. Com algumas melhorias, era basicamente o que fazíamos quando eu era aluno da ECA, na virada do milênio. Mesmo em tempos pandêmicos as primeiras edições pouco aproveitavam os recursos do suporte digital. Até ferramentas básicas como hiperlinks eram escassas. Por vezes, o leitor ou leitora se confundia diante de um texto em tipo colorido ou sublinhado. Parecia hiperlink, mas era só… um tipo colorido e sublinhado. Aos poucos, o problema passou a ser corrigido. Surgiram também produções audiovisuais e um maior cuidado com as artes digitais. A reportagem Como fazer comunicação acessível e inclusiva?, assinada por Giovanna Farnezi, é um exemplo virtuoso dessa maior abertura multimídia. 

As redes sociais do JC também merecem mais atenção. O perfil do Facebook parece tocado meio “no automático”, com o combo texto curto, foto e link encurtado. Há mais formatos a explorar, algo que vem sendo feito com melhor qualidade no Instagram. De todo modo, há uma dificuldade histórica que a turma não enfrentou. Em tese, jornal não entra “de férias”, ainda mais no ambiente digital. Essa questão se arrasta desde meus tempos de aluno, mas penso que, com alguma criatividade, possa ser atacada.

O espaçamento entre as publicações não favorece a fidelização da audiência. É possível pensar em periodicidade mais curta e em conteúdo especial para os períodos de troca de turmas com programação antecipada. O rico acervo digital do JC permite que se conceba um fluxo de reportagens não necessariamente quentes, mas enganchadas com efemérides e outros tipos de repercussão antecipável. 

Outra questão diz respeito ao alcance das publicações. Em geral o engajamento das postagens é baixo. Novamente, o obstáculo é transponível, mais com diálogo do que com recurso financeiro. Já são comuns as parcerias entre publicações laboratoriais universitárias e veículos da grande mídia, que formam alianças via diferentes modelos de republicação. São caminhos que se abrem para que a relevante produção do JC reverbere cada vez mais além dos muros — concretos e simbólicos — da USP. Uma alegria poder contribuir com o querido Jornal do Campus. Vida longa.