A USP depois de um ano: alunos da universidade que tiveram seu primeiro ano de forma remota compartilham experiências


Turma de 2020 da USP termina o primeiro ano de faculdade depois de um ano praticamente inteiro remoto e se prepara para receber calouros

 

por Sofia Kassab

 

Entrevistados encontram formas de se conectarem mesmo de forma virtual. Arte: Luana Franzão

 

Os ingressantes de 2020 tinham muitos planos e expectativas para viver o famoso “ano de calouro”. Depois de meses de estudos intensos para realizar o sonho de entrar na USP, eles tiveram um gostinho das tão sonhadas aulas, atividades extracurriculares e demais vivências universitárias. Durante pouco mais de três semanas, eles foram estudantes como os de quaisquer outros anos, mas logo veio a notícia de que a USP iria suspender as aulas presenciais devido à pandemia da covid-19.

Esses jovens tiveram que, de uma hora para a outra, mudar suas rotinas e se adaptar a um mundo completamente remoto, no qual não apenas suas vidas acadêmicas precisavam ser construídas através de uma tela de computador, mas também suas vidas sociais.

Confira o que quatro desses alunos têm a dizer sobre suas impressões e sentimentos depois de viverem o primeiro ano de faculdade de forma remota.

Qual foi a primeira reação de vocês quando ficaram sabendo que a USP iria suspender as aulas presenciais e aderir ao EAD?

Ana Clara, 19 anos, Bacharelado em Física: No começo, quando teve aquele primeiro relato de que tinha uma menina com covid na Geografia eu estava no Instituto de Física. Eu pensei que ia parar uma semana, duas, um mês, no máximo. Só que duas semanas depois o professor já começou a dar aulas remotas, isso bem antes da própria USP adaptar para o remoto e foi aí que eu vi que as coisas iam continuar assim. E foi me dando uma tristeza. Eu sempre acho que daqui um mês, no meio do ano, no ano que vem, a gente vai voltar. Tá sendo bem difícil de me acostumar, mas confesso que até já me acostumei um pouco.

Fellipy, 19 anos, Economia: A minha expectativa de melhora foi caindo de tempos em tempos. Nas primeiras semanas  deu tempo de curtir,  ter uma vivência universitária, ir para algumas aulas presenciais. E eu lembro que numa sexta-feira eu estava na vivência da FEA quando anunciaram que tinha uma pessoa da Geografia que era o primeiro caso de covid na USP e que as aulas iam parar. Só que na hora eu nem fiquei tão preocupado, eu pensei “Ah, deu tempo de curtir legal, acho que vamos ficar umas semanas ou meses parados e depois volta ao normal”. Mas aí veio a pandemia, né? E quanto mais tempo passava, mais a expectativa de melhora ia caindo. Depois de um tempinho percebi que a situação não era tão leve quanto a gente pensava logo que as aulas remotas foram anunciadas.

Wilker, 21 anos, Fisioterapia: Eu achei que fosse ser algo muito rápido. Que iria ficar uma ou duas semanas parado e depois voltava. Nesse início eu até gostei porque eu não ia precisar pegar quatro ônibus por dia, sair mais cedo, achei que seria algo rápido. Mas conforme foi passando, um mês, dois meses, três meses, eu vi que já estava no meio do semestre e que não ia voltar. 

Wu, 21 anos, Engenharia Mecatrônica: Assim como o Wilker e o Fellipy eu também achei que ia voltar rapidinho, duas semanas e a gente voltava. Estou lidando com algumas frustrações das aulas, que ainda não acostumei. Eu também achei muito frustrante a interação com o pessoal, que já não era muito boa, e a pandemia acabou agravando tudo. Nos grupos da turma ninguém fala nada e é assim vai ser assim pra sempre.

No instituto de vocês, como estão sendo as aulas? Tem alguma aula prática que vocês perderam ou precisaram adaptar?

Ana Clara: Alguns professores conseguiram se adaptar bem. Os professores mais novos conseguem mexer melhor com tecnologia e conseguiram manter o padrão de aulas muito bom, tão bom quanto as primeiras aulas que eu tive presencialmente. Só que alguns outros professores, por serem de mais idade, não conseguiram se adaptar muito bem naquele começo. No segundo semestre já houve uma melhora. Eu tenho uma matéria que ela precisa ser no laboratório, precisa ter contato com os materiais e isso a gente está tendo que improvisar, fazer os experimentos em casa, então é um pouquinho ruim, mas está dando para levar na medida do possível.

Fellipy: No curso de Economia não temos aulas práticas, é tudo teoria, então não tivemos tantos problemas em precisar de aulas presenciais. Quanto à adaptação, assim que anunciaram que as aulas na USP iam virar EAD, houve um tempinho até a FEA conseguir plataformas, se organizar direitinho e a gente conseguir ter aula. E assim como a Ana falou, alguns professores se adaptaram bem a isso logo no primeiro semestre, outros não, mas melhoraram no segundo semestre. Alguns professores continuaram extremamente rígidos, achando que por ser EAD eles podem cobrar dez vezes mais. Alguns resolveram pegar um pouco mais leve, outros largaram mão e quase nem deram aula. Eu  não me adaptei bem às aulas, não consigo de jeito nenhum, prefiro presencialmente. Eu sinto que tenho mais foco e comprometimento presencialmente do que estando na minha casa todo o tempo, tendo que assistir aulas dentro do meu quarto.

Wilker: Eu estou um pouco mais adaptado do que em março do ano passado, por exemplo. Mas a grande maioria dos meus professores se adaptaram bem ao formato remoto e o próprio curso de Fisioterapia logo de início já tomou a iniciativa de deixar tudo remoto. E não é que foi tranquilo, mas grande parte dos professores se mostraram solícitos, flexíveis e abertos para questionamentos e mudanças nas aulas. A Fisioterapia tem muitas aulas práticas, então a gente precisa tocar, falar com o paciente, precisa observar. As práticas eram para ter voltado agora em janeiro para repor o ano passado, mas o nosso laboratório entrou em reforma e ficou parado até agora. Agora as aulas de Anatomia e Cinésio já estão voltando, que são as mais importantes.

Wu: Muitos dos meus professores são mais idosos, então foi bem difícil eles se acostumarem, pelo menos no primeiro e segundo semestres. Agora no terceiro estou percebendo que muitos professores já se adaptaram e melhorou bastante em relação ao ano passado, principalmente no que diz respeito a mexer nas ferramentas, que antes era bem difícil para eles. Quanto às práticas, é triste. A gente teria que mexer em laboratório, com ferramentas, maquinário e a gente não teve isso, tivemos mais vídeos que os professores passavam para nós. A gente via o professor gravando e fazia um relatório sobre isso.

Em algum momento vocês tiveram dúvidas sobre continuar o curso nesse novo formato?

Ana Clara: Eu queria estar na USP, eu queria estar em São Paulo, naquela universidade maravilhosa que eu vi nas primeiras semanas, mas eu nunca questionei a escolha do meu curso porque eu sempre gostei muito dessa área.

Fellipy: Para mim é uma situação muito frágil. Me incomodou bastante a maior universidade da América Latina ter esse nível de despreparo para lidar com o EAD, eles poderiam ter pelo menos uma plataforma pronta para as aulas remotas. É uma das coisas que fez cair um pouco a minha expectativa sobre a USP. Quanto à escolha do meu curso, nunca foi algo que eu realmente amei, eu sempre gostei de exatas e humanas, então achei que talvez me desse bem em Economia. E para mim esse EAD foi um golpe muito duro, já não me adaptei ao EAD, ainda mais num curso que eu nem tinha certeza.

Wilker: Eu nunca pensei em trancar a Fisioterapia e nem em mudar de curso. Antes de vir para a USP eu já tinha feito um ano em outra faculdade. Quando entrou esse EAD eu me questionei bastante se eu realmente estava aprendendo, se eu iria atrasar minha graduação por causa das aulas práticas que perdemos, mas ao mesmo tempo, nós da Fisioterapia tivemos aulas, enquanto outras faculdades estavam paradas. 

Wu: Nunca cheguei a ter muitas dúvidas sobre o curso que eu escolhi. Eu até tive em um momento, mas foi muito rápido e acabei mantendo. No começo eu achei muito ruim, mas diferente de amigos meus, eu pelo menos tive aulas. Eu cheguei a ficar irritado com algumas situações, mas nunca pensei em desistir ou trancar. De forma geral estou satisfeito com a forma que as coisas foram adaptadas. 

Como foi a parte social para vocês? Conseguiram criar laços, fazer amizades, trabalhar bem em grupo, mesmo sem conhecer pessoalmente todos os seus colegas?

Ana Clara: Eu me senti muito acolhida no IF desde a primeira semana, muita gente falava comigo, os veteranos puxavam papo. Quando passou para o on-line, eu sentia falta de ver todo mundo presencialmente, mas os grupos da Física são bem movimentados. Tem grupos para discussão de matérias, grupos de memes, o pessoal conversa muito nos grupos, nas redes sociais, te adiciona, te marca nas coisas. Então é ruim, mas eu não senti que caiu tanto. Eu tenho contato com a maioria das pessoas com quem eu tive no presencial. Claro que o contato humano faz falta, mas todo mundo continuou se apoiando.

Fellipy: O pessoal da FEA é bem aberto a receber os calouros que entram, temos a gincana no começo do ano, na maior parte visando a integração. Essa gincana foi fundamental para mim no ano passado, eu consegui fazer amizades, conhecer veteranos e me sentir pertencente à FEA e à USP. Eu tive sorte de encontrar algumas pessoas que tinham algo em comum, montar um grupo e isso continuou quando começou a pandemia. Sempre fazíamos calls, conversávamos no Whatsapp e isso foi estreitando nossa relação. A FEA tem muita coisa para fazer, você só vai ficar isolado se você realmente quiser!

Acolhimento on-line dos alunos mantém o clima divertido e interativo entre os alunos. Foto: Christina Morillo

 

Wilker: Quanto ao pessoal da minha turma, eu fui conhecer muita gente por meio de trabalhos, dúvidas, o pessoal se ajuda bastante. Mas ainda tem muita gente que eu ainda não conheço. Eu não participei da semana de recepção nem da festa de integração, mas mesmo assim eu me senti bem acolhido pelos meus veteranos, que sempre se mostraram muito solícitos e dispostos a ajudar. As entidades como Atlética, Bateria e CA também permitiram que eu tivesse bastante contato com o pessoal.

Wu: A maior parte dos contatos, interação e acolhimento que eu tive foram por meio do Centro Acadêmico que organizou algumas atividades como dogão, churrasco. A maioria do pessoal da minha sala tinha várias panelinhas que se formaram na primeira semana. Eu também me inseri em algumas panelinhas, mas de qualquer forma eu tento interagir com todo mundo, por ser representante de classe. Não é todo mundo que se fala, as pessoas se falam mais em pequenos grupos. 

Agora depois de um ano, como vocês estão se sentindo? Se tornaram veteranos e mal foram calouros! 

Ana Clara: Eu tento não desmotivar os calouros, porque isso impacta nos estudos deles. A gente passa a realidade e nos colocamos à disposição para ajudar. Criamos várias salas e grupos para ajudar e integrar. Foi um baque muito grande ver que a lista da Fuvest tinha saído, que os calouros já estavam chegando, perguntando coisas, mas mostramos apoio, motivamos e seguimos em frente! 

Fellipy: Concordo com a Ana! Assim como nós tivemos nossa recepção, eles precisam ter a deles. O sentimento que eu tenho depois de um ano é de tristeza, porque esse ano inteiro provavelmente vai ser em EAD, então metade da minha graduação vai ser em EAD. Como veterano, ou “calouro-sênior“, eu acredito muito em fazer as pessoas se sentirem bem onde elas estão e dar esperança para elas. Falar que está difícil a situação, mas que vai voltar, que eles vão poder curtir, que estamos todos ainda aprendendo a lidar com as coisas. O sentimento é esse: tristeza por ter perdido, mas esperança de poder voltar

Wilker: Ser um veterano sem ter passado pela experiência de ser calouro da USP é um pouco complicado, mas a comissão e a turma tentaram ao máximo fazer com que os calouros se sentissem acolhidos. Fizemos jogos on-line e atividades super divertidas. Mesmo sabendo que é um momento atípico, eles estão felizes, então não queremos deixar isso morrer, essa motivação deles. O sentimento é de felicidade por estar voltando e um pouco de dúvida. Fico pensando se deixei de aprender alguma coisa, se vou ser prejudicado, se vou sofrer alguma consequência.

Wu: O centro acadêmico promoveu jogos, bastante integração. Os calouros, diferente da gente, já entraram num ambiente EAD, com os veteranos compartilhando esse ambiente remoto. Isso ajudou bastante na integração deles. Quanto ao sentimento, acho que valeu a pena ter esses dois primeiros anos remotos. Os dois primeiros anos da Poli são bem difíceis, então é bom poder voltar na aula de algumas matérias.

Têm alguma dica para quem, assim como vocês, vai encarar um começo de curso em um formato totalmente diferente do que era esperado?

Ana Clara: Faça perguntas, não existe nenhuma pergunta idiota. Você está na universidade para aprender. Tenha perseverança que as coisas vão melhorar!

Fellipy: Não desistam e logo mais estamos aí no presencial!

Wilker: Tente manter-se motivado, procure seus veteranos sempre e tenha em mente que uma hora essa fase passa!

Wu: A universidade pode não ser a melhor para você nesse momento, mas aproveite da melhor forma sem desistir!