A natureza do Campus se importa com a nossa ausência?

Com tanto tempo longe de uma das maiores áreas verdes da cidade, o que pode ter mudado no comportamento da fauna e da flora da USP?

 

Por Breno Queiroz

murucututu coruja Parque Esporte para Todos Natureza da USP Fauna Ave rara
Coruja Murucututu. Foto: Gustavo Accacio

Contando a partir do dia desta publicação, já faz 428 dias desde que as aulas presenciais da USP se tornaram remotas. Como consequência, a área de quase quatro milhões de metros quadrados do campus Butantã sofreu uma drástica redução na circulação de pessoas, que segundo dados da Prefeitura do Campus (PUSP-C), chegava a 100 mil por dia.

Enquanto grande parte da população mundial se recolhia para suas casas, surgiam na mídia histórias sobre a natureza aproveitando-se do vácuo deixado pela humanidade. Peixes voltando a nadar nos canais limpos de turistas de Veneza, elefantes desastrados invadindo vilarejos na China. Muitas não eram verdade e viralizaram justamente por um pensamento que circula entre nós de que “a humanidade é o vírus”.

No início da pandemia era possível notar alguma diferença, principalmente em relação à poluição sonora e do ar. Mas não se pode confiar tão facilmente nessas primeiras impressões. 

Segundo um artigo de climatologistas publicado na revista Nature, em abril de 2020, durante a maior parte do lockdown global, as emissões de CO2 caíram 17% diariamente, comparadas com a média de 2019 no mundo todo. Em maio o cenário já era outro, e os principais observatórios afirmavam que estávamos batendo um novo recorde de emissões. Uma curva particular semelhante a outros momentos de crise, como em 2008.

Se os estudos mais detalhados mostram uma diferença extremamente passageira no nível de recuperação da natureza em resposta à forte intervenção humana, o que podemos esperar do contido ecossistema do campus Butantã? 

Você vê alguma mudança significativa na circulação das pessoas no campus?

Guardas terceirizados: Diminuiu, mas ainda vem gente fazer uma “caminhadinha”, os ciclistas… No começo não tinha ninguém. Eram só os terceirizados que vinham. Tem que vir, né? O pessoal da segurança e manutenção. Eu desço no Portão 3 e venho andando. Muito calmo.

Como você acha que ficou a natureza aqui depois que as pessoas saíram?

Homem da guarita do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp): Ah, sem as pessoas passando por aqui ficou triste, né?

Você não tem medo de sair em patrulha e encontrar algum animal que você nunca viu?

Homem da guarita do Instituto de Biociências (IB): Não, a gente já está acostumado a ver macaco, lagarto, pássaro. Claro que eu evito alguns lugares.

Talvez, o conceito de natureza seja mais subjetivo do que o esperado. Afinal, a natureza pode significar o clima geral de um lugar, como no caso do Cepeusp tem-se normalmente um clima sempre agitado que desafia seus mais assíduos frequentadores, as aves Quero-quero.

Como estão os Quero-quero que moram no Cepeusp?

Homem da guarita do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp): Com certeza, eles estão mais tranquilos. Raramente eu chego perto deles, e não tem ninguém mais para incomodar

Elizabeth Höfling, ornitóloga e professora aposentada do Instituto de Biociências (IB): Eu acredito que eles estão tranquilamente fazendo seus ninhos. Os Quero-queros geralmente fazem ninhos no chão em épocas de muitas chuvas.

A maioria dos professores de biologia estão afastados do campus, e só puderam contribuir com a reportagem através de hipóteses. As apostas estavam centradas na mudança de comportamento da avifauna, por ser mais sensível à presença humana. A professora Höfling além de ser uma experiente estudiosa das aves, também já escreveu alguns livros minuciosos catalogando e descrevendo espécies que habitam o campus.

Em que regiões seria mais fácil observar mudanças no comportamento da natureza?

Elizabeth: O Cepeusp por conta dos Quero-queros e outras aves, a raia olímpica também tem alta movimentação de mamíferos e aves que circulam o rio pinheiros. E na mata da biologia, tem-se uma região preservada que abriga muitos animais.

Na opinião dos entrevistados que patrulham essas áreas do campus pouco mudou. Também Höfling fez essas previsões esperando que alguma atividade de manutenção tenha sido alterada significativamente — matos altos e espalhamento de sementes, que iriam dar sustento às explorações animais para regiões antes frequentadas por humanos.

A manutenção permanece a mesma, segundo relato dos seguranças, e a própria Prefeitura do Campus (PUSP-C), responsável pelo serviço informou que as ocorrências para captura e destinação de animais pelo sistema USPAtende diminuíram vertiginosamente, o que é explicado pela diminuição na circulação de pessoas. Foram apenas três ocorrências em 2021, comparadas à média de 20 por mês dos níveis pré-pandêmicos. Os animais mais comuns a serem denunciados eram os saruês, aves (quero-quero) e os lagartos teiús.  

Entre poucos olhares, só mesmo olhos treinados seriam capazes de notar alguma diferença. No caso, os olhos de Gustavo Accacio, doutor pelo Instituto de Biociências, estudioso da ecologia urbana e que não deixou de visitar o campus em razão da pandemia.

Quais os motivos das suas visitas ao campus?

Gustavo Accacio: Desde 2004, eu faço sensos de borboletas em diversos parques da cidade, inclusive na Cidade Universitária — todo mês. É uma continuação do meu trabalho de mestrado. E nessa atividade eu acabo vendo muita coisa da fauna. Então mesmo quando o campus estava fechado, eu pude entrar lá como pesquisador.    

Borboletas são muito sensíveis à mudanças no ecossistema, certo?

Gustavo: Existem sim borboletas que podem ser usadas como indicadores de mudanças e de qualidade ambientais. Dependendo do estado da vegetação de um parque, por exemplo, tem-se mais ou menos espécies de borboletas. No campus são quase 500 espécies, perdendo apenas, em São Paulo, para o jardim botânico.

Seria possível, então, perceber a chegada de uma nova espécie no campus?

Gustavo: O Campus é uma área vegetal isolada dentro de uma mancha urbana. Por exemplo, para uma ave florestal chegar até lá, ela precisaria de caminhos florestais,  que não estão presentes. O aparecimento de espécies nesse caso depende de uma fonte. Como os peixes nos canais de Veneza vem do oceano.

Se é assim, o que pode ter acontecido de diferente durante a pandemia?

Gustavo: Os lagartos teiús estavam andando pelo asfalto, atravessando a avenida da raia olímpica e andando no canteiro central, com muito mais frequência e liberdade. Isso não quer dizer um aumento de população, eles estavam explorando um ambiente agora disponível. No Parque Esporte para Todos, eu vi uma espécie de coruja, muito rara de se ver na cidade. Eu não sei quantos registros dela existem na USP, mas ela estava usando um lugar que geralmente não usa. Ela já é da mata do campus, mas teve oportunidade de explorar novos lugares. Chama-se murucututu.