Faculdade de Medicina não garantiu imunização da maior parte seus alunos

Cerca de 700 estudantes de medicina, sem auxílio da FMUSP e com aulas práticas em ambiente hospitalar, buscam novos meios de vacinação

 

por Emylly Alves

Alunos buscaram formas alternativas de garantir a vacinação, como tentar conseguir doses remanescentes em diversas UBS. Foto: Emylly Alves/JC

 

Quando a imprensa anunciou, em janeiro, a primeira pessoa vacinada contra a Covid-19 na capital paulistana, criou-se um entusiasmo entre os estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Os alunos dos dois últimos anos, em internato, foram vacinados. Entretanto, a outra parte, majoritária, ficou desamparada, apesar das atividades práticas em ambiente hospitalar.

O plano da FMUSP era incluir os alunos do primeiro ao quarto ano na segunda fase do calendário de vacinação de São Paulo, iniciada em fevereiro. Contudo, a instituição alegou dificuldades na obtenção de doses para os estudantes depois que o Hospital das Clínicas apareceu na mídia como “privilegiado na vacinação”.

Nos atuais critérios estabelecidos pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), os estudantes apenas em aulas práticas não são vistos como profissionais da saúde e não fazem parte do grupo prioritário. Dessa forma, para que sejam vacinados, é necessário que eles comprovem estágio.

A FMUSP defende, no entanto, que os critérios determinados no PNI vão de encontro ao estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que define como profissional de saúde qualquer um que frequenta o hospital, incluindo alunos da graduação.

Mesmo sem garantir a imunização aos estudantes, a instituição decretou o ensino híbrido, com aulas teóricas à distância e práticas presencialmente, no início do atual ano letivo. Com o retorno, houve um surto no número de casos de Covid-19 entre os alunos, que desenvolviam atividades no Hospital das Clínicas e no Hospital Universitário. Consequentemente, a FMUSP suspendeu novamente as aulas presenciais dos cerca de 700 estudantes.

Reação dos estudantes

Com a falta de apoio da instituição, o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC), entidade representativa dos estudantes, buscou formas alternativas para garantir a vacinação. Numa das articulações, conseguiram o apoio do secretário estadual da Saúde Jean Gorinchteyn. Mesmo assim, a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), pasta responsável pela campanha de imunização na cidade de São Paulo, negou as doses.

Segundo os estudantes, outros colegas acadêmicos na capital já foram vacinados mesmo estando em igual período estudantil e profissional, como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O centro acadêmico conseguiu, após meses de diálogo, que ao menos os alunos do quarto ano, considerado pré-internato, pudessem ser vacinados no Hospital das Clínicas.

Interpretação do plano de vacinação municipal

O primeiro instrutivo, publicado pela Prefeitura de São Paulo, que destinou as doses remanescentes, conhecidas como a “xepa”, para profissionais de saúde com mais de 18 anos foi divulgado no dia 13 de maio. Praticamente nenhum estudante conseguiu se vacinar por ele.

Mais tarde, no dia 27 de maio, um novo instrutivo incluiu acadêmicos da saúde no plano de vacinação. Até então, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) não tinham a obrigação de fornecer doses para os alunos. O documento também retirou os profissionais de saúde dos elegíveis para a xepa. Na interpretação controversa de quem estaria incluído na categoria de “acadêmico de saúde”, grande parte dos estudantes pôde se vacinar no dia da publicação.

Em seguida, o instrutivo publicado no dia oito de junho destina doses remanescentes para os alunos da graduação, independente do período de formação. 

De acordo com tabela elaborada pelos próprios estudantes, cerca de 77% dos alunos dos quatros primeiros anos de medicina conseguiram se vacinar. A maioria de forma autônoma, por meio de um desses instrutivos e sem o auxílio da FMUSP.

ANO

TOTAL DE ALUNOS ALUNOS VACINADOS

PORCENTAGEM DE ALUNOS VACINADOS

Primeiro

175 80

45%

Segundo

180 145

81%

Terceiro

171 160

94%

Quarto

193 173

89%

“É responsabilidade da Comissão de Graduação garantir a qualidade do nosso ensino e isso foi posto em segundo plano. A infeliz mensagem passada pela instituição é que a pós-graduação é mais importante do que a graduação”, afirma um aluno do terceiro ano que prefere não ser identificado. Ele só conseguiu se vacinar após o último instrutivo que regula o tema, depois de tentar em três UBS e duas farmácias.

Por fim, a instituição determinou, na última semana, que aqueles que não conseguiram se vacinar podem comparecer ao Centro de Imunizações (CRIE) do Hospital das Clínicas, onde serão vacinados.

Perdas acadêmicas

Pela alta carga de atividades práticas no curso, estudantes do terceiro ano elaboram uma nova grade curricular para reduzir a perda acadêmica. “Fizemos alguns levantamento do número de aulas práticas que foram perdidas e das aulas futuras que também serão e ficamos assustados com o resultado”, explica uma das alunas responsáveis pelo projeto que também tem receio de ser identificada. 

Mas, após a última reunião com o presidente da graduação, os alunos foram informados de que a Comissão de Graduação assumiria a reorganização das grades curriculares e das reposições do segundo semestre. “Então fomos afastados do processo e aguardamos novas informações”, afirma a estudante.

Questionado sobre o tema, o professor Milton de Arruda Martins, presidente da Comissão de Graduação da FMUSP, respondeu que as reposições em geral só poderão ser planejadas com retorno às aulas práticas, contabilizando o que de fato foi perdido.

A FMUSP declarou retorno às aulas presenciais desde 31 de maio para os alunos do segundo e quarto ano. Em seguida, determinou que as aulas devem ser retomadas no segundo semestre do ano letivo, com início em meados julho, para os alunos do terceiro ano.