Coletivos negros enfrentam novos desafios durante a pandemia

Grupos buscam meios de lidar com questões como recepção de alunos e a permanência estudantil

 

 

por Victor Aguiar Ferreira

Núcleo Ayé, da Faculdade de Medicina, reunido em 2019. Reprodução: Instagram Núcleo Ayé

 

Coletivos são espaços de discussão e convivência muito presentes no ambiente universitário — e entre os tantos grupos que povoam a USP com suas pautas, há os coletivos negros, criados por estudantes negros para estudantes negros com o objetivo de compartilhar vivências, acolher e auxiliar no enfrentamento a problemáticas comuns a esse grupo de alunos que, segundo dados de 2017, ainda representa somente 15% da comunidade uspiana, mesmo configurando maioria na população brasileira.

Assim como a maior parte dos institutos e organizações universitárias, os coletivos negros não passam ilesos pela pandemia. Desafios já conhecidos, como a redução da evasão universitária, são amplificados, enquanto situações inéditas, como a recepção dos calouros à distância, de maneira totalmente on-line, exigem novas articulações. Nessa reportagem, buscamos conversar com alguns desses coletivos a fim de entender como foram afetados pela pandemia — e, principalmente, como estão se adaptando ao “novo normal”.

Núcleo Ayé

Fundado no segundo semestre de 2017 com o objetivo de recepcionar os primeiros ingressantes aprovados por meio do sistema de cotas, o Núcleo Ayé, coletivo negro da Faculdade de Medicina (FMUSP), vinha expandindo sua atuação para tópicos como a permanência estudantil, o combate às fraudes de cotas e, claro, ao racismo na Universidade.

Não só isso: em encontros semanais promovidos pelo Ayé, temas como política, cultura e espiritualidade se somam a discussões a respeito da negritude. 

“Antes da pandemia o Núcleo Ayé realizava presencialmente uma reunião por semana”, explicam representantes do coletivo. Com a chegada da pandemia, no entanto, os encontros foram transferidos para o formato on-line, mas mantendo a mesma frequência. 

É difícil falar em “pontos positivos da pandemia”, mas fato é que a transição para o ambiente virtual levou à utilização de outra ferramenta por parte dos futuros médicos: o YouTube. O canal do Ayé, que hoje conta com 181 inscritos, foi palco da Segunda Semana Preta da FMUSP e do evento “Eu não sou uma mulher?”, realizado em referência ao 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

“Acredito que a nossa maior dificuldade tem sido o longo período das atividades de maneira remota”, analisa uma representante do grupo. “Como todas as atividades da graduação e muitas atividades da pós adotaram o mesmo formato, as pessoas estão cansadas de estar no [Google] Meet a todo o momento”. 

Apesar do cansaço, os calouros recepcionados pelo coletivo não deixam de ressaltar a importância dele. O estudante Ytalo Pau-Ferro Duarte conta que, inicialmente, teve receio de inserir a USP como opção no Sisu, mas que viu que poderia se sentir confortável na instituição. “Alguns coletivos pregavam o acolhimento, além de eu ter tido contato com alguns relatos de veteranas pretas que também passaram por situações parecidas”, declara. 

A estudante Vitória Luísa de Souza Ferreira descreve uma situação similar. Ela relata que, apesar de a entrada na USP ter sido a realização de um sonho, também fez surgir algumas incertezas e medos. “Receio de não me encaixar ou me adaptar, de não conseguir lidar com todas aquelas novas informações, de não me sentir merecedora”, explica. “O contato com pessoas que entendiam minhas angústias foi fundamental para diminuir aquele sentimento sufocante de deslocamento”. 

Poli Negra

Outro coletivo de intensa atuação na comunidade uspiana é a Poli Negra, que começou em 2016 como um grupo de Facebook e cresceu até se consolidar como coletivo negro da segunda faculdade com mais alunos matriculados da USP. Os desafios enfrentados pelo grupo, por sua vez, correspondem ao tamanho da Escola. 

Assim como no caso do Núcleo Ayé — e de tantas outros coletivos, a bem dizer —, a Poli Negra também precisou adotar algumas mudanças para lidar com o novo cenário de ensino à distância imposto pela pandemia. 

“No passado, todos os nossos eventos eram realizados presencialmente em espaços com boa circulação de pessoas”, contam representantes do grupo. Os relatos se somam aos dos estudantes da FMUSP no que diz respeito às barreiras encontradas: “com a necessidade de realizar esses eventos de maneira virtual, a maior dificuldade enfrentada é o desânimo em participar de ainda mais eventos virtuais, pois já existe um cansaço associado às aulas”. 

Uma problemática nada recente, por outro lado, é a da evasão universitária. A luta pela permanência estudantil não é uma situação nova na USP — levantamento feito em 2016 aponta que mais de 20% dos alunos deixam a universidade —,  e a pandemia vem agravando essa situação. Problemas como a falta de acesso à Internet, de ambiente e/ou equipamentos adequados para o estudo, entre outros, foram reforçados por essa nova configuração, especialmente entre grupos mais socialmente vulneráveis, como é o caso, muitas vezes, dos estudantes negros. 

“A USP e a Poli têm organizado diversas iniciativas de arrecadação de dinheiro e eletrônicos para auxiliar alunos sem acesso à Internet, bem como alguns grupos de extensão e centros acadêmicos”, contam representantes da PN. “Nós como coletivo auxiliamos essas iniciativas com divulgação para que alunos necessitados sejam atingidos e contemplados com tal apoio”.

Para Beatriz Brum, estudante de Engenharia Ambiental, uma das dificuldades até agora foi manter a motivação para os estudos, “ainda mais com algumas matérias mais detalhadas e difíceis”, completa. 

Apesar de, segundo ela, não conseguir participar tanto quanto gostaria das atividades do coletivo, ele não deixa de desempenhar um papel importante no que diz respeito à representatividade, em sua concepção. 

“É muito bom acompanhar as discussões tendo em vista que são pessoas com uma perspectiva de vida parecida com a minha, mas de opiniões e realidades plurais”, conta. “Assim, acredito que o coletivo vai estar presente na minha vida acadêmica como um espaço de acolhimento e luta que eu sempre precisei”. 

Opá Negra

A Opá Negra, por sua vez, também enfrentou dificuldades. Por mais que se trate do coletivo negro da Escola de Comunicações de Artes, a comunicação com os integrantes da Opá foi um grande desafio no início da pandemia — e ainda gera empecilhos para o grupo.

Estávamos nos reorganizando como coletivo e, de repente, chegou a pandemia e percebemos que precisaríamos nos mobilizar por reuniões via Meet, WhatsApp, grupo do Facebook e repassar o que estávamos fazendo por meio das nossas páginas oficiais”, relembram representantes do grupo. “Acreditamos que a principal dificuldade foi alcançar as pessoas que ainda não estavam nos grupos do coletivo”.

Em relação aos novos ingressantes, a situação ainda está em aberto. “Tivemos um dia de apresentação durante a semana de recepção e pudemos apresentar o coletivos, seus membros e o que estamos fazendo”, contam. Uma reunião geral com os calouros, no entanto, ainda está para acontecer: “estamos aguardando o fim das chamadas (Sisu e Fuvest) para termos uma reunião interna com todos os novos ingressantes”.

Conheça o perfil dos coletivos citados na matéria