EAD provoca medo e insegurança em motoristas de fretados

 

por Matheus Zanin

Donos de empresas e motoristas observaram suas rendas caírem nos últimos meses. Arte: Matheus Zanin de Moraes

 

A partir de março de 2020, a USP precisou adaptar suas atividades para o ambiente digital, e funcionários e alunos deixaram de frequentar os diferentes campi da Universidade. Com a baixa demanda de locomoção, serviços coletivos particulares de transporte — fretados — sofreram com a queda de clientes e, consequentemente, com a queda de lucros.

Motoristas, não associados à instituição e sem qualquer tipo de auxílio, precisaram buscar outras fontes de renda para sobreviver durante o período. 

Obstáculos na pandemia

O uso de fretados era feito principalmente por alunos que moram em cidades da região metropolitana de São Paulo, destacando-se como uma alternativa de locomoção até à USP. Seu preço, geralmente, chegava a ser menor do que a locação de um dormitório próximo à instituição. No caso da Cidade Universitária, no Butantã, por exemplo, a rede de motoristas particulares atendia regiões como o ABC paulista, Santos, Guarulhos e, até mesmo, Jundiaí.

Claudionor do Nascimento, 53 anos, trabalha com fretamento desde 2009. Em decorrência do Ensino a Distância (EAD), o motorista encerrou a rota que fazia entre a USP e a cidade de Guarulhos. “Sem alunos, comecei a fazer transporte ambulatorial na pandemia. Cadastrei meu veículo de acordo com as necessidades da Secretaria da Saúde de São Paulo”, explica. Nascimento realizou o translado de diversos pacientes que precisaram de atendimento hospitalar, como indivíduos em tratamento por hemodiálise e quimioterapia.

Apesar do trabalho a favor de uma causa nobre, sua renda atual não se compara à anterior. “Fomos obrigados a nos submeter a salários ou bicos muito mais baixos, ficando difícil manter a família e o carro”, adiciona.

Alexandre Fernandes, 43 anos, é motorista e dono de uma empresa de fretamento. Segundo ele, a empresa possuía vans, micro-ônibus, ônibus e carros de apoio que atendiam alunos e funcionários da Universidade em diversas áreas da capital desde 2009. Em 2020, ele precisou vender um veículo e dispensar 5 motoristas. Hoje, restaram apenas ele e mais um colega. “Estou fazendo trabalhos como eletricista para completar a renda. Outros colegas meus precisaram vender seus veículos para garantir o próprio sustento. A situação ficou insustentável”, diz Fernandes.

Um dos veículos utilizados por Alexandre para o transporte dos alunos. Entre seus principais gastos, encontram-se a gasolina e manutenção. Foto: Alexandre Fernandes/Arquivo pessoal

 

Após a paralisação das aulas, Adenilson Machado, 47 anos, também encerrou seus contratos com alunos e demais clientes. Hoje, ele atua como motorista “freelancer” e como auxiliar de pintura na área de Construção Civil. “Não obtive nenhum tipo de auxílio financeiro, muito menos direito ao auxílio emergencial do Governo. Passei por muitas dificuldades, a ponto de ter que me expor à contaminação e procurar qualquer tipo de emprego informal”, destaca.

Com a lentidão da vacinação no Brasil, a possibilidade de regresso — tanto de alunos como da maior parte dos funcionários — à USP é indefinida. Os motoristas ainda não sabem quando poderão voltar a trabalhar e se conseguirão obter renda igual ou superior ao período pré-pandêmico. 

Contas sem fechar

Para Mauro Veiga Fernandes, 56 anos, o trabalho presencial dos funcionários da USP, no Butantã, era a sua principal fonte de renda. Funcionário do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Veiga Fernandes também é coordenador de um fretado que faz o trajeto entre Santos e a capital há 25 anos. “No início da pandemia, o meu maior medo era o transporte parar por falta de passageiros. Caso acabasse, não teríamos mais como juntar os clientes para recomeçar a linha de novo”, explica.

Em março de 2020, a rota possuía 50 passageiros. A partir de abril, ela perdeu, em média, 4 passageiros por mês. Hoje, restam 15 clientes, sendo que 4 pagam o valor do serviço sem utilizá-lo, com medo de que a linha acabe e de modo a mantê-la. 

Foto: Freepik

 

A situação de Veiga Fernandes é delicada, uma vez que o funcionário público fretava seu veículo para uma empresa particular, que coletava parte do lucro ao final de todos os meses. “Antes, o dono da empresa falava que conseguia pagar o combustível e o salário dos motoristas. Um ano depois, ele disse que não poderia continuar mais, porque a rota estava gerando prejuízo financeiro”, ele diz. De acordo com o coordenador da linha, o valor arrecadado durante a pandemia totalizou menos que a metade de quando seu veículo transportava 50 passageiros.

Como alternativa, em novembro de 2020, Mauro se juntou a outra empresa de transportes em Santos. Entretanto, a partir do aumento de casos de covid-19 em janeiro, a situação piorou, e as despesas aumentaram. “Estou realizando a rota com um micro-ônibus, mas com uma baixa demanda para a capital.”

Segundo Mauro, a preocupação maior da empresa não é a falta de estudantes da USP, uma vez que seu retorno presencial ocorrerá apenas no próximo ano, se possível. “Nossa preocupação é a presença dos funcionários da Universidade e os passageiros avulsos, por isso, estamos torcendo para a vacinação avançar”, ele fala.

Caso a rota deixe de existir, o coordenador salienta que é praticamente impossível recriá-la em um segundo momento, pois o valor de fretamento é muito elevado e exigiria um grande número de passageiros para abranger o investimento. Ele explica que o retorno presencial de todos os funcionários não ocorrerá no mesmo momento. 

“Para atender a região litorânea, meu fretado foi praticamente o único que restou. Um colega meu, que fazia uma rota a partir de São Vicente, precisou fechá-la. Quem saiu prejudicado foram os donos de empresas e motoristas”, finaliza Veiga Fernandes.