Um ano atrás, uma bala perdida atingiu João Pedro

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
por Ramana Rech Duarte

São Paulo/SP – Brasil, 13-05-2021. Foto: Gabriel Guerra/JC

 

Exatamente no dia do fechamento da 515ª edição do Jornal do Campus, a morte do adolescente negro João Pedro Matos Pinto completa um ano. Ele foi atingido por uma bala perdida enquanto brincava durante uma atuação policial em 19 de maio, no Complexo do Salgueiro, região metropolitana do Rio de Janeiro. 

Ainda em 2020, o Brasil assistiu a João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, ser sufocado e espancado por seguranças no supermercado Carrefour. Houve ainda o desaparecimento dos três meninos em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, que permanece sem investigação concreta ou respostas e tantos outros casos, cujos nomes não caberiam neste editorial. 

Como se o derramamento de sangue não bastasse e as vozes que pedem “parem de nos matar” fossem silenciosas, o país presenciou a chacina de Jacarezinho, operação mais letal do Rio de Janeiro, deixar 29 mortos no dia 6 de maio de 2021. Os números e a cor deixam óbvio que não só a operação policial na favela do Jacarezinho do dia 6 de maio foi ineficiente, como também parte de uma política genocida e racista. 

Uma semana depois, a lei áurea completou 133 anos, indicando, mais uma vez, as contradições do Brasil, que não se livrou das amarras da escravidão. E como poderia, sendo um país erguido sobre mão de obra escrava e, principalmente, negra, que tanto desprezou? Ou cujo fim da escravidão deixou para trás o quartinho da empregada?

A impressão que fica é de que o tempo passa, o mundo gira, pessoas nascem e morrem, mas as coisas não saem do lugar. Ainda assim, talvez não seja presunção afirmar que a mudança vem, apesar de lenta, e que estamos melhor do que nossos pais. Isso, é claro, com base em muita luta. 

Foi por conta de toda essa luta que esta edição do Jornal do Campus pôde ser a primeira do ano em que, finalmente, a Universidade de São Paulo atingiu 50% das vagas preenchidas pelas cotas de Escola Pública, sendo 37,5% destinadas a alunos autodeclarados pretos, pardos e indígenas. 

Vale lembrar que a USP chegou atrasadíssima e foi uma das últimas universidades a aderir a reserva das vagas para ações afirmativas. Após anos de pressão dos movimentos negro e estudantil, o Conselho Universitário aprovou com larga maioria as cotas na universidade. Ao todo, 75 dos 92 conselheiros votaram a favor, segundo números divulgados pelo DCE da USP. No ano passado, pela primeira vez, a USP expulsou um aluno por fraudar as cotas.

Em reação à chacina do Jacarezinho diversas pessoas ocuparam as ruas das capitais do Brasil e do mundo no dia 13 de maio, data oficial do fim da escravidão e Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo. A manifestação, convocada pela Coalizão Negra por Direitos, pedia o fim do racismo, do genocídio negro, das chacinas e clamava justiça pelas vítimas do Jacarezinho. 

Nesse contexto, o Jornal do Campus se propôs a cobrir as manifestações do dia histórico 13 de maio e a entoar o grito de que vidas negras importam.